É Logo Ali

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É Logo Ali - Luiza Pastor
Luiza Pastor
Descrição de chapéu

É hora de aproveitar o frio no primeiro parque nacional do país

Itatiaia tem opções de trilhas e passeios para todo perfil de visitante

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Com o fim do verão e o início da temporada mais seca, os atrativos da serra da Mantiqueira começam a receber a visita de um número cada vez maior de visitantes. Um dos percursos mais tradicionais da região é o Parque Nacional do Itatiaia, primeiro parque criado no Brasil, por iniciativa do então presidente Getúlio Vargas, em 14 de junho de 1937. As terras, que um dia pertenceram a Irineu Evangelista de Souza, o visconde de Mauá, haviam sido vendidas ao governo federal em 1908 para criação de dois núcleos coloniais. O projeto não deu certo, as terras foram parar nas mãos do Ministério da Agricultura que, em 1929, criou uma estação biológica que acabaria por transformar-se no PNI. Nele fica o Pico das Agulhas Negras, quinto mais alto do país, com 2.791 metros de altitude.

Maciço das Agulhas Negras visto do Abrigo Rebouças, no Parque Nacional do Itatiaia - Mathilde Missioneiro - 27.nov.21/Folhapress

Abrangendo os municípios de Itatiaia e Resende, no estado do Rio de Janeiro, e Bocaina e Itamonte, em Minas Gerais, o parque tem uma área de 28.000 hectares (280,8 quilômetros quadrados) e é de fácil acesso pela rodovia Presidente Dutra. Sua visitação está dividida em Parte Baixa e Parte Alta. A primeira, que em geral exige menos do visitante, tem como principais atrativos o lago Azul e as cachoeiras do Complexo do Maromba, incluída aí a bela Véu da Noiva. Mas é nessa área que fica também a trilha dos Três Picos, classificada como difícil, ou seja, que exige algum preparo físico e mais cuidado do visitante.

Já na Parte Alta do PNI estão localizadas algumas das opções mais desafiadoras de trilhas, como os maciços das Agulhas Negras e das Prateleiras e as travessias da Serra Negra, Ruy Braga, e várias outras vertentes que vão sendo abertas pela equipe especializada em montanhismo, liderada por Luiz Aragão, chefe do parque. O acesso a cada trilha, em geral, é restrito a um máximo de 20 a 26 pessoas por dia. As informações específicas para cada trilha podem ser encontradas no site aqui.

Luiz Aragão, chefe do Parque Nacional do Itatiaia
Luiz Aragão, chefe do Parque Nacional do Itatiaia - Divulgação

O grande diferencial do PNI, segundo Aragão, é justamente seu gradiente de altitude, ou seja, a grande diferença do relevo, que varia de 600 a 2790 metros. "Isso gera uma grande variedade de ambientes, formações rochosas únicas, campos de altitude, baixas temperaturas o ano inteiro, plantas e animais raros e ambientes para vários esportes de montanha", destacou por meio de nota.

Quando fala em baixas temperaturas, Aragão não está exagerando. O montanhista Jobson de Oliveira Pereira, "55 anos de idade, 42 de montanha", sabe bem o que é pegar uma nevasca em pleno estado do Rio de Janeiro. Uma, não: duas. Em 1985, subindo para a parte alta, só ao chegar lá em cima descobriu que a garoa gelada que vinha sentindo tinha virado flocos de neve.

Grupo procura montanhistas perdidos em meio a nevasca na Parte Alta do Parque Nacional de Itatiaia, em 1985
Grupo procura montanhistas perdidos em meio a nevasca na Parte Alta do Parque Nacional de Itatiaia, em 1985. Jobson Pereira, ao centro, agachado - Arquivo pessoal/Jobson Pereira

"Tínhamos sido chamados para ajudar na busca de dois montanhistas perdidos na Prateleiras, e passamos a noite inteira procurando-os em meio à nevasca", relata Pereira. "Apesar da ralação e do frio, foram momentos eternizados na memória, uma sensação bem diferente, e nem tínhamos equipamentos importados adequados ao frio, era japona da escola e tênis Kichute", lembra. Três anos mais tarde, mais uma vez nevou na parte alta do maciço, "mas foi uma neve mais rala".

Concessão tumultuada

Em fevereiro de 2019, a administração do parque foi concedida por licitação à empresa Hope Recursos Humanos. Foi uma cerimônia cheia de pompa da qual participaram o presidente do ICMBio à época, Adalberto Eberhard, e o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles —sim, aquele mesmo que aconselhou ao presidente aproveitar que o país só pensava no coronavírus para passar a boiada Brasil afora.

Entretanto, apesar da previsão contratual de investimentos de R$ 17 milhões por 25 anos, até janeiro deste ano praticamente nenhuma das melhorias anunciadas havia sido implementada. A Hope entrou com pedido de recuperação judicial no dia 31 daquele mês, e a empresa (também alvo de investigação pela operação Lava Jato) já acumula mais de R$ 3 milhões em multas, como contou a Folha em janeiro passado. Procurada pelo blog, a advogada Camila Mattos, do escritório Rücker & Longo Advogados, responsável pelo processo de recuperação, não retornou os contatos até o fechamento desta reportagem.

Mais recentemente, a gestão da concessão passou para a empresa BR Parques, que se desligou da Hope. Procurada, tampouco retornou os contatos até a publicação deste texto. Segundo fontes do mercado, é provável que a concessão tenha nova administração já no próximo mês, ficando a cargo da Parquetur, empresa que já opera o Parque Caminhos do Mar, em São Paulo.

Para o bem e para o mal

Se para certo perfil de visitante as melhorias promovidas com os recursos da privatização foram positivas, por melhorarem o acesso a mais gente a áreas que antes eram de difícil circulação, para estudiosos como Carlos Eduardo Zikan, que foi diretor do PNI de 1995 a 2000, a derrubada de trechos de mata para ampliação de trilhas e pistas, e principalmente para a abertura do parque a atividades de ciclismo e motociclismo trouxe junto um desafio a mais.

Carlos Eduardo Zikan, ex-diretor do Parque Nacional do Itatiaia
Carlos Eduardo Zikan, ex-diretor do Parque Nacional do Itatiaia - Arquivo pessoal

"A concessionária do parque liberou essas atividades na área, mas para isso precisou alargar trechos na mata, o que espantou borboletas e aves que não conseguimos mais ver caminhando pelas trilhas, como antes", conta Zikan, ponderando que "a empresa que pega uma concessão, com certeza, quer ganhar dinheiro, e não sou contra isso, mas neste caso exageraram um pouquinho".

Se a iniciativa privada ainda não mostrou a que veio no PNI, o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), órgão federal responsável pelo parque, tem feito o possível para facilitar a vida do visitante sem descuidar da manutenção da área, que ficou fechada ao público e aos próprios funcionários por cinco meses durante o período de isolamento da pandemia de Covid-19.

A mobilização de funcionários e voluntários para a recuperação e os cuidados das áreas atingidas por desabamentos, incêndios ou outros fatores naturais é visível, e o trabalho por ali não para, liderado por Aragão, ele mesmo montanhista experiente.

Depois de registrar apenas 48,2 mil visitantes em 2020, número quase três vezes menor que os 127,4 mil do ano anterior, a administração estima que, até o final de 2022, o espaço receba entre 140 mil e 150 mil visitantes. Só no carnaval (aquele oficial, não a micareta improvisada no feriado de Tiradentes), entre os dias 26 de fevereiro e 2 de março, passaram pela bilheteria 4.157 pessoas. Nos três primeiros meses deste ano, já cruzaram seus acessos 15.139 visitantes.

O controle de acesso ao parque é rígido, assim como as regras que valem para sua visitação. Entre elas, além da proibição de animais domésticos e fogueiras, está a exigência de que o visitante leve embora todos os dejetos que gerar, sem esquecer dos físicos (alerta: shit tube é obrigatório para as travessias!). Produtos químicos como sabonetes, xampus, protetores solares etc não podem ser usados nos cursos de água da área. Bebidas alcoólicas não entram no parque, e o silêncio, nas áreas de acampamento ou alojamento, é obrigatório entre 21h e 7h.

A natureza, com certeza, agradece.

ICMBio nega irregularidades

A respeito dos problemas apontados por Carlos Eduardo Zikan, Luiz Aragão, chefe do PNI, enviou a resposta abaixo:

"Com relação à matéria publicada neste blog em 6/5 e na Folha em 8/5, vimos esclarecer o seguinte: 1- Não são permitidas motocicletas ou outros veículos automotores nas trilhas do Parque Nacional do Itatiaia. Aqueles que desrespeitam essa norma estão sujeitos a multa e eventual responsabilização criminal; 2- As trilhas do parque são manejadas pelo ICMBio dentro de critérios técnicos a fim de atender aos objetivos dos parques nacionais previstos em lei: proteção ambiental, recreação em contato com a natureza, pesquisas cientificas e educação ambiental; 3- Antigas estradas estão sendo recuperadas como trilhas e manejadas para uso compartilhado de ciclistas e caminhantes, buscando atender de forma sustentável a demanda da sociedade por atividades em contato com a natureza. O mapa digital com as trilhas do parque está disponível para download em www.icmbio.gov.br/parnaitatiaia.

Procurado, Carlos Eduardo Zikan não quis comentar a nota.

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