Morte Sem Tabu

Morte Sem Tabu - Camila Appel, Cynthia Araújo e Jéssica Moreira
Camila Appel, Cynthia Araújo e Jéssica Moreira
Descrição de chapéu Mente

Curso de escrita criativa com foco em luto abre inscrições

Encontros acontecem de 26 de abril a 1 de maio virtualmente. Inscreva-se!

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Literatura

São Paulo

Nesta semana, li um artigo sobre o poder da poesia para explicar temas científicos para uma larga audiência. É claro que a poesia não precisa ter uma função para "provar" sua importância, mas é interessante ver o gênero –tantas vezes discriminado– em um lugar de destaque não só para os leitores, mas para toda a sociedade.

Quem conta essa experiência é Sam Illingworth, no site The Conversation, republicado em português no Nexo Jornal. Ele mostra como oficinas colaborativas de poesia ajudaram a derrubar hierarquias entre cientistas e o público leigo, fazendo-o ouvir, compartilhar e se conectar mais facilmente com o público que gostaria. Exemplo disso é uma poesia que, em poucos versos, chegou a mais de 60 mil pessoas e colaborou no alerta sobre os efeitos do uso de elementos tóxicos em salões de beleza.

Incrível, né? Como jornalista e escritora que ouve principalmente mulheres e as populações periféricas, sempre me preocupo com a linguagem. Para quem estamos falando? Qual é a abordagem? Será que conseguimos sair da bolha ou estamos tão habituadas às nossas nomenclaturas que nem nos incomodamos em traduzi-la para um público leigo?

Quando a Vó Laurentina ainda era viva, eu fazia questão de narrar a ela minhas palestras antes de sair de casa. Se me fizesse entender do portão para dentro para uma senhora de 95 anos, que não teve a chance de aprender a ler, mas muito sensível a tantas temáticas, era provável que mais mulheres também pudessem entrar em contato comigo.

Com os temas ligados à morte, sinto que também precisamos ter a mesma preocupação do cientista que utiliza a poesia. É importante lembrar que acolher o outro é, muitas vezes, ajudá-lo a nomear sentimentos e dores bagunçados após um doloroso processo de finitude. Seja a morte de um ente querido, o fim de um relacionamento ou, então, a mudança de trabalho ou de casa.

Para finalizar ciclos, nós também precisamos nos reorganizar internamente. Quase nascer de novo. E isso não é tão simples quanto parece, nem segue uma prescrição milagrosa, com prazo de validade para acabar. E as palavras nos ajudam a dar contorno para a dor, materializada em palavras. Por isso, acredito muito na literatura como um espaço seguro para alguém, leigo ou não no tema, entrar e se aconchegar.

Em março, as minhas palavras de luto e dor encontraram os versos de Mabelly Venson. Mãe, educadora e escritora, Mabelly foi uma das colegas do curso "Poesia de Luto e de Luta", realizado pela Casa das Rosas, em São Paulo.

Em três encontros, trocamos nossas percepções sobre morte, dor e como utilizar a escrita como um meio de ressignificação e nomeação desse processo. Nossos textos estão expostos no jardim da Casa das Rosas e agora Mabelly irá compartilhar não só o que ela aprendeu no curso, mas o que vem aprendendo com a escrita terapêutica a partir de seus processos.

Com duração de sete dias, o Projeto (re)Encontro é um programa online e gratuito em que Mabelly irá desenvolver uma escrita terapêutica e afetuosa. Destinado exclusivamente para mulheres de distintas idades, o objetivo do curso é colaborar para a busca pelo autoconhecimento daquelas que vivenciaram momentos de dor.

"Investigando e buscando seus próprios sentimentos, descobrindo e redescobrindo sua voz, percebendo-se como um ser humano lindo, capaz de lidar com seus sentimentos, relembrando quem foi, quem é e para onde é capaz de ir. Por consequência, o projeto ainda traz a escuta afetuosa, o aperfeiçoamento da sororidade, proporcionando um lugar de afeto e amparo", conta Mabelly, que atua em parceria com o Pé de Palavra, coletivo de mulheres escritoras.

Para se inscrever é simples, basta clicar aqui no link que dá acesso ao grupo virtual via WhatsApp. O primeiro encontro acontece no dia 26 de abril e as atividades acontecem de 27 de abril a 1 de maio também por meio do grupo.

Para entender um pouco mais sobre o curso, confira abaixo entrevista com Mabelly:

Morte Sem Tabu: Como surgiu a ideia de utilizar a literatura para falar sobre luto?

Mabelly Venson: Muitas mulheres enfrentam uma espécie de solidão emocional durante os processos de luto. É importante frisar que luto não é somente a morte física, mas se dá também por qualquer separação ou despedida. Há inclusive o luto pelo desemprego. Eu enfrentei essa solidão por anos. Muitas vezes, temos vergonha de expor nossos sentimentos com receio do julgamento ou de parecermos fracas (já que a força nos é cobrada desde a infância de uma forma equivocada), e, assim, vamos acumulando tudo dentro do próprio peito. A escrita permite colocar esses sentimentos para fora, através da caneta e do papel. Ela permite que o peito desafogue, que as palavras que não conseguimos dizer em voz alta sejam expressadas - por extenso.

Morte Sem Tabu: Qual é a sua relação pessoal com a escrita a partir da morte?

Mabelly: Meu processo com a escrita começou em 2013, escrevendo reflexões simples em minhas redes sociais. Em 2018, precisei lidar com uma perda, uma separação física, que mexeu muito com meu emocional. Nessa época, a escrita se tornou minha forma de desabafar, porém, ainda guardava tudo que escrevia dentro de uma gaveta ou de um arquivo no computador. Em 2019, enfrentei um luto que não pôde ser vivido. Meu pai faleceu, vítima de suicídio. Minha mãe já estava tratando uma metástase que havia se espalhado pelos seus ossos e eu precisava cuidar da saúde e do luto dela. A única forma de desabar era em 10 minutos diários, através das palavras. Muitas vezes tudo o que eu escrevia era uma série de "por que?". No ano seguinte foi a vez de minha mãe se despedir da vida em um processo muito doloroso. Mais uma vez, as palavras me fizeram companhia. Escrevi sobre a dor, sobre o vazio, sobre não encontrar meu lugar, sobre não saber o que sentir. Aliás, as palavras ainda me fazem companhia, diariamente.

Morte Sem Tabu: O que as mulheres irão encontrar no curso?

Mabelly: O sentir é algo muito individual. E a escrita vem desse sentir. Muitas vezes, conseguimos escrever apenas palavras soltas, que refletem sentimentos que estão nos atravessando. Outras vezes vamos conseguir escrever um poema, uma lista, uma carta de conselhos, de desabafos, de despedida. A escrita terapêutica não é regrada. As atividades são sugeridas, mas são os sentimentos que conduzem o encaixe das palavras.

Morte Sem Tabu: Para você, qual é a importância de falar sobre luto e morte em uma sociedade que vê isso ainda como um tabu?

Mabelly: Evitamos falar no luto. Não fomos preparadas para conversar a respeito, tão pouco para ouvir alguém que esteja se afogando nas águas turbulentas e caudalosas da separação física e afetiva. Lidar com o luto faz parte do processo terapêutico. É preciso sentir e parar de camuflar. É preciso, de alguma forma, colocar para fora esses sentimentos, para que eles não nos sufoquem, se transformando em algo ainda maior. É preciso compreender que força não é ignorar os sentimentos, e sim reconhecer que sentimos essa perda. Escrever auxilia nesse processo. Escrever auxilia no processo do Reencontro.

Jéssica Moreira

Jéssica Moreira é escritora e jornalista. Coautora do Blog Morte Sem Tabu e Cofundadora do Nós, mulheres da periferia

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