Após o anúncio da venda do Twitter ao bilionário Elon Musk, o presidente Jair Bolsonaro (PL) e figuras aliadas registraram um salto de seguidores em seus perfis na rede social.
A plataforma aceitou na segunda-feira (25) a oferta de U$ 44 bi (R$ 214 bilhões) de Musk, atualmente o homem mais rico do mundo, cujo objetivo é tornar a rede uma empresa de capital fechado, como forma de garantir a livre circulação de ideias.
A partir de terça-feira (26), um dia depois, bolsonaristas começaram a relatar crescimentos exponenciais na rede. Pelo menos trinta 30 contas alinhadas ao presidente foram turbinadas, entre políticos, influenciadores, empresários e comunicadores.
Jair Bolsonaro foi o maior beneficiado, somando 192 mil novos seguidores até esta quinta-feira (28), de acordo com a ferramenta de monitoramento Social Blade. A média diária em abril era de 4.200.
Expansões muito acima da média também foram registradas no Twitter de filhos do presidente, como Flávio Bolsonaro (PL) e Carlos Bolsonaro (Republicanos), de políticos aliados, como Damares Alves e Carla Zambelli (PL-SP), e de influenciadores e empresários como Luciano Hang e o perfil TeAtualizei.
O perfil de de Olavo de Carvalho, morto em janeiro, ganhou 5700 seguidores na quarta (27), mesmo sem ter feito nenhuma postagem naquele dia. A faixa era de 200 seguidores diários anteriormente. O mesmo ocorreu com o ex-ministro do Turismo Gilson Machado, que não teve atividade na rede na terça (26), mas conseguiu 6.700 seguidores.
Os bolsonaristas atribuem o crescimento a um suposto fim da censura a perfis de direita, que teria vigorado no Twitter antes da compra de Musk. O bilionário se declara um absolutista da liberdade de expressão e promete reverter as políticas de moderação da plataforma.
O ex-ministro Mario frias, outro agraciado pelo crescimento, chegou a sugerir uma "CPI do algoritmo", para investigar quem estaria limitando o crescimento das contas anteriormente.
Entre nomes da chamada terceira via, João Doria (PSDB), Simone Tebet (MDB-MS), Eduardo Leite (PSDB) e Ciro Gomes (PDT) tiveram crescimentos no período, porém bem mais modestos.
O boom não ficou restrito ao Brasil. Seguindo o anúncio da venda do Twitter, perfis de políticos republicanos e de outras vozes conservadoras nos EUA, como o apresentador Tucker Carlson, viram aumento consideráveis em suas contas.
Ao mesmo tempo, contas ligadas à esquerda e ao Partido Democrata, como Barack Obama e Hillary Clinton, sofreram debandadas de seguidores. No Brasil, o cenário parece se repetir. Figuras como Lula perderam 11 mil seguidores, Haddad, 1.3 mil e Gleisi Hoffmann, 940, apenas nas primeiras 24 horas, segundo cálculos do especialista em monitoramento Pedro Barciela. O crescimento foi retomado nos dias seguintes.
Perfis jornalísticos, como da Folha e The New York Times, no entanto, registraram crescimento acima da média no período.
O que disse o Twitter até agora
Inicialmente, o Twitter não quis comentar o episódio e apenas enviou um texto divulgando a aquisição de Musk, quando questionada pela reportagem. Já na quarta (27), a empresa afirmou que analisa as variações globalmente e "ao que tudo indica, parecem ter sido resultado de um aumento na criação de novas contas e desativação de outras, organicamente".
A empresa não respondeu, contudo, se havia algum tipo de censura antes da entrada de Musk e se a aquisição tem relação com crescimento dos perfis de direita, como alegam as parcelas bolsonaristas.
O Twitter também não respondeu se foi totalmente descartada a possibilidade de comportamento inautêntico entre os novos seguidores dos perfis, mas diz que continuará analisando as alterações.
Especialistas contestam fenômeno e veem movimento inautêntico
Segundo análise do especialista em dados Christopher Bouzy, ao menos 61 mil das novas contas que seguiram o presidente foram criadas recentemente, a partir da segunda (25), e são inautênticas. A maioria dos perfis, por exemplo, não tem atividade registrada.
Bouzy é fundador do Bot Sentinel, uma ferramenta de monitoramento de contas automatizadas, e divulgou o levantamento em um fio no Twitter.
"Estão me perguntando se acredito que as novas contas que seguiram Jair Bolsonaro são orgânicas, e a resposta curta é não", disse ele. "Não acho que dezenas de milhares de brasileiros decidiram criar novas contas ao mesmo tempo e seguir Bolsonaro porque Elon Musk está comprando o Twitter."
Na quinta (28), Bouzy ainda divulgou um novo levantamento, a pedido do site "Congresso em Foco", em que afirma que outros cincos políticos contaram com impulsionamentos de contas recém-criadas.
São eles: Damares Alves, Flávio Bolsonaro, Tarcísio de Freitas, general Heleno e Carla Zambelli.
Segundo a análise, 67,4% dos novos perfis foram gerados desde a segunda (25) — ele os caracteriza como inautênticos. No Twitter, Bouzy disponibilizou listas contendo ID, data de criação e quantidade de tuítes das contas.
Segundo o ITS Rio (Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro), o fato de muitos das novas contas não terem atividades registradas nem seguidores indica uma ação coordenada, com alta probabilidade alta de serem perfis inautênticos.
Em uma análise preliminar, o instituto não encontrou fortes indícios comprováveis de que os perfis seriam robôs — em grande parte pela falta de atividade nas contas, segundo a organização — mas não descartam a possibilidade de uma ação "ciborgue", misturando comportamento humano e automatizado.
O especialista em monitoramento e análise de redes Pedro Barciela caracterizou a movimentação como "estranha". Segundo ele, o volume de interações em perfis como o de Carla Zambelli, Carlos Bolsonaro e Flávio Bolsonaro caiu nos dias anteriores à venda do Twitter. Sendo assim, não haveria justificativa aparente para o "boom" de novos seguidores.
"A conta não fecha, para dizer o mínimo", disse à Folha.
Marcelo Alves, professor do Departamento de Comunicação da PUC-Rio, analisou as últimas 90 mil contas que seguiram o presidente até a tarde de quinta (28). Ele diz que 77,5% dos perfis não têm nenhum seguidor e 98,8% têm menos de 10. Ele também reafirma que maioria não tem atividades registradas em seus perfis.
Para ele, os dados iniciais indicam que a movimentação contou com uma mescla entre bots e contas aparentemente autênticas. "Isso sugere que houve uma ação coordenada por bolsonaristas em aplicativos de mensagens e outros espaços".
"Saber o quanto é autêntico e quanto é bot é extremamente difícil, mas é uma variação de seguidores de ordem de grandeza que não se manifestava em pelo menos dois anos", diz.
Boom não ocorreu em outras redes
Em outras mídias sociais, não foram verificadas explosões de engajamento entre as contas bolsonaristas. No Instagram, Jair, Carlos e Flávio Bolsonaro não expandiram nem 1% em termos de novos seguidores desde a segunda (25), de acordo com a ferramenta Crowdtangle. No Facebook, também não houve crescimento expressivo.
Da mesma forma, outros perfis alinhados ao presidente não tiveram impulsionamentos comparáveis aos observados no Twitter.
Contas recém-criadas não são necessariamente robôs
O levantamento do Bot Sentinel aponta que as contas criadas recentemente e que tem seguido os perfis bolsonaristas são inautênticas. Mas isso não significa, necessariamente, que elas sejam robôs ou bots.
Segundo definição no site da rede, contas inautênticas podem estar ligadas a pessoas que buscam "enganar seus seguidores e o seu público", muitas vezes com o intuito de produzir "assédio direcionado e trollagem tóxica", ou podem se tratar de contas automatizadas — aí, sim, os famosos bots. Nesse caso, os perfis são desenhados para simular comportamentos humanos nas redes.
Segundo o Pegabot, projeto do ITS Rio e do Instituto Equidade & Tecnologia, bots são "programas de computador ou scripts que executam tarefas repetitivas e são capazes de automatizar o processamento de informações em larga escala" — não necessariamente tarefas boas ou más.
Desde 2014, segundo o projeto, a tecnologia passou a ser utilizada de forma ampla em campanhas de desinformação e de manipulação da opinião pública. O projeto lista alguns critérios para identificar o comportamento de bots, como frequência de postagem, amplificação de conteúdos e anonimidade. Dada a sofisticação da tecnologia, entretanto, a detecção de bots é cada vez mais complexa, diz o projeto.
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