Assim que adotei a Bananinha, percebi que ela era algo diferente: além de muito pequena, tinha as patas curtas e tortas, o andar meio durinho e era muito quietinha. Tendo convivido com gatos por 30 anos, sabia que aquilo não era muito típico, ainda mais para um filhote.
Com o passar do tempo, a quietude de Bananinha deu lugar a um quadro claro de dor persistente. Ela foi ficando ainda mais letárgica, não conseguia subir nos lugares, tremia e reclamava quando era tocada e andava "rebaixada". Para completar, em um curto espaço de tempo teve síndrome respiratória felina, calicivirose e uma hérnia umbilical.
Começou um périplo por vários veterinários. FIV (Vírus da Imunodeficiência Felina), Felv (Vírus da Leucemia Felina), hipotireoidismo e nanismo foram logo descartados. Um raio-x de patas traseiras não foi conclusivo, enquanto o ultrassom de abdômen detectou um aumento no baço que não conversava com outros achados. Devido ao quadro de dor, Bananinha começou um tratamento à base de analgésicos (gabapentina), anti-inflamatórios (prednisolona), nutracêuticos e acupuntura.
"Fui chamada para fazer o atendimento da Bananinha, que possuía histórico de muita dor, claudicação de membros pélvicos e posteriormente apresentou paresia. A suspeita era de displasia coxofemoral. Ao exame clínico, pude observar diminuição de propriocepção nos membros pélvicos, presença de dor profunda e muita sensibilidade em coluna", afirmou a veterinária Melissa Faria Martins Gabriel, que fazia as sessões semanais de acupuntura.
O raio-x de corpo completo deu a primeira pista:
"Deformidade da placa terminal cranial e caudal dos corpos vertebrais torácicos e lombares; alteração morfológica dos processos articulares no segmento torácico e lombar da coluna; indefinição do processo odontoide de C2; deformidades nas articulações dos cotovelos. Achados compatíveis com mucopolissacaridose."
Mas que diabos??
Mucopolissacaridose, ou MPS, é uma doença hereditária do metabolismo, de herança recessiva, que afeta a produção de enzimas responsáveis pela síntese e pela quebra de moléculas. À medida que as moléculas de glicosaminoglicanos vão se acumulando nas células dos organismos, o funcionamento dos órgãos vai sendo afetado e os sinais da mucopolissacaridose vão ficando mais aparentes.
A doença é classificada de acordo com a enzima cuja produção o organismo é incapaz de realizar, recebendo nomes como MPS II, MPS IV ou MPS VI. Os sintomas de cada deficiência genética variam. Os mais comuns são hérnias (inguinais e umbilicais), limitações articulares, perda auditiva, problemas respiratórios e cardíacos, aumento do fígado e baço, déficit neurológico –e as alterações faciais que dão uma típica "cara de bravinha".
Na época, julho de 2018, nenhum laboratório no Brasil realizava exame de diagnóstico e pouquíssimos veterinários haviam tratado pacientes dessa doença rara, que também afeta humanos.
Seguindo a orientação do médico veterinário Alexandre Daniel, da clínica Gattos, em São Paulo, Bananinha teve amostras de sangue e urina despachados para o laboratório de genética da Universidade da Pensilvânia, o PennGen, nos EUA.
O resultado veio positivo. Por não ter estudos de prevalência em felinos SRD, o laboratório não fez os testes específicos para classificação do tipo de MPS que acomete a Bananinha.
A doença é degenerativa, não tem cura, e a morte é prematura –a estimativa de vida para cães e gatos é de cerca de dois anos. O tratamento é estipulado conforme os sintomas apresentados.
""Não vou te dizer quanto tempo de vida a Bananinha deve ter. Não pense nisso. Pense em dar a melhor qualidade de vida para ela, enquanto ela estiver aqui", orientou à época Alexandre Daniel.
A casa ganhou rampas para que ela pudesse subir na cama da mãe e no sofá e potes altos de comida, enquanto a caixa de areia ganhou aberturas amplas e rebaixadas. Camas mais fofinhas e tapetes foram acrescentados à paisagem doméstica.
Hoje o tratamento da Bananinha consiste em robenacoxibe (anti-inflamatório para casos de osteoartrite) e óleo de Cannabis medicinal.
"A cannabis atua no sistema endocanabinoide, que realiza a homeostase [equilíbrio] de todo o organismo", explicou a médica veterinária Lia Nasi, responsável pela prescrição da Bananinha. "Através dos receptores canabinoides e vaniloides, os endocanabinoides (canabinoides produzidos pelo próprio organismo) ou fitocanabinoides (compostos da cannabis) atuam nas vias aferentes e eferentes da dor, produzindo efeitos analgésicos, diminuindo as citocinas pró-inflamatórias e aumentando a produção das citocinas anti-inflamatórias."
"No caso da Bananinha, o efeito obtido para modulação da dor é esse: através do controle dos impulsos nervosos gerados pelas sinapses, nas vias aferentes e eferentes, obtém-se analgesia pelo estímulo do próprio organismo produzir citocinas anti-inflamatórias, na tentativa de voltar à homeostase. Com isso, consegue-se diminuir drasticamente a medicação alopática para analgesia e uso de anti-inflamatórios não esteroidais, que a longo prazo são prejudiciais, além da proteção do organismo como um todo", acrescentou.
Uma das complicações desencadeadas pela MPS foi o glaucoma, que Bananinha trata com colírios desde 2020 e visitas periódicas à oftalmologista. Mas check-up recente mostrou que Bananinha está bem, sem problemas renais ou hepáticos. É visível que suas articulações da coluna e das patas estão cada vez mais deformadas, mas ela brinca, pula e se movimenta normalmente pela casa.
Contrariando todas as expectativas, Bananinha completa em breve 5 anos de pura laranjice pistola.
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