Frederico Vasconcelos

Interesse Público

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Descrição de chapéu Folhajus

Juiz acusado de agredir a mãe e a irmã retarda ação penal no STJ

Em outro processo, vítima não depõe e magistrado é absolvido

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Absolvido pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça) na Ação Penal 878, em que foi acusado de agredir com um soco uma dona de casa, o desembargador Luís Cesar de Paula Espíndola, do Tribunal de Justiça do Paraná, retarda a Ação Penal 835, em que é suspeito de socar a própria irmã e atingir a mãe.

Espíndola foi denunciado por suspeita de violência doméstica e familiar. O relator do processo, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, registrou em despacho "a conduta procrastinatória" do magistrado. O ministro comentou "as sucessivas alterações e ampliações do quadro de defensores constituídos" por Espíndola, ao longo do procedimento. No período, atuaram em sequência doze advogados e uma defensora dativa.

O relator não acatou a justificativa do réu para não ter comparecido a uma audiência realizada em 30 de novembro último. "Sintomaticamente", segundo o ministro, "após o indeferimento do adiamento e uma semana depois da audiência o réu juntou atestado médico e portaria de licença para tratamento de saúde".

"Não há qualquer esclarecimento sobre o suposto problema de saúde que acometia o acusado, tampouco indicação do número da Classificação Internacional de Doenças (CID)", anotou Sanseverino.

O STJ informa que o ministro realizará pessoalmente o interrogatório do desembargador em fevereiro, logo após o término da instrução, ou seja, concluídas as diligências e a produção de provas.

Luís Cesar de Paula Espíndola
Desembargador Luís Cesar de Paula Espíndola, do Tribunal de Justiça do Paraná - TJ-PR

Vítima e testemunhas ausentes

Nesta quarta-feira (15), o ministro Benedito Gonçalves, relator da Ação Penal 878, acolheu as alegações finais do Ministério Público Federal. Entendeu que as informações colhidas no inquérito policial não foram confirmadas em juízo. O relator foi acompanhado pelo colegiado, que julgou a denúncia improcedente. A vítima e outras pessoas não foram depor, e não havia provas suficientes para a condenação do desembargador.

A agressão teria ocorrido depois que a vizinha Ana Paula Bandeira Bergmann reclamou de despejo, pelo magistrado, de entulho em terreno próximo à sua residência.

A denúncia foi recebida por unanimidade em 29 de novembro de 2017, em sessão presidida pela ministra Laurita Vaz. O relator registrara que não seria cabível a proposta de suspensão condicional do processo porque Espíndola respondia a outra ação penal.

Apesar das versões conflitantes, e embora o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) tivesse determinado o arquivamento de pedido de providências pelo corregedor nacional de Justiça, o relator entendeu que não havia explicação convincente para o laudo do exame de lesões corporais, realizado no mesmo dia dos fatos. A vítima, Ana Paula, apresentava equimoses na região malar direita e na mão esquerda.

Tratava-se de lesões recentes, aparentemente compatíveis com o relato de testemunha de que o magistrado "desferiu um soco contra o rosto de Ana que veio a cair no chão no meio do mato". Coincidia com a descrição feita pela vítima.

Ainda segundo o relator, nenhuma das versões apresentadas pelo magistrado na fase anterior ao processo fornecia boa explicação para as lesões. Segundo essas versões, ela "teria empurrado o denunciado, tentando agredi-lo, ou teria "esmurrado o capô do veículo do declarante".

Quando votou pelo recebimento da denúncia, Benedito Gonçalves vislumbrou indícios mínimos de que o desembargador poderia ter "agido com consciência e vontade de praticar a lesão".

Nesta quarta-feira, admitiu que "havia indícios suficientes de materialidade e autoria para fins de recebimento da denúncia; todavia, não há robustez suficiente para uma condenação".

Segundo o site "Migalhas", a subprocuradora-geral da República Lindôra Araújo solicitou a absolvição do magistrado, em função da vítima e de outras pessoas não terem ido depor. "Apesar de ter conseguido a perícia, fui obrigada, infelizmente, a pedir a absolvição. A denúncia foi oferecida em 2007 e, durante todos esses anos, não conseguimos ninguém para depor sobre os fatos. Não restou ao Ministério Público outra saída, por falta de provas", disse a subprocuradora-geral.

Conduta procrastinatória

Em fevereiro de 2018, a Corte Especial recebeu, por unanimidade, denúncia em que o desembargador paranaense é acusado de causar lesões na irmã, Maria Lucia de Paula Espíndola, e de atingir acidentalmente sua mãe, Teresa de Jesus Rodrigues de Paula Espíndola. Há nos autos Laudos do Exame de Lesões Corporais.

Em 2013, o desembargador Espíndola foi proibido de fazer contato com a irmã, por qualquer meio de comunicação, e obrigado a manter uma distância mínima de 500 metros.

Foi imputado ao magistrado a prática de crime de lesão corporal. Se praticada contra ascendentes, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, a pena prevista é de detenção de três meses a três anos.

Por maioria, a Corte Especial determinou o afastamento do desembargador de seu cargo até o término da instrução da ação penal. O afastamento, contudo, foi suspenso pelo então ministro do STF Marco Aurélio de Mello, que deferiu a cautela de urgência, assegurando o retorno imediato de Espíndola às funções jurisdicionais. A Procuradoria-Geral da República havia considerado "superficial a motivação" do afastamento, determinado apenas em 2018, para fatos que ocorreram em 2013.

O MPF requereu a realização do interrogatório do desembargador perante o STJ.

No último dia 10, o ministro Sanseverino recomendou ao juízo da 9ª Vara Federal de Curitiba que o interrogatório do magistrado e o depoimento de sua mãe "sejam colhidos diretamente por este relator".

De acordo com depoimento da fisioterapeuta de Teresa de Jesus, a mãe do desembargador "encontra-se sadia e fisicamente ativa para a idade avançada que tem, não portando atualmente nenhum problema de saúde".

Maria Lúcia atua como assistente da acusação. Foi a autora da representação contra o desembargador. Em depoimento, disse que fora visitar os pais e encontrara o irmão, que queria dispensar uma das cuidadoras da mãe, que ficara nervosa, pois gostava da cuidadora.

No depoimento, a irmã diz que o desembargador acertou um soco em seu rosto, e "que também deu um soco na sua mãe, atingindo-a no olho".

Eis trechos de depoimento de Maria Lúcia, prestado ao Ministério Público do Estado do Paraná em 25 de setembro de 2013:

(...)

"que na data de hoje, por volta de 11:40, foi na casa de seus pais, na cidade de Curitiba, endereço na Rua Belém, 939, para uma visita; que quando chegou no local, seu irmão, o Desembargador LUIS CÉSAR DE PAULA ESPÍNDOLA lá estava;

(...)

durante a discussão, LUIS disse que quem mandava na casa era ele e que iria bater na depoente, como sempre faz; que a depoente disse que estava gravando e ele insistiu que iria arrebentá-la; que então ele veio para cima da depoente, acertando-lhe um soco no rosto;

(...)

que apresenta hematoma recente na parte de cima do nariz, tendo ido ao IML fazer o respectivo laudo, que também deu um soco na sua mãe, atingindo-a no olho;

O então relator da AP 835, ministro Napoleão Nunes Maia Filho, disse que, "salvo melhor averiguação, o conteúdo do diálogo guarda coerência com a versão apresentada por Maria Lúcia de Paula Espíndola perante o Ministério Público do Estado do Paraná":

Luís Cesar de Paula Espíndola: Vai apanhar.

Teresa de Jesus Rodrigues de Paula Espindola: Não vai apa... inaudível... Ah

Oswaldo João de Paula Espíndola: Hoje não.

Maria Lúcia de Paula Espíndola: O que Luís?

Luís Cesar de Paula Espíndola: É.

Maria Lúcia de Paula Espíndola: O que eu vou?

Luís Cesar de Paula Espíndola: Apanhar.

Maria Lúcia de Paula Espíndola: Apanhar de quem?

Luís Cesar de Paula Espíndola: De quem, você imagina.

Maria Lúcia de Paula Espíndola: Não sei.

Luís Cesar de Paula Espíndola: Tá gravando, ou não?

Maria Lúcia de Paula Espíndola: Tô gravando.

Luís Cesar de Paula Espíndola: Então tá... Vai apanhar de mim.

Maria Lúcia de Paula Espíndola: De mim quem?

Luís Cesar de Paula Espíndola: Do Luís Cesar Espíndola, por que?

Maria Lúcia de Paula Espíndola: Por que razão?

Luís Cesar de Paula Espíndola: Porque você me agrediu verbalmente, me ameaçou

Avaliações distintas

Durante a votação sobre o afastamento do desembargador, o ministro Mauro Campbell lembrou que a Corte Especial já recebera outra denúncia, "pela suposta prática de crime de lesão corporal contra uma vizinha, a reforçar o entendimento no sentido da necessidade de seu afastamento cautelar das funções judicantes" (...) "de forma a preservar não só a dignidade do cargo ocupado como também a credibilidade da Corte de Justiça Paranaense".

O ministro Raul Araújo considerou o fato de que as irmãs estavam munidas de gravador e "iriam gravar o que aconteceria na sequência". Sugeriu apurar melhor em que circunstâncias os fatos ocorreram:

"O agressor pode ter sido provocado a um tal ponto que perdeu o bom senso naquela fração de segundos."

Araújo não viu razões para considerar o comportamento atribuído ao desembargador suficiente para afastá-lo do exercício da magistratura.

Humberto Martins discordou de Araújo e votou pelo afastamento cautelar:

"Eu já vi que esse grau de limite do denunciado é um grau de limite de tolerância zero, porque uma vizinha ele ataca com uma pá, a irmã com socos, a mãe também com violência".

Martins definiu o magistrado como um indivíduo "de um temperamento altamente agressivo, destemperado e violento". Segundo o ministro, "isso foge aos padrões éticos de conduta de um magistrado", que "tem que ter temperança, prudência, sensibilidade e, sobretudo, sentimento ético".

Defesa prévia

Na defesa prévia, Espíndola sustentou que "as meras transcrições de gravações parciais, selecionadas e editadas", provariam apenas "uma discussão acirrada no seio familiar" claramente provocada pelas acusadoras Maria Lúcia de Paula Espíndola e Teresa Cristina de Paula Espíndola, "com gravador ligado para registro do que lhes ajudasse a contestar as interdições dos pais".

Pediu que as provas fossem colhidas e examinadas com cautela. Requereu a rejeição de denúncia, ante a ausência de material suficiente para conclusão da prática de infração penal.

Espíndola alegou "inépcia da denúncia, tendo em vista a ausência de detalhamento das circunstâncias da suposta lesão corporal causada em Teresa de Jesus Rodrigues de Paula Espíndola, sua genitora, o que impossibilitaria a sua defesa, diante da inexistência de elementos, na peça acusatória, que especifiquem a conduta delituosa, tratando-se, segundo alega, de narrativa imprecisa e vaga".

O vice-procurador-geral da República Luciano Mariz Maia requereu o recebimento da denúncia.

Em habeas corpus, o magistrado fez acusações à irmã. No pedido, informa-se que o desembargador requereu a interdição da mãe, Teresa de Jesus, em 2013 e do pai, Oswaldo Espíndola, em 2014. Ambos estavam então sob "curatela de fato" da irmã Maria Lúcia, que administrava todos os aspectos das vidas dos pais.

"Sob o controle da irmã, os pais estavam com a saúde extremamente debilitada, correndo risco de morte sem atendimento adequado e careciam do pleno gozo de suas faculdades mentais", alegou o magistrado.

O documento registra que o desembargador, "como curador de direito, também processa a irmã Maria Lúcia de Paula Espíndola para obrigá-la à reposição de valores de cheques que ela emitiu da conta do pai para si mesma". Ele pediu "a instauração de inquérito policial para elucidação do desaparecimento das joias da mãe, também na época da curatela de fato".

Ainda segundo o pedido de habeas corpus, em represália a essas medidas a irmã submeteu o desembargador "a uma cilada, em 25 de setembro de 2013 para iniciar e gravar uma discussão e acusá-lo de agressões".

No HC, o magistrado sustenta que "se fosse condenado por todas as acusações na AP 835" (...) não seria preso nem sofreria perda do cargo de desembargador".

O Blog consultou dois advogados que atuaram na Ação Penal 835. Não conseguiu ouvir o desembargador Luís Cesar de Paula Espíndola e nem sua defensora atual, a advogada Sandra Bertipaglia.

***

Luís Cesar de Paula Espíndola nasceu no dia 28 de setembro de 1955, em Curitiba (PR). Ingressou na magistratura como juiz substituto em 4 de abril de 1989. Foi juiz titular na 8ª Vara Cível de Curitiba, onde permaneceu até ser removido para a substituição em segundo grau. Juiz substituto em 2º grau a partir de 13 de maio de 2002. Em 13 de maio de 2013 foi promovido, pelo critério de antiguidade, ao cargo de desembargador.

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