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Luiza Pastor

Projeto quer registrar os 74 parques nacionais até o fim de 2024

Casal saiu de São Paulo em junho de 2021 e já visitou 32 unidades

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Em 2018, o casal Letícia Alves, 37, psicóloga, e Dennis Hyde, 42, economista do mercado financeiro, planejavam umas férias curtas, de duas semanas, e resolveram conhecer o Parque Nacional da Serra da Capivara, um dos mais importantes sítios arqueológicos do país, no estado do Piauí. Para aproveitar a viagem, resolveram estudar no Google Maps o que mais poderiam ver nas redondezas —e descobriram uma enorme massa verde chamada Parque Nacional da Serra das Confusões, oito vezes maior que a área da Capivara e sobre a qual não conseguiam localizar nenhuma informação oficial.

Casal Dennis Hyde e Letícia Alves, na Serra da Capivara, no Piauí
O casal Dennis Hyde e Letícia Alves, do projeto Expedição 74 Parques Nacionais, na Serra da Capivara, onde o projeto começou a ser pensado - entreparquesbr no Instagram

"Começamos a pesquisar em blogs, redes sociais, e aos poucos juntamos informações e resolvemos que o espaço merecia ser visitado", conta Letícia. Chegando lá, contrataram um mateiro que os acompanharia pelas trilhas do parque, e contou que eles eram os únicos visitantes que chegavam até lá em muito tempo.

"Passamos da impressão boa da exclusividade para a ruim de um espaço tão importante não ser conhecido, e resolvemos que algo precisaria ser feito", acrescenta a psicóloga. Foi assim que começou a ser gestado o projeto Expedição 74 Parques Nacionais, que tem a meta, como o nome indica, de registrar todos os PNs do país até 2024.

Mapa do Brasil mostra os pontos onde ficam os 74 parques nacionais a serem visitados pelo casal Dennis Hyde e Letícia Alves
Os 74 parques nacionais no mapa do Brasil - entreparquesbr no Instagram

"Foram três anos para chegarmos ao formato que consideramos ideal", conta Letícia. A primeira providência foi comprar o trailer mais confortável que houvesse no mercado, no lugar de um motorhome, que não conseguiria entrar em muitas das estradas planejadas. "Os acessos sempre são muito ruins, mesmo no Sul, onde a cultura desse tipo de viagem é mais presente", explica Dennis. Com o trailer, eles deixam a "casa" em algum ponto da região, seguindo com a caminhonete S10 4x4 até onde ela conseguir chegar e, depois, percorrendo os trechos mais rústicos a pé.

Desde que saíram de São Paulo, em junho de 2021, o casal já percorreu 32 parques, cerca de 40 mil quilômetros rodando e nada menos que 1.594 quilômetros a pé —não, Dennis não esqueceu o que chama de seu lado "farialimer", em alusão ao escritório em que trabalhava na sofisticada avenida Faria Lima, em São Paulo, e mantém uma detalhada planilha atualizada com todos os percursos e descobertas feitos pelos dois.

O trailer utilizado pelo casal Dennis Hyde e Letícia Alves, do projeto Expedição 74 Parques Nacionais
O trailer utilizado pelo casal Dennis Hyde e Letícia Alves, do projeto Expedição 74 Parques Nacionais - entreparquesbr no Instagram

Sustentando a viagem com as próprias economias do casal, o planejamento de cada trecho é fundamental, e já os levou a trocar o primeiro e luxuoso trailer por um menor, mais simples, mas também mais adequado aos difíceis caminhos que vão encontrando.

"Às vezes chegamos a lugares sem saída e era muito complicado dar a volta com um trailer enorme, com esse menor podemos virá-lo até com a mão, só soltando-o da S10", explica ele. Além da praticidade, a troca permitiu capitalizar ainda mais as economias do casal, e economizar em combustível, que Dennis aponta representar 30% de todos os seus custos.

"Encaramos este projeto como se fosse um mestrado na vida, foi assim que a gente se preparou", diz Letícia, "e nossa inspiração são os grandes naturalistas do passado, que tiveram nas suas grandes expedições a parte inicial e fundamental do seu aprendizado".

"É claro que a gente tem bastante consciência do nosso privilégio de poder fazer isso e a gente entende isso como uma responsabilidade, exatamente pegar esse privilégio em prol da conservação", acrescenta.

Uma experiência única

O desafio de viverem juntos 24 horas por dia, sete dias por semana, por um tempo estimado de três anos é contornado com a experiência adquirida de cada um seguir em seu próprio ritmo. "Quando caminhamos, vamos em silêncio para aguçar os sentidos, ouvimos pássaros, sentimos cheiro de bicho, algo que achávamos ser coisa de cinema, e temos uma vivência única, pessoal, que você só vai ter quando está totalmente só", diz Dennis. No final do dia, trocam as experiências de cada um e em geral descobrem "que as percepções foram completamente diferentes, e isso é muito rico", acrescenta Letícia.

Se a viagem começou pelo primeiro parque nacional do país, o de Itatiaia, o planejamento prevê que termine em Fernando de Noronha (PE), mas isso ainda pode mudar. No segundo semestre do ano que vem, eles pretendem enfrentar os difíceis caminhos dos parques amazônicos, começando por Acre e Rondônia. "Deixamos o norte para depois propositalmente, para entender os caminhos possíveis, conversamos muito com o pessoal do ICMBio, que sempre nos dá dicas boas sobre rotas e melhores épocas, e assim vamos juntando o máximo de informação possível", conta Dennis, que quando falou com o blog estava com a base montada em Trancoso, no sul da Bahia, de saída para visitar o Parque Nacional do Pau Brasil.

Fácil não é, mas vale o esforço

À pergunta inevitável sobre do que mais sentem falta depois de 15 meses seguidos na estrada, ambos respondem que, na verdade, é pouca coisa.

"Começamos a viagem em um momento em que o mundo estava bem esquisito, era um dos momentos críticos da pandemia, e tínhamos já uma rotina de falar com familiares e amigos pelas telas", explica Dennis. "Claro que sentimos falta disso, de lugares de São Paulo aonde íamos, da casa de lá que deixamos fechada para trás, de pessoas queridas, dos espaços de cada um, mas o que ganhamos de novos amigos que vamos conhecendo pelo caminho, e as conexões entre nós que vamos fazendo dão um sentido a tudo", completa.

O casal Dennis Hyde e Letícia Alves, no Parque Nacional do Cariri, na Bahia - entreparquesbr no Instagram

Para Letícia, além do acompanhamento da evolução dos tratamentos dos pacientes que deixou para trás, conta que sente falta da horta que deixou na casa de São Paulo. "Estou em um lugar em que há uma horta e lembro que era uma delícia acompanhar o crescimento das plantas que eu tinha em São Paulo, que traz uma ideia de continuidade, porque ir de um lugar para outro é uma delícia, e é importante para entender a realidade dos parques, mas não deixa de ser uma fotografia, um recorte, e poder estar mais tempo em um lugar para vê-lo se transformar é algo que faz mesmo falta", avalia.

E o que virá depois do 74º parque? "Já deixamos de nos perguntar isso, porque, enquanto ficamos apegados a ela, deixamos de viver a experiência real, que é a trajetória", conta Letícia. "O que a gente sabe é que queremos trazer a conservação para junto de nós de alguma forma, mas vai ser muito diferente, já somos muito diferentes", diz Dennis.

"Até agora não visitamos nenhum parque que não estivesse sofrendo nenhum perigo, de caça, extrativismo ilegal, garimpo, destamatamento, a devastação é muito grande, as ameaças são inúmeras e quando saímos não tínhamos essa clareza, então está muito claro para nós hoje que precisamos trabalhar para a questão da conservação, mas sempre com a nossa bagagem, somos muito satisfeitos com nossas profissões, e gostamos da ideia de trazer esse conhecimento para nossa caminhada", resume Letícia.

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