Frederico Vasconcelos

Interesse Público

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Descrição de chapéu Folhajus

Lobby de cartórios de Alagoas quer manter nomeações irregulares

CNJ começa a julgar antigos recursos sobre titularidade de serventias

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Um forte lobby dos cartórios de Alagoas tenta derrubar no CNJ (Conselho Nacional de Justiça) decisões contra a concessão de serventias sem concurso público, o que viola a Constituição.

Trata-se de antiga disputa que envolve membros do Legislativo e do Judiciário daquele Estado.

O caso tem origem em 2014, quando os 15 desembargadores do Tribunal de Justiça de Alagoas consideraram-se impedidos ou suspeitos para presidir um concurso para outorga de cartórios. Todos eram parentes de candidatos ou de interinos que respondiam pelas serventias.

O então corregedor nacional de Justiça, João Otávio de Noronha, indicou o desembargador Marcelo Berthe, do TJ de São Paulo, para presidir a comissão do concurso.

Oito anos depois, o CNJ começa a julgar recursos de interessados que se consideram prejudicados por atos da corregedoria nacional de Justiça em gestões anteriores.

Ministro Luiz Fux, presidente do CNJ, e conselheiro Mário Goulart Maia durante julgamento de recursos de cartórios de Alagoas
Ministro Luiz Fux, presidente do Conselho Nacional de Justiça. No destaque, conselheiro Mário Goulart Maia - Luiz Moura/STF e CNJ/YouTube - Divulgação

Usucapião da função pública

Em dezembro de 2019, o ministro Dias Toffoli, então presidente do CNJ, tornou sem efeito decisões monocráticas do ministro Emmanoel Pereira, à época corregedor substituto.

Pereira revogara atos do antecessor, ministro Aloysio Corrêa da Veiga, que julgou irregulares os provimentos de serventias de Alagoas sem a realização de concurso público.

Toffoli reproduziu declaração da ministra Ellen Gracie, em 2010, que tratou do tema em mandado de segurança: "O que se busca, na verdade, é reconhecimento de uma espécie de 'usucapião' da função pública de notário ou registrador, obtido ao revés da letra constitucional. Uma pretensão que eu entendo não admissível."

Ele considerou "correto, em estrita consonância à Constituição Federal de 1988", o entendimento de Corrêa da Veiga, que declarou a vacância das serventias extrajudiciais.

"Não se podem admitir decisões que, direta ou indiretamente, culminem por burlar a determinação constitucional de provimento de serventias por concurso público de provas e títulos", registrou Toffoli.

Ele afirmou, então, a competência do plenário para decidir os recursos administrativos. A atual corregedora, ministra Maria Thereza de Assis Moura, é relatora de cinco recursos. (*)

Na sessão do CNJ, de 5 de abril último, dois recursos foram acolhidos pelo conselheiro Mário Goulart Maia. O conselheiro Luiz Fernando Bandeira de Mello pediu vista de ambos.

Mário é filho do ministro aposentado do STJ Napoleão Nunes Maia. Sua indicação ao CNJ, pela Câmara Federal, enfrentou resistência de juízes e servidores que, sem sucesso, questionaram na Justiça o nepotismo e o despreparo do candidato.

O jovem advogado obteve apoio, entre outros, dos alagoanos Humberto Martins, presidente do STJ, Arthur Lira, presidente da Câmara, e Renan Calheiros, ex-presidente do Senado.

Indicado pelo Senado, o conselheiro Bandeira de Mello foi chefe de gabinete de Renan.

Nepotismo e compadrio

Em setembro de 2019, Humberto Martins, então corregedor nacional de Justiça, indicou Emmanoel Pereira como corregedor substituto. Atual presidente do TST (Tribunal Superior do Trabalho), Pereira foi antecedido no colegiado pelo filho, o advogado Emmanoel Campelo, também indicado pela Câmara Federal. Na época, o nepotismo ainda era vetado no regimento do CNJ.

O então corregedor Noronha tratou os cartórios como parceiros. Não vingou sua proposta de permitir aos cartórios fornecerem passaportes e carteiras de identidade. Emmanoel Campelo, por sua vez, foi voto vencido quando o CNJ suspendeu a autorização para os cartórios promoverem mediação e conciliação extrajudiciais.

Na ocasião, a então conselheira do CNJ Débora Ciocci, do TJ-SP, também ficou vencida. Ela está entre os 20 juízes paulistas inscritos para o concurso extrajudicial para concessão de 219 cartórios em São Paulo.

Emmanoel Pereira enfrentou anteriormente investigações no Supremo Tribunal Federal e no próprio CNJ. Apurava-se a suspeita de crimes contra o patrimônio e estelionato (suposto funcionário fantasma em seu gabinete no TST). Os filhos (Emmanoel e Erick) defenderam o pai em inquérito arquivado no Supremo, sob a relatoria de Toffoli.

No dia da posse de Emmanoel Pereira no CNJ, em 16 de setembro de 2019, um grupo de advogados alagoanos entrou com petição, pedindo que fossem reconsideradas as decisões de Aloysio Corrêa da Veiga contra os provimentos de serventias sem concurso.

Durante a solenidade de posse, Humberto Martins disse que "o ministro Emmanoel, com certeza, irá dar grande contribuição ao CNJ em busca de uma justiça rápida".

Emmanoel Pereira foi rápido. Três dias depois, suspendeu os atos do antecessor.

Toffoli disse que Emmanoel Pereira "acabou não apenas por suprimir a competência do Plenário para dirimir em caráter definitivo a controvérsia, como também gerou insegurança jurídica para o certame, com repercussão para a própria imagem do CNJ".

Exercício cumulativo e nulidades

Em 5 de abril último, foram iniciados no CNJ os julgamentos dos recursos de Maria Ofélia Silva Cavalcanti Rodrigues e Maria Lúcia Sampaio Falcão. O conselheiro Mário Goulart Maia trouxe voto-vista nos dois procedimentos.

Maria Ofélia havia sido nomeada em 25 de outubro de 1988 (**), por ato do então presidente do TJ-AL, para exercer, cumulativamente, cargo de servidor público e cargo de tabelião e escrivão do 2º Cartório da comarca de Rio Largo, após a vigência da Constituição Federal (promulgada em 5 de outubro de 1988).

Em novembro de 1988, como ainda não havia sido instalada aquela serventia judicial, foi determinada a colocação de Maria Ofélia para estagiar no Cartório do 1º Ofício.

O corregedor Aloysio Corrêa da Veiga observou que o concurso público realizado antes da Constituição foi para cargo público e não concurso específico de provas e títulos para o ingresso na atividade notarial e registral. Esse concurso é reservado para bacharéis em Direito ou profissional que tenha exercido, por dez anos, completados antes da publicação do primeiro edital, função em serviços notariais ou de registros.

O corregedor decidiu que deveria ser declarada a vacância do 2º Cartório de Rio Largo.

Em sua defesa, Maria Ofélia alegou que seria inviável a nova revisão dos atos pelo CNJ. "Permitir que os atos sejam indefinidamente revisados fere o Princípio Constitucional da Segurança Jurídica e o art. 54 da Lei 9.784/99", argumentou.

Alegou que os ministros Gilson Dipp e Eliana Calmon, quando atuaram como corregedores nacionais de Justiça, reconheceram a titularidade de Maria Ofélia na serventia. Alegou, ainda, que a Corregedoria Nacional de Justiça, sob a gestão de Eliana Calmon, "chegou a declarar a vacância da referida serventia". (...) Todavia, em 21 de abril de 2014, esse posicionamento foi revisto por decisão da ministra, que "aprovou novo parecer em que se reconheceu a regularidade da investidura da recorrente", completou a defesa.

O corregedor Corrêa da Veiga registrou que "o princípio da auto-tutela confere à Administração Pública a prerrogativa de anular ou revogar seus próprios atos quando eivados de nulidades ou por motivo de conveniência ou oportunidade".

Disse que "não há direito adquirido à titularidade de serventias que tenham sido efetivadas sem a observância das exigências do art. 236, quando o ato tiver ocorrido após a vigência da Constituição Federal de 1988".

Esse artigo, lembrou, é norma auto-aplicável.

Adulações e deslumbramento

O julgamento dos recursos de Alagoas foi marcado por manifestações de bajulação do conselheiro Mário Goulart Maia.

"Queria mais uma vez externar a minha honra e o meu orgulho de hoje compor este CNJ", disse, inicialmente. Dirigindo-se ao presidente do CNJ, ministro Luiz Fux, revelou que, em palestras, sempre ressalta "a sensibilidade de Vossa Excelência e sua postura democrática".

Disse ao presidente ter comentado com o conselheiro Luiz Fernando Bandeira de Mello "como o Fux vai fazer falta". "Não é puxando o saco, não". "Pode parecer que é puxa-saco, mas não é", completou.

Durante a sessão, fez várias referências ao pai, ministro aposentado do STJ Napoleão Nunes Maia, com quem conversava ao telefone no gabinete, no intervalo. "Liguei para ele, agora", disse a Fux.

"Meu pai foi magistrado que tenho como referência", disse Maia. "Acho que a magistratura do país está voltando a ter protagonismo".

Sobre a questão dos concursos realizados antes da Constituição de 1988, fez a seguinte observação: "Dou como exemplo o meu pai. Quando se formou não se exigia exame da Ordem".

Votos e memoriais

O conselheiro Maia folheou e mostrou várias cópias de documentos dos autos. Mencionou decisões de Humberto Martins, Emmanoel Pereira, Luiz Fernando Bandeira de Mello e João Otávio de Noronha. Não fez referência à decisão de Dias Toffoli.

Noronha blindou e tratou os cartórios como parceiros, quando foi corregedor e seus filhos advogavam para o setor.

Ao fundamentar seus votos, Maia enfatizou, nos dois casos, o argumento de que o CNJ não poderia modificar uma situação jurídica 30 anos depois, sem a existência de fato novo. Está nos autos decisão de Noronha, em 2017, quando o ministro entendeu que "não é possível, na mesma relação processual, alterar decisão administrativa de mérito sem a superveniência de fato novo que justifique a rediscussão da matéria".

Maia seguiu esse antecedente. "Inexiste, a meu ver, justa causa, fato novo ou flagrante inconstitucionalidade para autorizar a reabertura da instância controladora do CNJ. É como voto."

Fux disse que Maia "fez um voto profundo" e que os conselheiros vão "fazer das tripas coração para analisar esse processo, por um gabinete provido apenas por dois servidores".

O presidente pedia o voto de outro conselheiro, quando Luiz Fernando Bandeira de Mello se antecipou e requereu vista.

Aloysio Corrêa da Veiga nega titularidade de cartório a deputado Sérgio Toledo de Albuquerque
Ministro Aloysio Corrêa da Veiga (TST), deputado federal Sérgio Toledo de Albuquerque (PL-AL) e ministro Emmanoel Pereira (TST) - CNJ e Câmara dos Deputados/Divulgação

Irregularidade 'salta aos olhos'

Entre os cinco beneficiados pela decisão de Emmanoel Pereira está o deputado federal alagoano Sérgio Toledo de Albuquerque (PL-AL). Seu recurso ainda aguarda o voto-vista de Maia.

Albuquerque alegou que foi aprovado em concurso de provas e títulos e foi habilitado para o cargo de Oficial do Registro de Imóveis e Hipotecas do 3º Cartório da Comarca de Maceió.

"Apesar de ter se submetido à concurso público de provas e títulos, ele o fez antes da vigência da Constituição Federal de 1988, mas foi designado apenas em 3 de agosto de 1990, por meio de ato assinado pelo presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas", anotou Corrêa da Veiga.

Ele destacou, inclusive, "a irregularidade que saltava aos olhos" na investidura do parlamentar, após a renúncia da 1ª colocada no concurso, em meados de 1990, sem que fosse levado a concurso, após a vacância da serventia".

O corregedor reafirmou que "não há direito adquirido à titularidade de serventias que tenham sido efetivadas sem a observância das exigências do artigo 236, quando o ato tiver ocorrido após a vigência da Constituição Federal de 1988."

"Essa ressalva faz-se necessária, justamente, para que o decurso do tempo não sirva para perpetuar atos administrativos irregulares e inconstitucionais", afirmou o corregedor.

Sérgio Toledo de Albuquerque pediu que fosse reconhecida "a legalidade e constitucionalidade" do ato de sua nomeação. Expôs que deve prevalecer o princípio da segurança jurídica diante do ato de sua investidura como titular a serventia extrajudicial.

Emmanoel Pereira deferiu o pedido, "considerando os princípios constitucionais da segurança jurídica e da razoabilidade". Concedeu efeito suspensivo ao recurso, "para aguardar o julgamento definitivo do mérito neste Conselho".

O deputado tem entre seus defensores, além de advogados alagoanos que também representam outros requerentes, Pierpaolo Cruz Bottini, Igor Sant’Anna Tamasauskas e Otavio Ribeiro Lima Mazieiro, do escritório Bottini & Tamasauskas Advogados.

À relatora, o parlamentar alegou a "impossibilidade de análise do pedido de providências pelo CNJ ao fundamento da garantia ao respeito à coisa administrativa julgada".

Maria Thereza decidiu que a questão de ordem diz respeito ao mérito, e será decidida no julgamento do recurso. Indeferiu os pedidos de sustentação oral, não admitida no regimento interno do CNJ. Também não acolheu o pedido da Confederação Nacional de Notários e Registradores – CNR, de admissão no processo como terceiro interessado.

Entendeu que "não foram apresentados fundamentos capazes de contribuir para o deslinde do mérito".

(*) Os recursos foram oferecidos em nome de DENISSON MASTRIANNI LIMA (Cartório de Registro Civil de Lagoinha da Comarca de Rio Largo - AL); MARIA OFÉLIA SILVA CAVALCANTI RODRIGUES (2º Cartório do Tabelionato de Notas e Protestos de Rio Largo); RAINEY BARBOSA ALVES MARINHO (2º Cartório de Títulos e Documentos da Comarca de Maceió); SÉRGIO TOLEDO DE ALBUQUERQUE (3º Cartório de Registro de Imóveis e Hipotecas da Comarca de Maceió) e MARIA LÚCIA SAMPAIO FALCÃO (Ofício do Registro Civil do 2º Distrito - Jaraguá da Comarca de Maceió).

(**) No seu histórico funcional, há o Ato de Nomeação assinado, em 25 de outubro de 1988, pelo desembargador-presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas; Portaria 188/88, Assentamento Individual de Serventuário, Portaria 03/12.

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