Entretempos

Curadoria de obras e exposições daqui e dali, ensaios entre arte, literatura e afins

Entretempos - Cassiana Der Haroutiounian
Cassiana Der Haroutiounian

Um dia como outro qualquer - Ensaio Palavra-Imagem

com Carola Saavedra e Yosigo

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Neste especial que irá até dia 12 de junho, em parceria com a Editora Quelônio trago 4 poetas e suas potências entre leveza e força, delicadeza e brutalidade em fragmentos de textos de seus livros publicados. A editora tem como proposta a publicação de livros de literatura brasileira contemporânea, tanto em prosa como em poesia, em tiragem limitada e formatos especiais. Se inspira em formatos consagrados, como os folhetos, as volantes, a poesia visual, a arte postal, e também explora possibilidades atuais da relação entre fotografia e narrativa, como os fotolivros.

Imagem da série "mapa de memória"do espanhol Yosigo, exclusivo entretempos
Imagem da série "mapa de memória"do espanhol Yosigo, exclusivo entretempos - Yosigo

"Na poesia contemporânea, as mulheres têm se destacado, a meu ver, pela ampla variedade de temas e abordagens. A poesia feita pelas mulheres está comprometida com ideias arrojadas, corajosas e sempre inesperadas. Onde eles veem normalidade, competência, correção, elas veem opressão, luta, contradições, oportunidades de novos olhares. Há nessa poesia uma inteligência prevenida, autoirônica e às vezes até acusatória — mas sempre reflexiva e aguda — que as faz tratar dos temas mais íntimos aos mais políticos e coletivos com a força da palavra exata e cortante" me diz Bruno Zeni, um dos criadores e editor da Quelônio.

A primeira delas é Carola Saavedra, que já publiquei no blog no ano passado, e agora vem com sua estreia na poesia no livro "Um quarto é muito pouco". Com tiragem limitada de 500 exemplares numerados, reúne 35 poemas, divididos em 3 partes: "Presente contínuo", "Poemas interrompidos", "Depois". Em suas 56 páginas, mergulha em temas consagrados e urgentes: a passagem e a percepção do tempo, a vivência individual e compartilhada de um presente sombrio, o assombro da morte. O título alude tanto a um dos cômodos da casa como à fração que divide uma área em quatro partes. O conjunto reflete sobre as medidas fluidas e contraditórias de tempos e espaços, e vem fortemente impactado pelo momento angustiante que atravessamos, marcado pela excepcionalidade (catástrofe ambiental, pandemia,
guerra) e pelo compasso miúdo do cotidiano, do cuidado e dos eventos recorrentes. Para acompanhar suas palavras, as imagens do fotógrafo e espanhol José Javier Serrano, conhecido artisticamente como Yosigo. Seu trabalho reflete sua sensibilidade estética e sua propensão para linhas retas, simetria e um minimalismo pontual. Sua maneira única de ver o mundo resulta em imagens cuidadosamente compostas que transcendem seu assunto comum e ativam um silêncio na gente. Uma invenção de mundos, de espaços e de tempos.

Imagem da série "mapa de memória"do espanhol Yosigo, exclusivo entretempos
Imagem da série "mapa de memória"do espanhol Yosigo, exclusivo entretempos - Yosigo

exceção

faz tempo
que o canto dos pássaros
aqui
em frente à janela
as folhas de primavera
o céu azul-anis
faz tempo
que lá fora
na varanda
alguém canta
alguém dança
alguém ri
faz tempo que hoje
é um dia
como outro qualquer

Imagem da série "mapa de memória"do espanhol Yosigo, exclusivo entretempos
Imagem da série "mapa de memória"do espanhol Yosigo, exclusivo entretempos - Yosigo

medida

um quarto é muito pouco
um quarto é para poucos
um quarto do tempo
de um instante
que nunca termina
quantas noites cabem
num quarto de vida
um quarto é muito pouco
mas é tudo o que há
nesta quarta-feira de cinzas

Imagem da série "mapa de memória"do espanhol Yosigo, exclusivo entretempos
Imagem da série "mapa de memória"do espanhol Yosigo, exclusivo entretempos - Yosigo

Morreu. Disse a voz disse o corpo disse a rua
disse a casa disse a morte, morreu disse o morto
em passados de uma memória incerta, morreu disse
a escrita, a imagem, a radiografia, o organograma.
Morreu, disse o livro e a leitura. Mas mesmo assim
não morre, e morrer reverbera como se morrer fosse
apenas uma palavra que se traça no ar, que se fala e
pronto, acaba. Morreu, repetiu, morreu perguntou,
morreu, esqueceu de se lembrar. Morreu disse a
voz ao telefone, as letras em neon entrando pela
escuridão do quarto, mas vai ficar bem, tudo vai dar
certo, tudo tem um sentido, tudo é para o seu bem,
marcado, traçado no destino. Não ficou. Morreu.
Não, não ficou nada bem. Morreu e a palavra se
desfez na garganta.​

Imagem da série "mapa de memória"do espanhol Yosigo, exclusivo entretempos
Imagem da série "mapa de memória"do espanhol Yosigo, exclusivo entretempos - Yosigo

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