O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) estava na inauguração do escritório de representação do Tribunal de Justiça de Minas Gerais em Brasília, no último dia 15.
Sua participação reforçou a impressão de que a iniciativa do tribunal foi um ato político ao criar um espaço para o exercício do lobby na capital federal.
Dos parlamentares presentes à cerimônia, segundo a lista oficial, Bolsonaro era o único que não pertencia à bancada mineira.
Bolsonaro atribuiu sua presença no evento a uma retribuição ao presidente da corte, desembargador Gilson Lemes.
"É sempre bom ver o Poder Judiciário se aproximando de Brasília." (...) "Viemos, com satisfação, prestigiar a solenidade e reencontrar o presidente Gilson Lemes, que me recebeu tão bem em Minas Gerais", afirmou o deputado a um boletim informativo do TJ-MG.
Em pelo menos dois episódios envolvendo o Judiciário a atuação de Eduardo Bolsonaro gerou polêmicas.
Em 2018, o deputado do PSL e o juiz federal Eduardo Cubas, de Goiás, filmaram um vídeo, em frente ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral), questionando a segurança e a credibilidade das urnas eletrônicas.
O juiz Cubas foi acusado de pretender tumultuar as eleições.
Na época, Eduardo Bolsonaro afirmou que "bastam um cabo e um soldado para fechar o Supremo Tribunal Federal". Foi acusado de incitar as Forças Armadas à animosidade contra instituições civis.
Eduardo Bolsonaro participou de turnê nos Estados Unidos e se encontrou com o ex-presidente Donald Trump. Esteve em eventos com apoiadores do candidato derrotado, sustentando a tese de que Trump foi o vencedor da disputa com Joe Biden.
Em janeiro de 2021, esses atos do deputado refletiam declarações do presidente Jair Bolsonaro, seu pai, que sugeriam uma dissimulada ameaça: "Se tivermos voto eletrônico" em 2022, "vai ser a mesma coisa", ou "vamos ter problema pior que nos Estados Unidos".
Interesses outros
Durante a inauguração, o presidente Gilson Lemes disse que o tribunal "se sente engrandecido pela presença de tantas autoridades que decidem o destino das pessoas e do Brasil, no momento de prestigiar essa instalação do Escritório do TJ-MG em Brasília".
Estavam presentes ao ato 30 desembargadores, juízes, servidores, políticos, membros da OAB, das polícias Militar e Civil, do Exército e da maçonaria.
À noite, o TJ-MG e a Amagis (Associação dos Magistrados Mineiros) fecharam o restaurante Lago, localizado no Lago Sul, em Brasília, para um "jantar de confraternização da inauguração do escritório".
São fortes as evidências de que a inauguração do escritório atende a outros interesses, além da representação administrativa do tribunal.
"A bancada mineira não abre mão de ter no Escritório de Representação do TJ-MG um apoio técnico, uma convivência fraterna, uma presença diária na construção das pautas que interessam a Minas Gerais e ao Brasil", disse o deputado federal Diego Andrade (PSD-MG).
Além de Andrade, participaram da inauguração os seguintes parlamentares mineiros:
Senador Carlos Viana (MDB-MG), representando o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD); deputados federais Hercílio Coelho Diniz (MDB-MG); Eros Ferreira Biondini (PROS-MG); Fábio Ramalho (MDB-MG); Igor Tarciano Timo (PODE-MG); Marcelo Álvaro Antônio (PSL-MG); Mauro Ribeiro Lopes (MDB) e Wellington Prado (PROS-MG). Também esteve presente o deputado estadual Bruno Engler (PRTB).
São inconsistentes os argumentos para justificar a criação do escritório do TJ-MG em Brasília.
Opositores de Lemes atribuem a inauguração a um projeto pessoal do presidente, em final de mandato, para tentar obter a indicação para um cargo em tribunal superior. A conferir.
Eis como Gilson Lemes explica a iniciativa:
"Estaremos fisicamente mais próximos dos Tribunais Superiores, o que nos proporcionará um acompanhamento mais diuturno da fixação de teses jurídicas, medida imprescindível para a pacificação de inúmeras controvérsias, de maneira a oferecer mais segurança jurídica para nossas decisões".
O ministro mineiro João Otávio de Noronha, ex-presidente do STJ (Superior Tribunal de Justiça), diz que "os tribunais de justiça precisam de um canal na capital do País".
Este blog consultou 16 tribunais (14 estaduais e 2 regionais federais). Nenhum criou canal semelhante.
Segundo Noronha, a inauguração "abre um elo de comunicação e diálogo do Tribunal e dos órgãos constituídos em Brasília e é motivo de orgulho e esperança".
Para ele, "é importante um espaço no qual os magistrados possam trabalhar, se reunir, preparar e planejar ações de âmbito nacional e de questões da Justiça mineira em interlocução com o Judiciário nacional".
Espaços ociosos
O governador mineiro Romeu Zema (Novo) diz que "esse espaço vai significar mais agilidade e maior acesso às instâncias superiores" (...) "muitos assuntos que hoje talvez demandem meses para serem solucionados, poderão ser resolvidos em dias".
Para manter esse espaço, o TJ-MG pagará aluguel de R$ 607 mil (em cinco anos) à CNC (Confederação Nacional do Comércio). A locadora (CNC) foi representada por uma imobiliária que faz gestão patrimonial para corporações em Brasília .
O Estado de Minas Gerais poderia ceder espaço ocioso nos dois andares que possui no Edifício JK, em Brasília, pois muitos servidores foram dispensados ou devolvidos a BH. Esse imóvel fica próximo ao Edifício CNC, onde funcionará o escritório do tribunal mineiro, no Setor Bancário Norte.
No dia da inauguração, o presidente do TRE-MG, desembargador Marcos Lincoln, que visitara as instalações na véspera, afirmou o seguinte:
"Nesta manhã, já participei, remotamente, de uma sessão de julgamento da 11ª Câmara Cível, o que foi possível graças a esta estrutura." (...) "Acredito que [o escritório] será de enorme valia e importância para o Tribunal e para órgãos parceiros, como a Associação dos Magistrados Mineiros (Amagis), que poderão compartilhar deste espaço."
O presidente do TRE-MG pode participar de sessão remota de julgamento no próprio tribunal, em Belo Horizonte, ou em casa.
Antonio Anastasia, ministro do TCU, disse que o escritório poderá levar "rapidamente" um memorial aos tribunais superiores. (...) "Existem os meios virtuais, é claro, mas eles não substituem o olho no olho, a presença física para ter aquela palavra pessoal, que é decisiva."
Os chamados embargos auriculares que Anastasia sugere são práticas de advogados. Quem representa os tribunais estaduais nas cortes superiores são as Procuradorias dos Estados.
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