Morte Sem Tabu

Morte Sem Tabu - Camila Appel, Cynthia Araújo e Jéssica Moreira
Camila Appel, Cynthia Araújo e Jéssica Moreira
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Mente

80 anos de Bambi: um bebê cervo tenta sobreviver ao homem

A morte da mãe de Bambi faz meu coração apertar até hoje

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Em agosto de 1942, o mundo se encantava com as cenas de "Bambi", o quinto longa-metragem de animação da Disney.

No Brasil, o filme também chegou aos cinemas em 1942. Só foi transformado em vídeo na década de 80. Eu lembro de assisti-lo em VHS e chorar uma tarde toda. Tenho na memória uma imagem da mãe de Bambi morta, com um tiro de um caçador.

Aprendi agora, em um artigo da "The Economist", que essa imagem foi inventada pela minha cabeça. O filme não mostra a mãe do Bambi morrendo. Bambi escuta um tiro, corre para dentro da floresta e seu pai, o cervo de chifres exuberantes diz: sua mãe não está mais conosco. E pronto. Aconteceu.

"Rei Leão" já foi um pouco além e mostra Mufasa morto no meio da poeira, pisoteado. Simba, o bebê leão grita pelo pai, enquanto o inimigo, o tio Scar, um leão magrelo e malvado, se esquiva da cena do crime.

Em "Bambi", o vilão não é um animal perverso da floresta. É o homem. Também não é um homem específico, é a espécie humana. O homem que caça, o homem que coloca fogo na floresta, o homem que destrói.

O personagem Bambi, um filhote de cervo, sorri em meio à floresta
O personagem Bambi, um filhote de cervo, em cena do longa-metragem dos estúdios Walt Disney "Bambi 2" - Divulgação

Fui reassistir ao filme.

O cervo de pernas bambas é apaixonante. A trilha sonora, mágica. A floresta é um local sagrado, com cachoeiras que soltam espumas lúdicas, tudo protegido pelos animais simpáticos, de formas arredondadas. Deve ter sido com eles que eu aprendi a palavra fofura.

Eles saltitam, sorriem, fazem palhaçadas dessas de cair de um galho, topar um no outro, e observam os ciclos da natureza. A chuva vem com tudo, nutre e assusta. Bambi se esconde, o bebê inicia suas descobertas do mundo.

Na década de 1940, os pais educavam pela imposição de um conceito rígido de respeito. É o que eu vejo na figura do pai do Bambi, na cena em que ele entra na campina aberta. Bambi engole seco na sua presença. A mãe diz que ele é respeitado, porque de todos os seres da floresta, ninguém viveu tanto quanto ele.

Aí, lá pelo minuto 30, começa o drama. O vilão, o homem, age pela primeira vez. Meus filhos, dessa tal geração Z, não durariam essa meia hora. O majestoso pai vê um bando de pássaros espantados e, imediatamente, prevê caçadores chegando. Corre para avisar seu bando.

A mãe sai gritando Bambi e Bambi sai gritando mamãe, em direções opostas. Escutamos um tiro. Bambi se esconde. Quando tudo se acalma, a mãe retorna e diz ao filho: "o homem (pausa) esteve na floresta". A mãe ainda não morreu. Essa cena anuncia o que está por vir. Vai aumentando nossa expectativa, conduzindo nossa emoção, como os bons filmes fazem.

Chega o outono, as folhas desprendem de galhos, tenho a impressão de que o filme tenta nos mostrar como a natureza é linda, perfeita. Logo aparece o inverno cobrindo tudo com neve. Bambi vai descobrindo suas pegadas na neve. Escorrega no gelo, encontra o amigo coelho.

Quando despontam as primeiras folhas da primavera, a mãe sente perigo no ar. Manda o filho correr, não olhar para trás. Escutamos tiros. Bambi continua correndo. Ele grita mamãe pela floresta, sob flocos de neve e escuridão. No meio do nevoeiro surge o cervo majestoso, de chifres com contornos perfeitos. "Sua mãe já não pode mais ficar com você". E, assim, morre a mãe de Bambi. O tiro é mais forte do que qualquer imagem dela morta. É isso que eu percebo agora. O susto do tiro, do som, criou no meu imaginário infantil, a mais cruel das imagens.

O drama não dura. Logo em seguida, a primavera chega, passarinhos cantam alegremente. Bambi já é um jovem cervo, tem até chifres. Ele revê seus amigos, como o coelho Tambor.

Ufa, enfim o amor. Tambor se apaixona por uma coelha de cílios longos e Bambi reencontra Felini, amiga de infância. O chamego é interrompido por um cervo querendo caso com sua amiga. Eles brigam, raspam chifres, Bambi ganha. No alto da montanha, estufa o peito. Será esse o teste de puberdade do menino da década de 40?

Ele fica com a mocinha, saltitam pela floresta. Até que Bambi vê fumaça no ar. Seu pai aparece e diz "é o homem. Está aqui outra vez. E são muitos agora". As cenas que se seguem são um desastre. Tiros, pássaros mortos. Bambi procura Fellini. Os animais tentam se esconder. O fogo se alastra. Consome a floresta toda.

Os que pulam no rio sobrevivem.

Uma passagem de tempo rápida e vemos a reconstrução da devastação. As flores surgem novamente para receber o filho de Bambi e Felini. "Ele chegou", dizem os animais enquanto correm para ver o novo príncipe nascer. Dessa vez, são dois.

A vida na floresta continua, tentando sobreviver ao homem, a despeito do homem. A vitória de Bambi é uma vitória de resiliência.

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