Não há como sair indiferente da peça Mulheres que Nascem com os Filhos, em cartaz em São Paulo até este domingo (5).
Durante uma hora, as atrizes Carolinie Figueiredo e Samara Filippo falam sobre suas experiências como mães: voltam para o útero, gritam de dor e medo, ouvem palpites absurdos, julgam e também são julgadas.
Enquanto algumas verdades são ditas no palco, há muito riso na plateia. Há também silêncios reflexivos. A peça dá colo e ao mesmo tempo chacoalha.
Escrita pelas duas atrizes e pela diretora, Rita Elmôr, o espetáculo traz os famosos clichês "fome, sono e enjoo", mas também fala sobre exaustão, solidão e culpa. "Seja porque não teve o parto que queria ou porque não amamentou, se trabalha fora ou largou tudo para cuidar dos filhos em casa. A culpa adoece a mulher e essa peça vem como um processo de cura coletiva", diz Samara Filippo, atriz e mãe da Alícia, 12, e Lara, 9.
Com a maternidade, Samara conta que aprendeu a se vulnerabilizar e controlar seus julgamentos. Percebeu que o que abominava nas filhas --gritos, por exemplo--, era o que ela também fazia.
Reconhecer privilégios e aprender sobre racismo foram outras etapas importantes. Mãe de duas meninas pretas, levou um choque quando a mais velha pediu para alisar o cabelo para ficar igual às colegas da escola. "Mais que vaidade, entendi ali que muitas mães alisavam os cabelos das filhas para protegê-las", lamenta.
Carolinie Figueiredo engravidou pela primeira vez aos 21 anos, mesma idade que sua mãe e sua avó gestaram pela primeira vez. "Aos 23, com dois filhos não planejados, um casamento falido, a carreira de atriz pausada, muito frustrada, comecei a repetir as mesmas coisas que recebi na infância: gritava, ameaçava, colocava de castigo, chantageava. Esses eram os recursos que eu tinha", lembra.
Para Carol, a educação violenta impactou diretamente sua baixa autoestima. E o resultado aparece no palco também, onde se despe, literalmente, para falar sobre a relação com o corpo, tão transformado após as gestações de Bruna, 10, e Théo, 8. "Falo [e mostra] estrias, celulite, o tamanho da minha barriga, o que é pesado e o que foi empoderado. Foi desafiador e duro conseguir me despudorar de toda vergonha, culpa e repressão que carregava e carrego nesse corpo marcado e rasgado após os filhos", reflete.
A maternidade, que rompeu com a carreira, com a identidade, o casamento, os sonhos e vida financeira também alavancou a profissão de terapeuta. "Agora estou recuperando meu território, meu corpo e minha aceitação", diz.
É SÓ [MAIS] UMA FASE
Dizem que a maternidade é igual ao videogame: quando você vence uma fase difícil, outra pior te espera. Encontrar equilíbrio no uso das redes sociais e definir o conteúdo que as duas acessam são alguns dos desafios de Samara, que também lida com a divergência entre as irmãs e o primeiro paquera da mais velha.
Mas o que mais pega agora é a possibilidade de Alícia morar nos Estados Unidos, onde o pai, o jogador de basquete Leandrinho mora.
Samara se separou dele quando a filha mais nova tinha apenas 20 dias. "Acho que vai ser ótimo para educação dela, mas queria que fosse mais pra frente, pelo menos após a menarca [primeira menstruação]", diz.
Já Carol lamenta que agora não consegue mais ninar os filhos no colo. "Está doendo muito nos dois lados. Meus filhos amam colo e essa sempre foi uma estratégia de regulação [emocional]. Sei que eles querem e precisam, mas eu não consigo mais", referindo-se ao tamanho das crianças.
Com lágrimas nos olhos, ela conta que estão procurando juntos uma adaptação para a nova fase. "No fundo, eu sei que minha criança interna ainda espera esse colo, mas já não é mais possível", reflete.
SERVIÇO:
Mulheres que Nascem com os Filhos (classificação 12 anos)
Temporada: em cartaz até 5 de junho (sexta e aos sábado, às 21h, domingo, às 19h)
Teatro Nair Bello - Shopping Frei Caneca - Rua Frei Caneca, 569, 401A, Consolação, São Paulo, SP
Ingressos: R$ 60 (inteira) e R$ 30 (meia)
Duração: 60 minutos
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