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Os bastidores do jornalismo nas periferias de SP

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Como falar sobre os 'vencidinhos' sem romantizar a pobreza?

A importância de prestar serviço a audiência sem perder a visão crítica

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Halitane Rocha
Cotia | Agência Mural

Eu sou mãe de gêmeas e periférica, sempre atrás de boas promoções para (tentar) encher a minha geladeira todo mês.

Com R$ 50, eu consigo ir ao "vencidinho" Bem Barato, em Cotia, na Grande São Paulo, e comprar nugget de peixe, lula e hambúrguer vegetal, por exemplo, para complementar minha dieta sem carne durante a Quaresma.

Quando foi inaugurado este mercado próximo da minha casa, em fevereiro deste ano, pensei em fazer uma reportagem, também com o objetivo de compartilhar uma informação que seria útil para o bolso da nossa audiência.

"Vencidinho" é um nome popular entre os próprios clientes, que assim denominam os mercados que vendem apenas produtos próximos da data de validade. O prazo do vencimento pode variar de 2 dias a alguns meses. Quanto mais próximo da data, maior o desconto, que pode chegar a 90% em produtos como o iogurte.

Lucas atua no Mercado Pestana, focado em produtos perto da data de vencimento com promessa de mercadorias mais baratas. (Foto: Zanone Fraissat/Folhapress)

A reportagem ​, publicada na Folha no dia 24 de março, rapidamente se espalhou pelas redes sociais, e começaram a aparecer muitos comentários preconceituosos em relação a este segmento de mercado.

"Amenizando a precariedade alimentar… comida estragada ganhou até apelido carinhoso" e "Gourmetizando a miséria. Não me surpreende."

Quem conhece esses mercados faz propaganda para amigos e familiares, porque sabe que pode ajudar no orçamento do mês. Na internet, parte da audiência também deixou comentários positivos.

"Compro muito desses lugares, faz muito tempo que não compro carne de boi num açougue!" e "Os próximos ao vencimento são sucesso em todas as redes, ao menos pra mim".

Por isso, não foi tão difícil encontrar pessoas que aceitaram dar entrevistas para falar da mudança de hábito nas compras de casa. Eu procurei nas minhas redes e logo apareceu gente topando que queria dar depoimento e outras perguntando endereços para poderem ir nesses lugares.

Difícil foi encontrar um comerciante que topasse falar e desmistificar o significado do termo "vencidinho". Precisei falar com vários mercados até que um aceitasse o convite.

O Lucas Jesus de Souza, dono do mercado Pestana e gerente do mercado Lessa, entende que isso pode ter relação com comentários negativos nas redes sociais.

"Muitas pessoas acham que esses mercados surgiram agora na pandemia, como um oportunismo pra gente ganhar dinheiro, mas não é verdade. O Lessa existe há mais de 20 anos. O meu mercado abriu na pandemia, mas foi um caso à parte".

Mesmo com o olhar preconceituoso de algumas pessoas com relação aos mercados, Lucas prefere focar no lado bom da reportagem: "Pra mim foi bom, ganhamos muitos seguidores. Preço baixo e produto bom o pessoal vai atrás."

Em dois dias foram 350 seguidores e a cada dia, chegam cerca de 10 seguidores novos na página. O Pestana agora prioriza mais a divulgação no Instagram por causa dessa movimentação, do que o WhatsApp, como era feito antes.

Em Vargem Grande Paulista, o mercado O Barato da Vargem compartilhou no grupo deles do WhatsApp a alegria de terem sido citados na reportagem.

Ao compartilhar a informação sobre os "vencidinhos", não quero deixar de lado o debate sobre a fome, quero mostrar que em meio a essa dificuldade, a crise econômica, o desemprego, pode haver uma solução próxima da sua casa para ajudar a não faltar comida na mesa das famílias.

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