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Choquei vira fonte de notícias da internet replicando conteúdos sem checagem

Página de fofoca bombou ao cobrir guerra e eleições em modo 'copia e cola'

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São Paulo (SP)

Os bastidores da farofa da Gkay, a conferência do clima da ONU e as novidades esportivas, quase nada passa batido pelas páginas da Choquei nas redes. Desde que extrapolou as fofocas para cobrir temas como guerras e eleições, o perfil se tornou um dos mais populares da internet.

No segundo turno, por exemplo, liderou as menções no Twitter, à frente de políticos e de veículos da imprensa tradicional. Em fevereiro, viralizou ao tuitar em "tempo real" a invasão russa à Ucrânia —abandonando a cobertura do BBB (Big Brother Brasil), até então o seu carro-chefe. As postagens da página ocorreram antes do plantão da Globo, que sempre foi referência nacional em alerta de notícias de grande porte.

Choquei lidera menções às eleições no dia do 2º turno nas redes
Choquei lidera menções às eleições no dia do 2º turno no Twitter, segundo monitoramento de Pedro Barciela - @Pedro_Barciela no Twitter

Atraindo anunciantes interessados em seu público heterogêneo de cerca 20 milhões de seguidores, somando todas as redes, o "estilo Choquei" é feito de informação ágil distribuída em modo "copia e cola". Quase todos os conteúdos publicados são fruto de apuração de outros veículos de comunicação. Também são compartilhados tuítes virais e vídeos enviados por seguidores.

Sem site próprio e com perfis no Instagram e no Twitter, as notícias são divulgadas em chamadas curtas com tom de urgência, como "GRAVE" e "URGENTE", sem espaço para contextualização e muitas vezes sem atribuir créditos.

Com foco na agilidade, não há processo de checagem antes de as informações serem publicadas e, quando erros acontecem, são raras as retratações públicas.

"Postar um dia depois não entra na nossa forma de trabalho", diz o criador do perfil Raphael de Souza, 28, ao explicar as dificuldades de incorporar os métodos de verificação. Ele argumenta que checagens, praxe no jornalismo, levam tempo e por isso o perfil prefere replicar conteúdos de "portais confiáveis", como forma de preservar a agilidade e a credibilidade da página.

"A gente prefere pegar de portais porque, se o artista desmentir, ele está desmentindo o portal do qual a gente pegou, não a página Choquei. Aquilo lá não é uma coisa nossa", afirma.

A gente prefere pegar de portais porque, se o artista desmentir, ele está desmentindo o portal do qual a gente pegou, não a página Choquei. Aquilo lá não é uma coisa nossa

Raphael Sousa

Criador da Choquei

Recentemente, o perfil replicou uma notícia veiculada na Folha de que o apresentador Ratinho teria criticado em um vídeo os recentes protestos antidemocráticos. O vídeo na verdade era de 2018, e uma nota de correção foi adicionada ao texto do jornal dias depois, além de o título ter sido atualizado.

O vídeo divulgado nas contas da Choquei, por sua vez, foi apagado sem explicações, após ter sido compartilhado por milhares de usuários.

Nas primeiras horas da Guerra da Ucrânia, a página chamou atenção ao fazer postagens em série sobre o conflito, com cenas tiradas da cobertura da CNN e da Globo. Algumas postagens, entretanto, exibiam imagens falsas ou descontextualizadas. Umas delas dizia que "dezenas de milhares de corpos estavam nas ruas da capital ucraniana". Outro post confundiu um vídeo de 2021 com um bombardeio russo durante a invasão.

As afirmações logo foram desmentidas por agências de checagem e apagadas do perfil, também sem retratações.

Em junho, a página pautou, por dias, o debate nas redes sociais ao ventilar a lenda da cidade de Ratanabá, uma suposta civilização secreta que teria habitado a Amazônia. "URGENTE: uma cidade maior do que a Grande São Paulo está soterrada na Amazônia! dizia um post.

Sem fundamento científico e considerada "um desserviço à arqueologia" por especialistas, a lenda teve pico de pesquisas no Google à época e foi tema de inúmeros debates. Após o episódio, a Choquei apagou os posts e se desculpou afirmando que seguiria "combatendo as fake news e informando os internautas".

Desde que passou a cobrir temas gerais do noticiário, porém, é comum encontrar usuários na redes exaltando o trabalho da página e fazendo comparações com portais de notícias profissionais. O meme "correspondente da Choquei" é um exemplo da popularidade do perfil, que usa a cantora Gretchen para brincar com a ideia de que a página pode cobrir qualquer evento em qualquer lugar.

Formado em fotografia, Raphael criou o perfil em 2014, quando era vendedor de chips de celulares em uma loja de Goiânia. Sem nenhuma ligação com o mundo do entretenimento ou o apoio dos pais, administrou sozinho a página por quatro anos. "Foi um tiro no escuro que deu certo."

Raphael Sousa, empresário e criador do perfil Choquei
Raphael Sousa de Oliveira, 28, empresário e criador do perfil Choquei - raphaelsoux no Instagram

Hoje, ele tem uma equipe de seis redatores que trabalha de forma remota das 8h à 0h. Segundo o fundador, não há metas de engajamento nos posts, embora esses sejam os dados mais solicitados por marcas interessadas em anunciar na página, principal fonte de rendimento da empresa.

Foi da equipe de produção de conteúdo a ideia de passar a cobrir a Guerra da Ucrânia, inicialmente rejeitada por Raphael. "Eles passaram por cima do que eu falei e noticiaram. No outro dia quando eu acordei, a Choquei estava nos trending topics [assuntos mais comentados] do Twitter."

Desde lá, o movimento vingou não só em termos de audiência, mas também em termos financeiros. O perfil fechou parcerias com Ambev, Dove e McDonald’s, segundo reportagem da Piauí. Também já anunciaram para as LojasAmericanas e Burguer King. O perfil fechou ainda uma parceria para cobrir presencialmente a Copa do Mundo no Qatar, planeja abrir um site de notícias no ano que vem e foi convidado para participar da posse de Lula, em janeiro.

Durante a campanha, publicou conteúdos exclusivos a pedido da equipe do petista e se destacou por fazer uma cobertura favorável ao agora presidente-eleito. Todos os funcionários declararam voto em Lula e o próprio Raphael se define como um antibolsonarista, especialmente depois da gestão do presidente na pandemia, a qual considera desastrosa.

Para Pedro Barciela, especialista em monitoramento e análise de redes, a Choquei ajudou o campo progressista nas eleições ao falar para uma audiência heterogênea e nem sempre engajada. "Um usuário que não necessariamente se engajaria no debate eleitoral, mas por estar acompanhando a Choquei por interesse no programa "A Fazenda", por exemplo, foi impactado de uma forma ou de outra por uma notícia ligada a Lula".

É o caso do estudante de publicidade Lucas Garcia, 19. Ele se define como um "heavy-user de portais de fofoca", como a Choquei, fóruns da Pandlr e a BCharts. "Gosto quando esses perfis publicam sobre assuntos além da cobertura de celebridades, isso faz com que a notícia seja passada em linguagem mais acessível e contextualizada em uma linguagem que falamos nas redes", diz ao #Hashtag.

"Acho que os perfis como a Choquei, Pandlr e BCharts não podem ser as únicas fontes de informação de alguém, mas são bons para que as pessoas fiquem meio por dentro de tudo. Se tiver interesse, podem buscar as informações mais completas nos portais de notícia", comenta.

Barciela também afirma que a Choquei não disputa espaço com a imprensa profissional, já que o público da página não costuma encarar os trabalhos da mesma forma. "O que me parece perigoso é a imprensa tentar se comportar como a Choquei ou a Choquei tentar se comportar como a imprensa."

O que me parece perigoso é a imprensa tentar se comportar como a Choquei ou a Choquei tentar se comportar como a imprensa

Pedro Barciela

especialista em redes sociais

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