Frederico Vasconcelos

Interesse Público

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Descrição de chapéu Folhajus

Morre José Maria Rabêlo, crítico do 'choque de gestão' de Aécio

Jornalista mineiro contestou maquiagem de balanço aprovada por Anastasia

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"Nem sempre a mentira tem pernas curtas. As desse engodo do déficit zero de Aécio, irrigada por milhões de reais em publicidade, são longas, muito longas. Ultrapassaram os limites de Minas".

O autor desse comentário foi o jornalista, escritor e editor mineiro José Maria Rabêlo, fundador do semanário Binômio, um dos precursores da imprensa alternativa.

Fundador do PDT, Rabêlo morreu na madrugada desta quarta-feira (29), em Belo Horizonte, aos 93 anos. Sofreu falência múltipla de órgãos, segundo informa o G1.

Para denunciar o engodo do milagre econômico do governo Aécio Neves, Rabêlo teve que ultrapassar os limites da imprensa mineira então controlada pelo governador tucano e por sua irmã, Andrea Neves.

Seu artigo, intitulado "Déficit Zero de Aécio", foi publicado em um jornal alternativo do Rio de Janeiro.

José Maria Rabêlo, Aécio Neves, Déficit Zero, Choque de gestão
José Maria Rabêlo contesta o choque de gestão de Aécio Neves, em jornal alternativo no Rio de Janeiro - Reprodução

Conheci o escritor em 2006, em sua casa, quando fui a Belo Horizonte para apurar as maquiagens de balanço do governo mineiro reveladas na Folha. "Não passa de enganosa operação de marketing o déficit zero anunciado", sustentou Rabêlo.

Aécio criou os programas "déficit zero" e "choque de gestão", bandeiras eleitorais sustentadas em campanha publicitária da SMPB, agência de Marcos Valério de Souza, o operador do mensalão. Valério atendia então ao governo de Minas.

Com base nesse artifício, Aécio lançou a candidatura a vice-governador do então secretário de Planejamento e Gestão, Antonio Augusto Anastasia. O atual ministro do TCU foi considerado o "pai do choque de gestão".

"O governo Aécio Neves implantou o 'choque de gestão' para domar a mais grave crise financeira e fiscal da história do Estado", Anastasia à Folha, na ocasião.

"O regime de absoluta austeridade permitiu que, de um déficit público orçamentário de R$ 2,4 bilhões em 2003, o Estado alcançasse o déficit zero em 2004 e ficasse superavitário em 2005. Minas Gerais recuperou o aval da União, o crédito internacional e a capacidade de investimentos", disse Anastasia.

Rabêlo apresentou na época um quadro diferente: "O Estado deve mais de R$ 60 bilhões, cerca de duas vezes e meia o total de sua receita anual".

Segundo seus cálculos, eram R$ 40 bilhões da dívida com a União, R$ 13 bilhões com precatórios, R$ 8 bilhões de restos a pagar e R$ 2 bilhões com o IPSEMG, responsável pela assistência médica ao funcionalismo.

Aécio tinha ampla base parlamentar, não era hostilizado pela oposição nem sofria maiores questionamentos da imprensa local. O Tribunal de Contas do Estado e o Ministério Público Estadual, por sua vez, eram tratados numa cartilha do governo tucano como "parceiros".

Minas Gerais registrava no início de 2004 um déficit acumulado de R$ 1 bilhão nas políticas públicas de saúde, segundo o Ministério Público Federal. A inadimplência do Estado com a saúde vinha desde 2000.

O governo mineiro contabilizou como gastos em serviços de saúde para a população despesas com a erradicação da febre aftosa e outras doenças de animais. Incluiu nesse item exposições agropecuárias; precatórios; saneamento (cujos serviços são tarifados).

O Ministério Público Federal moveu ação civil pública, pedindo que a União condicionasse a entrega de R$ 376,2 milhões a Minas à aplicação em ações e serviços públicos de saúde. Esses valores correspondiam ao que o governo teria que destinar à saúde, para obedecer ao mínimo imposto pela Constituição (12% das receitas vinculadas em 2004).

Dez anos depois, o Ministério Público de Minas Gerais desistiu de uma ação de improbidade administrativa movida na Justiça contra Aécio, acusado de maquiar a aplicação de cerca de R$ 3,3 bilhões em saúde entre 2003 e 2008, período em que era governador.

A desistência de processar o ex-governador partiu do então procurador-geral de Justiça Carlos Bittencourt, que desautorizou a ação movida pela Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde.

Em 17 maio de 2017, véspera da prisão de Andréa Neves, a irmã do senador tucano recebeu Bittencourt em seu escritório.

No último dia 14, eleito ministro do TCU, cargo vitalício, Anastasia afirmou:

"É imprescindível que o ministro, ao exercer o seu trabalho, tenha de fato condições de sopesar, no caso concreto, diante de cada circunstância, de cada processo que lhe é submetido, as circunstâncias adequadas àquele caso".

Diante das críticas à maquiagem, Anastasia alegou à Folha em 2006 que "o governo Aécio Neves teve suas contas aprovadas, sem nenhuma única ressalva pelo Tribunal de Contas do Estado, em todos os exercícios financeiros de sua gestão, inclusive quanto às despesas executadas na área de saúde".

"A questão sanitária envolve a saúde pública. Não há regulamentação federal sobre a questão, o que transforma a instrução do TCE em norma maior vigente", sopesou Anastasia.

"A verdade crua é que Minas Gerais tornou-se um contumaz sonegador de recursos à saúde, fato, aliás, reconhecido pelo próprio Tribunal de Contas do Estado", sustentou o MPF nos autos da ação civil pública.

José Maria Rabêlo tinha razão.

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