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Afroturismo, cultura negra e movimentos

Guia Negro - Guilherme Soares Dias
Guilherme Soares Dias

Afroturismo promove viagens, antirracismo e potências negras

Tendência atrai empresas que já trabalham com foco na cultura e história negra

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Guilherme Soares Dias
São Paulo

Turismo é escolha, comércio, cultura, dinheiro que circula, conhecimento, e pode e deve ser diverso também. Quando você viaja para um determinado destino e prioriza conhecer lugares de cultura e história negras está fazendo afroturismo. Essa vertente do turismo cultural ganhou mais força nos últimos quatro anos quando passou a ser chamado dessa forma. Até então, a denominação era de turismo étnico, mas os movimentos de empresas e consumidores negros fizeram questão de lembrar que turismo étnico poderia ser o indígena, o branco, além de haver uma necessidade de enfatizar a negritude no turismo.

O afroturismo é, então, o movimento de qualquer pessoa que deseja conhecer mais da gastronomia, da moda, dos museus, da cultura, dos monumentos que tenham foco na herança africana. É uma tendência e uma série de empresas já trabalham com esse foco, assim como grandes companhias têm percebido que o antirracismo no mundo das viagens passa, também, por investir nessa vertente do turismo. Um caminho sem volta, eu diria, tanto para as empresas que precisam promover novos destinos e experiências, quanto para quem pratica e consegue se ver representado no turismo ou, simplesmente, para conhecer histórias que foram ocultadas pelo racismo estrutural. Como o Parque Nacional de Palmares (AL), um dos maiores símbolos de resistência da época da escravização, e que ainda não faz parte da lista de desejos de viagens da maior parte da população brasileira.

Esse talvez seja o maior entrave para o crescimento do setor: o apagamento histórico de tudo o que é ligado à negritude e o quanto os negros foram escanteados da sociedade. Equipamentos como museus ligados à história negra ainda são deixados em segundo plano, assim como não há monumentos em tamanho razoável que celebrem figuras negras e que despertem o desejo dos turistas de tirar fotos com eles, como ocorre com Nelson Mandela, na África do Sul. A maior parte dos patrimônios culturais do Brasil, reconhecidos pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), são heranças da diáspora africana, como a ciranda, a capoeira, o acarajé, o frevo, mas que não recebem o investimento e a divulgação devidos, ao mesmo tempo em que estão no imaginário de quem viaja para os lugares que recuperam suas origens.

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SAO PAULO,SP - Afroturismo. Passeios organizados pelo Guia Negro, em São Paulo. (Foto: Heitor Salatiel/Divulgação) - Divulgação

Uma pauta urgente para as secretarias de Estado, Ministérios do Turismo e grandes empresas do setor que ainda ignoram um movimento de conscientização racial – que já chegou ao setor da estética, por exemplo, onde as pessoas negras deixaram de alisar ou raspar o cabelo e assumiram seus afros. Uma mudança que transformou a indústria que hoje ganha dinheiro vendendo produtos para cabelos crespos. Esse novo comportamento também está ocorrendo nas viagens.

Hoje, não investir no público negro limita a possibilidade de ganhos no turismo, uma vez que as pessoas de cor preta e parda no Brasil movimentam R$ 1,7 trilhão por ano. Nos Estados Unidos, há um movimento chamado Black Travel Movement, que destaca negros e latinos como parte das pessoas que estão viajando a lazer e não apenas a trabalho. Por lá, são 54 milhões de negros (equivalente à metade da população negra brasileira) e, pelo menos, 10 milhões delas realizam uma viagem internacional por ano. No mercado doméstico norte-americano, essa população movimenta US$ 48 bilhões, segundo o Instituto Mandala, especializado em turismo.

Aqui no Brasil, o Sebrae realizou um estudo sobre o crescimento do setor em que ressalta que "a cultura afro é uma das bases das tradições brasileiras, presente na maioria dos atrativos e destinos turísticos do país, como igrejas construídas pelas pessoas escravizadas, museus, centros culturais". As viagens também estão entre as prioridades das pessoas negras no Brasil e a preferência dos afroviajantes é por capitais da região Nordeste e com forte presença da história negra. Em pesquisa recente, encomendada pela consultoria em diversidade AFAR Ventures para o Painel BAP, apontou que 64% dos entrevistados pretendem realizar pelo menos uma viagem de férias nos próximos doze meses. Entre as cidades desejadas estão: Recife, São Luís, Maceió, Salvador e Rio, todas como forte cultura e legado negros, mas ainda, temos muito trabalho pela frente para promover mais e dar a mesma importância e investimentos, do chamado turismo tradicional, para o afroturismo.

Além de destino, afroturismo é comportamento, como lembra Tânia Neres, consultora de estratégias operacionais do setor e que atua há 30 anos na área. Em participação no podcast Afroturismo, Neres lembra que por meio de viagens em que se visita lugares para saber quem realmente os construiu e quem realiza os novos movimentos culturais, há um aumento da autoestima e, consequente, mudança na relação com as cidades. Beatriz Moremi, da Brafrika Viagens, destaca que mensurar os impactos de uma viagem afrocentrada é complexo, uma vez que muitas pessoas se entendem como negras a partir dessas viagens, outras utilizam a experiência como parte de seu letramento racial. Além da reconexão necessária entre povos da diáspora africana, que se tratam como irmãos separados por uma escravização que ainda não foi abolida da mentalidade de todos. Nesse sentido, pessoas negras viajando juntas buscam formas de aquilombamento para se fortalecer e se sentir parte dos lugares.

Qualquer turista pode privilegiar um restaurante de uma mulher negra, como o de Dona Suzana, em Salvador, em vez de frequentar grandes redes; ou ficar hospedado em um local de proprietário negro ou que valorize a contratação de profissionais negros. Afroturismo também é visitar o Museu Afro Brasil, em São Paulo; é fazer o passeio Linha Preta, em Curitiba; conhecer quilombos; visitar o Chateau Rouge, em Paris; viajar para o continente africano em busca da ancestralidade e das conexões ou mesmo viajar para lugares da diáspora negra, como Cuba e Colômbia ou o Harlem e o Brooklyn, em Nova York. Afroturismo é, portanto, conhecer outras histórias, lugares e equipamentos que não costumam estar em destaque nos guias de turismo, mas que sem dúvidas, proporcionam experiências únicas. É um resgate da África que vive em nós e das potências negras pulsantes que emergem e que sempre nos foram negadas. Não serão mais!

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