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Brasileira 'desromantiza' vida nos EUA e viraliza no Twitter

Em entrevista ao blog, Larissa Brum fala de thread viral e diz que viveu racismo na Califórnia

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São Paulo

Cansada de ser tachada de "maluca" quando conta que quer voltar ao Brasil, após três anos trabalhando como babá nos Estados Unidos, Larissa Brum (@bocarosax_), 28, decidiu escrever uma thread no Twitter, que viralizou.

Seu intuito era propor um debate: os EUA real vs. os EUA tal como idealizado por alguns brasileiros.

A sequência de postagens narra os aspectos bons, mas sobretudo os ruins, de ser uma mulher indígena brasileira, LGBT e de origem pobre, vivendo e trabalhando no país norte-americano.

Em entrevista ao blog, ela conta um pouco de suas experiências e explica as ressalvas ao país que fez na rede social, como o racismo, ausência de direitos trabalhistas, insegurança devido ao armamentismo e dificuldade para acessar serviços de saúde.

Logo após se formar em direito, Larissa conseguiu juntar dinheiro de um estágio e, com o empréstimo de um tio, entrou no programa de intercâmbio para trabalhar como au pair em São Diego, na Califórnia. Fazer o intercâmbio era uma vontade antiga, mas que até então não "fazia parte da realidade" de sua família.

Larissa não nutria ilusões antes de partir para os EUA, "já não tinha um pensamento adolescente", mas conta que abraçou a oportunidade para aprimorar seu inglês e se qualificar. Lá, trabalha desde 2019 cuidando dos filhos de um casal.

Se por um lado o salário em dólar e o poder de compra abrem portas, por outro, Larissa ressalta, a vida como um trabalhador imigrante por lá está longe da "visão Disney", como descreve, que muitos brasileiros ainda têm do país. Mesmo para aqueles que estão lá legalmente, seu caso.

"Como mulher e LGBT, me sinto muito segura aqui [na Califórnia]. Moro em um lugar que todo LGBT sonha em morar, próximo a um bairro o mais queer possível. Mas a cor da minha pele é um problema, não tem como ignorar", diz, afirmando que o racismo lhe parece intrínseco à cultura norte-americana, e frisa: "Mesmo em um estado mais aberto, como a Califórnia."

Logo no início de sua estadia, no auge do verão, quando a avó das crianças por quem é responsável a ajudava a se adaptar, Larissa teve um dia de folga e foi aproveitar a piscina do condomínio de seus "hosts", como são chamadas as famílias que recebem intercambistas.

Duas vizinhas não gostaram de sua presença e, em voz alta, começaram a se perguntar quem era aquela moça: "Até aí tudo bem". Larissa estava prestes a se levantar e, num gesto de boa vizinhança, pretendia se apresentar. Até que ouviu: "Moradora ela não é, com a pele tão escura assim não teria condições de morar aqui".

"Aquilo me quebrou", conta. "Naquele momento eu tive certeza que ia voltar para o Brasil". A vizinha a interpelou e começou a questionar como Larissa havia "invadido" o condomínio. Enquanto explicava, concluiu: "Eu nunca vou me encaixar aqui".

Fotografia colorida é retrato de Larissa em frente a um mural em que se lê "California Dreaming"
Formada em direito, Larissa foi aos EUA trabalhar como babá e mora desde 2019 em São Diego, na Califórnia - Arquivo Pessoal

"A cereja do bolo da minha dor foi quando voltei para casa e a avó das crianças, do Tennessee, um desses estados mais problemáticos", ao ouvir o relato de Larissa, afirmou: "Eu sabia que isso ia acontecer".

Natural da cidade de Miguel Pereira, no interior do Rio de Janeiro, Larissa nunca tinha passado por preconceito racial no Brasil. "Eu estava em uma bolha de padrões no Brasil, eu não sou uma pessoa gorda, não tenho pele retinta, meu cabelo é liso, então é socialmente aceito".

"Muitos brasileiros acham que tudo bem ser tratado dessa forma porque está com iPhone no bolso e carro na garagem", diz, e era esse um dos aspectos que quis questionar em suas postagens.

Ela reconhece todas as vantagens e privilégios de ganhar em dólar e lembra de como ficou impressionada quando, com uma semana de seu salário de babá, conseguiu pagar à vista um iPhone 11 na semana de lançamento —coisa que jamais poderia fazer no Brasil. "Eu venho de uma família de muita privação financeira, não fui criada com privilégios. Aqui foi a primeira vez que eu pensei, 'meu Deus, eu posso comprar!'".

Mas a precarização do trabalho, apesar do poder de compra que mesmo o subemprego garante, é para ela a realidade do estrangeiro nos EUA.

"O poder de compra é uma das coisas que traz essa romantização, porque o brasileiro infelizmente não tem essa realidade", pondera e conta a história de uma amiga, também brasileira, formada em engenharia, mas que prefere continuar nos EUA trabalhando como babá.

Com o dinheiro que ganhou nos EUA, Larissa reformou a casa de sua mãe, um sonho que tinha, e comprou um apartamento. "Foi o dólar que me permitiu isso, tenho total noção. Mas preciso ser realista: tenho 28 anos, não tenho aposentadoria nem aqui nem no Brasil. Mas eu quero casar, quero ter filhos, e não consigo fazer isso nos EUA". Colocando na balança, decidiu que é hora de voltar.

Sobre a thread, afirma: "Eu não estava comparando o Brasil aos EUA, eu comparo os EUA irreal da cabeça dos brasileiros com os EUA real. Já passou da hora das pessoas entenderem o que é esse 'american way of life'", diz.

E, da mesma forma que foi para a Califórnia sem ilusões, também não romantiza o Brasil, para onde retorna no final de 2022. "Minha namorada já fala para mim: você vai ficar louca no mercado".

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