Cozinha Bruta

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Sushi análogo à escravidão está com desconto no iFood

Operação policial encontra trabalhadores de restaurantes japoneses de São Paulo confinados em alojamento imundo

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São Paulo

A placa, obrigatória por lei, está em todos os restaurantes: "Visite nossa cozinha". Você já fez o que diz a placa? Já pediu para dar uma olhada nos fundos do restaurante?

Eu também não. Todas as vezes que visitei uma cozinha, foi a trabalho –combinado previamente e sem intenção alguma de fiscalizar qualquer coisa. Você sempre acaba vendo algo que gostaria de poder desver.

O convite da placa é uma formalidade. Ninguém quer você lá, você não quer estar lá. Restaurantes, como gostam de dizer alguns, existem para proporcionar experiências. Um faz-de-conta em que o cliente é alguém muito importante, digno de tratamento subserviente.

Captura de tela com ofertas de comida japonesa no iFood
Captura de tela do Sushi Tucuruvi Delivery, acusado de submeter funcionários a condições análogas à escravidão, no aplicativo iFood - Reprodução

Conhecer os bastidores do espetáculo, ainda que sejam belos bastidores, mata a fantasia –você verá panelas velhas e amassadas, fogões engordurados e ingredientes de qualidade inferior à esperada para tão nobre estabelecimento. Sabe o camarão flambado no conhaque? É caninha de quinta categoria, tingida e aromatizada. Acontece nas melhores casas do ramo.

Tudo sempre pode piorar. A cozinha de um restaurante, escondida dos clientes (cozinhas abertas são sempre bem cuidadas), pode revelar higiene precária e condições desumanas de trabalho.

Por mais que você fique só um ou dois minutos, é possível sacar o humor dos funcionários, perceber quando há algo sinistro no ar.

Nesta quarta-feira (31), o colunista Leonardo Sakamoto e o repórter Daniel Camargos relataram no UOL uma operação policial que flagrou 17 pessoas mantidas em regime análogo à escravidão em restaurantes de São Paulo.

São três casas de sushi na zona norte da cidade, todas pertencentes ao mesmo grupo empresarial. A Operação Sushi Paulistano –força-tarefa de Polícia Federal, Ministério Público do Trabalho e Superintendência Regional do Trabalho– encontrou os trabalhadores num alojamento descrito, por um auditor fiscal, como "uma imundície".

Sem chuveiro quente no inverno, um dos funcionários disse estar há cinco dias sem banho. Os homens dormiam num ambiente que, segundo os agentes da operação, cheirava a suor e urina.

Se você não se comove com a situação dos trabalhadores –aliciados no interior do Piauí e da Paraíba– pense nas mãos que vão preparar o seu sushi. É uma situação não tão incomum assim.

Em 2019, no Rio, uma operação semelhante flagrou dez funcionários de dois restaurantes dormindo num quartinho infestado de ratos e baratas. Eles haviam sido cooptados no Ceará. Em São José dos Campos (SP), também em 2019, um restaurante japonês mantinha quatro pessoas –vindas da Bahia e de Sergipe– num porão infecto.

São redes que trazem gente de longe com promessas falsas. Do Nordeste, do Paraguai ou da China. É fácil ignorar e continuar comendo. Mais ainda quando você pede o rango em casa, pelo aplicativo.

Falando nisso, fui ver no iFood o cardápio de um dos japoneses da Operação Sushi Paulistano. Promoção: rodízio para duas pessoas, R$ 70. Sobremesa inclusa.

Já sabemos que não existe almoço grátis. Está na hora de começarmos a desconfiar da comida barata demais.

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