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Salvador Nogueira

Após ISS, Nasa quer transição para estações espaciais privadas

Agência já investe em parceiros comerciais para o período após 2030

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A Nasa anunciou formalmente planos, já especulados há alguns meses, de manter a Estação Espacial Internacional (ISS) até 2030. É basicamente um esforço para ganhar tempo, enquanto a agência aposta em uma transição da ocupação da órbita terrestre baixa para o setor privado a partir da próxima década.

Maior projeto de cooperação internacional da história, o complexo orbital que reúne EUA, Rússia, Canadá, Japão e países europeus custou cerca de US$ 150 bilhões. O primeiro módulo foi lançado em 1998, e a estação é ocupada de forma ininterrupta (sempre com pelo menos um russo ou americano a bordo) desde 2000.

Mais de duas décadas depois da primeira expedição à ISS, o cenário global é bem diferente. A relação entre EUA e Rússia não é mais o que foi após a queda da União Soviética, e os atritos crescentes já têm afetado, embora não de maneira significativa até o momento, a cooperação espacial entre os dois países.

Correndo por fora, a China só viria a lançar seus primeiros astronautas ao espaço em 2003, e foi no ano passado que o programa espacial chinês iniciou a construção de sua estação espacial própria, a Tiangong, que deve ganhar mais dois módulos neste ano, mas já é tida como operacional e tem mantido ocupação permanente.

Estender as operações da ISS muito além de 2030 é impraticável, também pelo lado diplomático, mas sobretudo pelo técnico. Os módulos são antigos, a tecnologia embarcada é ultrapassada e, por mais que se faça manutenção, chegará o dia em que será impossível manter uma tripulação segura a bordo.

Em vez de apostar em uma ISS 2, a Nasa decidiu gastar seu cacife com os parceiros internacionais no retorno à Lua. O programa Artemis começa a se aproximar do momento em que veremos humanos novamente lançados ao espaço profundo, e japoneses, canadenses e europeus já estão a bordo, na expectativa de ver seus astronautas orbitando o satélite natural, ocupando um pequeno complexo orbital lunar, o Gateway, e até mesmo descendo à superfície.

Contudo, apesar desse espetáculo lunar, é estrategicamente inaceitável para os americanos deixar a ocupação tripulada da órbita terrestre baixa como uma exclusividade chinesa. A solução? Estimular entes privados a construírem suas próprias estações.

Pode parecer pouco crível, mas funcionou para o transporte de carga e astronautas à ISS. Hoje, a Nasa abandonou naves e foguetes próprios e decidiu contratar o serviço diretamente de empresas como a SpaceX, a Boeing e a Orbital. A ideia é estender esse processo ao desenvolvimento de estações inteiras.

E a agência está colocando dinheiro nisso. Contratos de desenvolvimento, no valor de US$ 550 milhões, já foram assinados no fim do ano passado com três empresas parceiras (Blue Origin, Nanoracks e Northrop Grumman), e uma quarta (Axiom) já teve autorização para realizar missões privadas e instalar novos módulos na ISS. Mais tarde, eles poderão ser desacoplados para virar uma estação própria.

Ainda é incerto se o plano vai funcionar, e mais ainda se será possível fazer uma transição suave entre a ISS e esses novos complexos privados, sem que isso implique anos de inatividade em órbita terrestre baixa.

Vale lembrar que projetos da Nasa têm como tradição atrasar, e intervalos operacionais entre eles são comuns. A agência passou entre 1975 e 1981 sem capacidade de enviar astronautas ao espaço, na transição entre o programa Apollo e os ônibus espaciais. Três décadas depois, isso voltou a acontecer, entre 2011 e 2020, na transição entre os ônibus espaciais e as cápsulas privadas.

A recompensa, em caso de sucesso, é grande. Sem prejuízos a seu programa de exploração lunar (a China, a propósito, também tem o dela, que prevê pousos tripulados no satélite natural ao redor de 2030, o que coloca mais pressão sobre os americanos), a agência dos EUA poderia ter múltiplos destinos para seus astronautas em órbita terrestre baixa sem ter de pagar sozinha por sua manutenção. As empresas proprietárias das estações poderiam ter outros clientes, privados, além da Nasa.

É o que já está acontecendo, em certa medida, após o desenvolvimento dos programas comerciais de tripulação. A cápsula Crew Dragon, que a SpaceX desenvolveu originalmente para atender à demanda estatal, agora realiza também missões 100% privadas (como foi o caso da Inspiration4, em 2021, e será o da Axiom-1, em 2022). A Nasa passou a ser apenas mais uma cliente (embora de longe a que mais consome), comprando voos espaciais como até anteontem só comprava passagens aéreas.

Por outro lado, não estranhe se chegarmos a 2031 e a China, seguindo o modelo tradicional de desenvolvimento e financiamento 100% estatal, for o único país com uma estação funcional em órbita baixa. É o contraste entre um modelo novo, e portanto incerto, e outro tradicional (e garantido, embora possivelmente mais caro). Inovação, nesse contexto, é sinônimo de risco.

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