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Descrição de chapéu vale do javari

'Quero ilustrar a derrota do bolsonarismo', diz autor de arte viral com Dom e Bruno

Cristiano Siqueira fala sobre relação com política e sucesso nas redes sociais

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Fortaleza

Os traços remetem aos heróis das histórias em quadrinhos. O plano de fundo é vermelho como sangue. Depois de viralizar nas redes sociais, a ilustração de Dom Philips e Bruno Pereira, feita pelo artista Cristiano Siqueira, figurou em cartazes e camisetas, estampou uma bandeira estendida por Caetano Veloso em show e levou às telas de caminhões de Los Angeles, em meio à Cúpula das Américas, a pergunta: "Onde estão Dom e Bruno?".

O questionamento agora dá lugar ao pedido para que o assassinato do jornalista e do indigenista não fique impune. A imagem, que se tornou a mais simbólica do caso, tem, segundo seu autor, servido para "aglutinar um movimento de cobrança pela investigação e justiça" nesse episódio.

Caminhões com telas exibem imagem e mensagens sobre desaparecimento do jornalista britânico Dom Philips e do indigenista Bruno Pereira
Caminhões com telas exibem imagem e mensagens sobre desaparecimento do jornalista Dom Philips e do indigenista Bruno Pereira pelas ruas de Los Angeles (EUA) durante a Cúpula das Américas - Divulgação

A ilustração de Dom e Bruno é só um exemplo de como Cristiano usa sua arte para dar visibilidade a causas em que acredita. Política, inclusive, é o assunto que domina as peças compartilhadas pelo artista nas redes sociais. Conhecido pelo username @crisvector, ele já soma 53 mil seguidores no Twitter e 107 mil no Instagram.

Mais identificado com pautas da esquerda, Siqueira não deixa escapar nenhuma novidade que interessa a esse espectro político. Na manhã desta quarta-feira (22), por exemplo, a prisão do ex-ministro Milton Ribeiro fez o artista desenhar Jair Bolsonaro (PL) em chamas. A charge é uma referência direta à frase usada pelo presidente ao defender seu então aliado: "Boto minha cara toda no fogo pelo Milton".

Outra de suas ilustrações recentes que viralizaram apresenta uma bandeira do Brasil estampada com a frase "Criança não é mãe". A arte faz alusão ao caso da menina de 11 anos, grávida após ter sido vítima de um estupro, que foi induzida por uma juíza a desistir do aborto legal.

Com 42 anos de idade e 18 de carreira, Cristiano revela que nem sempre a política caminhou tão perto do seu trabalho. Em entrevista à Folha, ele fala sobre o processo criativo e reflete sobre o sucesso nas redes sociais.

Ilustrador Cristiano Siqueira, o CrisVector
Cristiano Siqueira, conhecido nas redes sociais como 'CrisVector', já fez de design de capas de CDs de pagode a ilustração de capas para o Le Monde Diplomatique, e faz sucesso nas redes com charges políticas - Cristiano Siqueira

A ilustração de Dom e Bruno rodou o mundo e se tornou muito simbólica desse episódio. Como você avalia sua contribuição para o caso? Os dois já estavam desaparecidos há uns 3 dias. Nas redes sociais, as pessoas estavam começando a se perguntar onde estavam Dom e Bruno. Achei que poderia contribuir ao movimento com algo que eu sei fazer, que é arte.

Essa, por sua vez, ajudou mais pessoas a prestarem atenção sobre o que estava acontecendo e fazer sua própria manifestação. Meu envolvimento foi de forma voluntária, não tenho ligação com entidades ou organizações. Apenas acompanho as notícias, os relatos, as preocupações dos colegas, família e o sentimento de impotência ao cobrar as autoridades, sem ver resultados.

E como é ver sua arte chegar tão longe? Realmente, a arte chegou longe, mas o que me deixa com um sentimento de satisfação é ver que a ilustração serviu para aglutinar um movimento de cobrança pela investigação e justiça para Dom e Bruno. E também para chamar atenção para a situação de extremo risco a qual diversos outros profissionais que trabalham junto aos povos indígenas têm passado. Infelizmente, Dom e Bruno não foram as primeiras vítimas e talvez não sejam as últimas.

Seu trabalho diz muito do seu posicionamento político. Qual é a importância dessa ligação para você? É algo relativamente novo. Eu sou ilustrador já há 18 anos, mas sempre evitei relacionar meu trabalho a temas políticos. Na verdade, eu sempre evitei me envolver em política.

Cresci acreditando que esse era um assunto de especialistas, que não devia me envolver se não tivesse um conhecimento aprofundado, que a política deveria ser feita por políticos ou acadêmicos, e que minha participação seria apenas na hora de dar um voto.

Com o tempo, fui percebendo que essa atitude passiva não resolvia e que deveria me envolver mais, principalmente depois do nascimento do meu filho. Como meu trabalho é a única coisa que eu sei fazer, passei a usá-lo para me expressar. Me identifico com as pautas de esquerda e uso meu trabalho para somar nas causas.

Mas em algum momento você já teve medo ou pensou em não se posicionar sobre algum assunto? Em algumas situações, eu nem penso sobre medo. Às vezes, a situação pede alguma urgência e aí a gente apenas vai.

Na maioria das vezes, eu avalio se aquele posicionamento vai de fato somar algo positivo. Todo mundo tem opiniões e meios de manifestá-las, mas nem sempre o que se diz serve para se construir algo.

Então, já deixei de me posicionar sobre alguns assuntos, já reavaliei meu posicionamento, já tive trabalhos que publiquei e apaguei porque algumas pessoas ficaram ofendidas e depois me explicaram as razões e essa troca me ensinou coisas que serviram para eu aprimorar meu próprio trabalho.

O revival do meme da URSAL e o caso da juíza que induziu uma criança a desistir de aborto legal são alguns dos assuntos do momento nos quais você também se engajou. A sensação é de que quase sempre que surge algo que movimenta a política, é possível apostar que você fará um post relacionado. Funciona assim mesmo? Tem acontecido bastante ultimamente, mas não é sempre assim.

Nem sempre tenho como me engajar. Tenho meu trabalho regular de ilustração que preciso priorizar, tenho os clientes que atendo. Esses engajamentos políticos não são remunerados, são feitos para somar nas causas e eu faço quando consigo um espaço de tempo ou quando é algo bem urgente.

Muitas vezes eu dou um jeito de abrir espaço para produzir porque, simplesmente, o assunto não sai da minha cabeça, como foi o caso do "Criança não é mãe". Em outras situações, eu dou apoio em alguma hashtag que a comunidade sobe, na tentativa de pautar os assuntos nas redes sociais.

A internet é um espaço de disputa política e estamos sempre nessa briga. Tem também situações que são mais aleatórias e acabo tendo alguma ideia que vai bem com algum assunto do momento, aí, se eu tenho algum tempo para produzir, eu faço e jogo nas redes.

Também não tem sido raro que você viralize com essas artes. Isso faz parte do seu objetivo de alguma maneira? Com determinados assuntos e pautas, a ideia é que se viralize mesmo, carregando a pauta junto, e que mais e mais pessoas tenham contato com o que se está discutindo ou reivindicado.

Em outros casos, pode ser que viralize por alguma piada ou meme, mas aí é incerto. O que ajuda bastante é poder estar inserido em uma comunidade engajada, um ecossistema em que todos se ajudam curtindo, compartilhando e comentando os conteúdos para que se espalhe na internet. Não podemos contar com robôs ou algo desse tipo, o engajamento é orgânico, todos participam.

Lá no começo da carreira, você chegou a trabalhar com capas de CDs, livros e revistas. Tem alguma coisa dessa época que seja bem conhecida? Há algo que muitos já viram e não sabem que foi feito por você? Ah, provavelmente!

Capas de CD foram meus primeiros trabalhos em design gráfico. Eu nem trabalhava como ilustrador ainda. Produzíamos muitos projetos gráficos de CDs de pagode, música sertaneja, no começo dos anos 2000, para artistas como Belo, Exaltasamba, Os Travessos, Daniel. Trabalhei até em um CD da apresentadora Jackie Petkovic, esse um dos meus primeiros trabalhos de ilustração.

Depois, fui trabalhar com embalagens de brinquedos. Até hoje tem alguns produtos que estão no mercado e usam ilustrações que eu fiz. Um dos mais marcantes dessa época foi uma embalagem para um boneco do Supla. Recentemente resgataram essa embalagem no Twitter e o pessoal ficou surpreso que eu tinha feito.

Sua estética tem referências nos quadrinhos. De onde vem isso? Quadrinhos sempre estiveram presentes na minha vida, desde criança. Aprendi a desenhar copiando os quadrinhos da Turma da Mônica. Depois, aprendi outras técnicas, mas quadrinhos sempre estiveram influenciando, de alguma forma. Hoje em dia meu trabalho de charges e cartuns é fortemente influenciado pela estética dos desenhos animados dos anos 30, estilo rubberhose, estúdios Fleischer, Warner Bros.

Imagino que isso deva variar, mas uma ilustração sua fica pronta em quanto tempo? Por exemplo, como foi com a de Dom e Bruno? Sim, varia bastante. Vão de duas horas a mais de cinquenta horas, ou mais. A do Dom e Bruno eu fiz correndo, pois era algo bem urgente. Consegui fazer em três ou quatro horas, não me lembro exatamente. Uma capa que fiz para Le Monde Diplomatique levou umas duas semanas, mas essa era muito detalhada.

Por fim, já que 2022 é um ano tão decisivo para a política brasileira, queria que você fizesse um exercício de imaginação e dissesse o que você gostaria de ilustrar na política nos próximos meses. Quero ilustrar a derrota do bolsonarismo, a volta dos militares para os seus quartéis, a punição aos responsáveis por essa catástrofe que se abateu sobre o país durante a pandemia, a retomada da esperança do povo brasileiro, um projeto que contemple os cidadãos brasileiros como um todo e não apenas alguns poucos privilegiados.

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