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Mensageiro Sideral - Salvador Nogueira
Salvador Nogueira

Foto de exoplaneta gigante prova que estrelas azuis podem tê-los

Imagem produzida por astrônomos no VLT desafia modelos de formação planetária

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Parece nome de filme: "Estrelas azuis também têm planetas gigantes". Mas foi o que constatou um grupo internacional de astrônomos ao descobrir um mundo gigante gasoso orbitando b Centauri, uma estrela binária, que, na soma, tem 6 a 10 vezes mais massa que o Sol. É o primeiro exoplaneta do tipo encontrado em uma estrela com mais de 3 massas solares.

A estrela dupla b Centauri fica a 325 anos-luz da Terra, na constelação do Centauro (não confudir com Beta Centauri, a segunda mais brilhante daquela constelação). Sabe-se que ela é composta por dois astros que orbitam um ao redor do outro proximamente, e o maior deles é de tipo B, uma estrela azul.

As cores indicam a temperatura, que por sua vez, para estrelas na fase "adulta" de seu ciclo de vida (os astrônomos dizem que elas estão na "sequência principal"), indica também seu tamanho. Elas são classificadas por letras, na sequência M-K-G-F-A-B-O. As menores são as estrelas M, também conhecidas como anãs vermelhas. O Sol é uma estrela de tipo G, anã amarela. Já o astro principal do sistema b Centauri é azul, tipo B. (E sim, também é chamado de anã – toda estrela que esteja na sequência principal, independente do tamanho ou da massa, para os astrônomos, é anã. Embora nem toda anã esteja na sequência principal. O que não vem ao caso agora.)

Uma mancha luminosa à esquerda e dois pontos brilhantes à direita; o ponto brilhante à direita e abaixo tem uma seta, indicando ser o planeta b Centauri b. A mancha à esquerda é a posição da estrela dupla b Centauri.
Imagem produzida pelo instrumento Sphere, do VLT (Very Large Telescope), no Chile, revela o planeta b Centauri b (indicado pela seta); a mancha brilhante à esquerda é a posição da estrela dupla central, com sua luz bloqueada pelo instrumento - ESO/Janson et al.

Até hoje, as buscas por exoplanetas fracassaram em encontrar planetas gigantes gasosos, como Júpiter, ao redor de estrelas de massa muito alta, acima de 3 vezes a solar. Imaginava-se que essas estrelas de grande porte, por emitirem tanta radiação, acabavam dissipando o disco de gás e poeira ao seu redor rápido demais para permitir a formação de mundos com grandes invólucros gasosos, como é o caso de Júpiter e Saturno.

O novo achado, publicado na revista britânica Nature, vem para abalar essa convicção. A equipe liderada por Markus Janson, da Universidade de Estocolmo, usou o instrumento Sphere, do VLT (Telescópio Muito Grande, na sigla em inglês), no Chile, para observar os arredores de b Centauri. Capaz de bloquear a luz dos astros centrais, o instrumento permite observar diretamente possíveis planetas ao redor – algo que de outro modo seria impossível, em razão do brilho potente das estrelas.

Em 2019, o grupo encontrou um astro que parecia ser um exoplaneta. Mas poderia também ser uma estrela de fundo. O único jeito de saber era esperar e realizar nova observação mais adiante, para ver se ele estava gravitacionalmente preso a b Centauri AB (as letras maiúsculas correspondem às duas estrelas centrais) ou se era uma estrela de fundo apenas incidentalmente próxima no campo de visão do telescópio. A nova observação foi feita em 2021 e confirmou a ligação. Era mesmo b Centauri (AB)b (o b minúsculo do fim é o planeta), ou, mais simplesmente, b Centauri b (eu sei, essa nomenclatura, apesar de bem lógica, ao gosto dos cientistas, é de chorar).

O grupo ainda foi escarafunchar dados colhidos em 2000 pelo telescópio de La Silla, no Chile, e o dito cujo já estava lá –mas na época era impossível distingui-lo de ruído na imagem.

Com um arco de movimento razoável de 21 anos para o planeta, foi possível estimar (ainda que de forma meio crua) parâmetros essenciais da órbita. Concluiu-se que aquele mundo gigante circula as duas estrelas-mães a cerca de 560 unidades astronômicas delas (1 UA é a distância Terra-Sol, uns 150 milhões de km). O brilho, contrastado com a idade (deve ser um planeta ainda jovem, com uns 15 milhões de anos), indica que ele deve ter algo como 11 vezes a massa de Júpiter. Pode parecer algo colossal, mas o que os astrônomos mais contam nessa hora é a proporção de massa entre estrela e planeta e, no caso, a diferença por lá (planeta com entre 0,1% e 0,17% da massa da estrela) é similar à taxa Júpiter-Sol. Ou seja, algo bem normalzinho, a julgar pelo que conhecemos.

Ilustração de planeta gigante como Júpiter, representando b Centauri (AB)b, com estrela binária ao fundo.
Concepção artística do planeta b Centauri (AB)b, orbitando uma estrela binária com massa entre 6 e 10 vezes a do Sol - ESO/L. Calçada/Reuters

O que destoa mesmo é esse planeta estar à distância que está. O achado é difícil de conciliar com os modelos mais tradicionais de formação planetária. Seus parâmetros orbitais sugerem uma origem mais ou menos no local onde está, mas um processo de acreção tradicional (que envolveria ir aos poucos juntando pedras e gás a partir do disco protoplanetário da estrela) não funcionaria para aquela distância (além de ser dificultado pela radiação estelar, que rapidamente dissiparia o gás). Isso faz com que os pesquisadores favoreçam um modelo alternativo, em que uma parte do disco sozinha colapsou pela gravidade para formar o planeta, esquema que permite uma formação mais rápida e mais distante. Apesar de ser uma explicação mais natural, ainda não dá para cravar que é o que tenha acontecido.

De toda forma, o resultado pode sugerir que fomos enganados por nossos próprios vieses de observação. Ao não encontrarmos planetas gigantes ao redor de estrelas de alta massa com os métodos mais tradicionais de busca (detecção de trânsitos planetários, em que o planeta passa à frente da estrela e reduz temporariamente seu brilho, ou de variações de velocidade radial, em que a gravidade do planeta produz um sutil e observável bamboleio na estrela), que privilegiam planetas com órbitas mais curtas, saltamos para a conclusão de que eles não existiriam.

A evolução das técnicas de imageamento direto, propiciada por instrumentos como o Sphere (que começou a operar em 2014), traz o viés oposto, tendo muito mais facilidade para descobrir planetas em órbitas longas. Desde então, já começam a pulular planetas gigantes a distâncias de suas estrelas que são bem maiores que as que Júpiter, Saturno, Urano e Netuno guardam do Sol.

No fim das contas, o avanço do estudo dos exoplanetas é um brutal exercício de humildade e a demonstração cabal do princípio copernicano. Não só a Terra é apenas um planeta dentre os oito do Sistema Solar, como a nossa família planetária é apenas mais uma, dentre tantas e tão variadas que existem no Universo. E não há nada nela que a torne particularmente especial. Há sistemas ultracompactos, muito mais espremidos que o nosso, e há outros bastante folgados, como parece ser o de b Centauri, além, é claro, de outros tantos que são similares ao nosso em arquitetura. A riqueza da natureza se exprime em sua encantadora diversidade, paradoxalmente produzida por leis básicas uniformes, aplicáveis em todo o Universo.

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