Frederico Vasconcelos

Interesse Público

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'No Direito brasileiro, tudo é uma questão de princípios'

Promotor vê abuso de interpretações quando juízes atuam como legisladores

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O artigo a seguir é de autoria do promotor de Justiça Felipe Ribeiro, diretor da Associação do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (Amperj).

Promotor critica abuso de interpretações quando juízes atuam como legisladores
Promotor de Justiça Felipe Ribeiro, diretor da Associação do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (Amperj) - Tomás Rangel/Amperj - Divulgação

Uma frase atribuída ao ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Ayres Britto chama muito a atenção no livro "Os Onze", de Luiz Weber e Felipe Recondo, obra que tem o STF como tema. Referindo-se ao seu trabalho de interpretação da Constituição da República, o ex-ministro teria dito: "Com tantos princípios, eu deito e rolo".

A expressão, dita por ninguém menos que um ex-ministro da Suprema Corte brasileira, sintetiza o que alguns juristas denominam de "panprincipiologismo" – ou, em termos mais coloquiais, o uso e o abuso na aplicação de princípios jurídicos em situações concretas.

Passados quase 34 anos da promulgação da Constituição Federal, o Direito brasileiro parece ter se afastado radicalmente do positivismo jurídico – que diziam ser autoritário – para prestigiar outra matriz jurídico-filosófica: o neoconstitucionalismo. Segundo essa visão, os princípios jurídicos, positivados ou não, seriam espécies normativas essenciais à hermenêutica jurídica, capazes de introduzir ao Direito valores socialmente reconhecidos.

Sem pretender entrar em discussões filosóficas e de teoria do Direito a respeito da melhor maneira de se interpretar as normas jurídicas em situações concretas, o que se percebe nos tribunais brasileiros, inclusive no Supremo Tribunal Federal, é o uso excessivo de princípios jurídicos, mesmo em circunstâncias exaustivamente reguladas pelo legislador. A sensação é de que basta "saber ponderar" princípios para resolver qualquer problema jurídico, muitas vezes sem a necessidade de interpretação do texto de regras jurídicas.

Na era dos princípios, substitui-se a noção de legalidade pela de juridicidade, sempre com a expectativa de privilegiar a justiça e os valores a ela associados.

No Brasil, a consequência desta mudança de paradigma hermenêutico tem reduzido a importância da atividade parlamentar na regulação da vida social. A elaboração de regras pelo legislador dirigidas à disciplina de qualquer situação da vida pode ser, nesse contexto hermenêutico, deliberadamente ignorada pelo operador do Direito caso ele entenda, numa construção argumentativa baseada exclusivamente em princípios (ou na sua ponderação), que aquele comando normativo não merece ser aplicado concretamente.

O modelo seria perfeito, não fosse um mero detalhe: a verdade sobre o significado dos princípios jurídicos e sua ponderação não está acessível em qualquer manual jurídico. Como diria Dworkin, certos desacordos, por sua complexidade moral, só são perfeitamente compreendidos por um juiz-filósofo, a quem metaforicamente batizou de Hércules. Na prática, homens e mulheres comuns, diante da dificuldade de se atribuir peso aos princípios, acabam customizando sua "própria ponderação", partindo quase sempre do seu entendimento sobre os valores morais em jogo. É "exercício de pura discricionaridade", nas palavras do também ex-ministro do STF Eros Roberto Grau.

Ou seja, na prática, os princípios – que não se prestam a regular situações concretas em função do seu alto grau de abstração – vêm sendo usados para que o operador do Direito introduza no processo hermenêutico valores socialmente reconhecidos, mas que, no fundo, revelam mais as suas próprias visões de mundo do que padrões minimamente consensuais de justiça. Na clássica discussão sobre a divisão entre Direito e moral, tem prevalecido a moral subjetiva do intérprete, quase sempre encoberta por uma argumentação retórica que confere a um ou mais princípios força decisiva.

Não se nega a importância dos princípios no processo hermenêutico, tampouco a importância de não se curvar pura e simplesmente às vontades circunstanciais das maiorias – sobretudo em matéria de direitos e garantias fundamentais. Mas não há ordenamento jurídico que resista a qualquer teste de coerência e integridade quando o conteúdo de princípios é definido sem compromisso com a moralidade pública vigente, com base apenas na moral de cada um.

Não há Direito sem coerência. O apego excessivo à moral do intérprete e o desapego na mesma proporção às regras jurídicas vão retirando aos poucos do Direito brasileiro a sua integridade. Sem ela, os tribunais "deitam e rolam", nos lançando no varejo das decisões judiciais contraditórias, onde juízes atuam como se legisladores fossem.

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