Cozinha Bruta

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Descrição de chapéu Cracolândia

Cadeira de praia nos bares de SP justifica o sarro dos cariocas

Movida a gim, abstração do hipster paulistano apaga a miséria e a imundicie da cracolândia expandida de Santa Cecília

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São Paulo

O texto "Criminosos levam celulares em arrastões em bares no centro de São Paulo", publicado segunda-feira (16) na Folha, não poderia ser mais didático na exposição das entranhas doentes da cidade.

Bom, o título já entrega que se trata de noticiário policial. Arrastão é uma desgraça em qualquer lugar. Acontece que o lugar é relevante.

A região onde ocorreram os crimes, no encontro de Santa Cecília com a Vila Buarque, concentra metade dos bares de gente modernosa, progressista, avançada, revolucionária e autorreferenciada da cidade. Não minto: é onde estão os poucos bares que eu frequento hoje em dia.

Bar de Santa Cecília, região central de São Paulo, com cadeiras de praia espalhadas na calçada - Gabriel Cabral/Folhapress

É também uma paisagem urbana imunda, assim há décadas por causa da proximidade com o horrendo Minhocão. Sempre teve uma enorme população de pessoas em situação de rua, mas isso se agravou muito com o desmantelamento da cracolândia da Luz.

Os dependentes se espalharam por toda a região central, que se tornou um foco de infecção social aguda. Não é um lugar seguro. Seria um lugar agradável?

Aí você vai lendo a matéria e topa com uma foto de duas dúzias de cadeiras de praia armadas num dos bares vítimas de assalto. Como se a cracolândia estendida fosse uma praia. Como se cadeira de praia fosse mobiliário adequado para qualquer comércio a mais de dez metros do mar.

Concordo que cada um se vira com o que tem. São Paulo não conta com a beleza natural do Rio e, aqui, precisamos viajar de elevador até o topo de um arranha-céu se quisermos algum tipo de horizonte cheio de concreto. Queremos e precisamos de diversão, está certo, só que o pessoal pega pesado.

É divertido beber cerveja entre cracudos e seus cobertores encardidos, miseráveis pedindo comida, fumaça de ônibus, pombos mortos, baratas tamanho A4 e a água preta da sarjeta? Dá para fingir que isso é uma praia?

A abstração do hipster paulistano é um prodígio. Consegue tornar invisível, silencioso e inodoro tudo o que há de incômodo na calçada do boteco de Santa Cecilia. Deve ser o gim mágico que os bares da região vendem.

São Paulo nunca vai ser o Rio, por mais que uma parcela de nossa elite intelectual passe metade do ano dormindo de favor em algum apartamento de Botafogo e volte falando com o "r" chiado.

Cadeiras de praia têm uma razão de existir: elas são baratas e práticas para serem usadas na areia, corroídas pela maresia e substituídas em questão de meses.

As barracas do Leme não as alugam à clientela por causa do conforto ou do design; os quiosques do calçadão oferecem cadeiras de verdade para as veneráveis bundas da freguesia.

Sempre que alguma reportagem mostra algum bar com cadeira de alumínio numa garagem de chão de brita ou calçada esburacada, São Paulo dá razão aos cariocas. Paulistano merece o sarro que toma.

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