Na Corrida

Pé na estrada, mesmo quando não há estrada

Na Corrida - Rodrigo Flores
Rodrigo Flores
Descrição de chapéu atletismo

Canabidiol não é doping: entenda o uso da substância no esporte

Benefícios indiretos atraem atletas para tratamentos; legislação permite uso no Brasil

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Rodrigo Flores
São Paulo (SP)

Era fevereiro de 2020. Dias antes do início da pandemia, a jornalista Roberta Palma precisou ser internada por conta de uma trombose vascular cerebral. Ela superou o episódio, mas ficaram sequelas. Ela desenvolveu dores crônicas na região cervical, o que comprometia o seu desempenho tanto no trabalho quanto na prática de atividades físicas. "Eu até conseguia correr, mas terminava o treino me encolhendo, curvando de dor nas costas e no pescoço", conta.

Daí vieram os antiinflamatórios e os analgésicos. Ela também recorreu a massagens e acupuntura. Em um ano, foram muitos remédios e pouco sucesso. Então ela resolveu dar uma chance a produtos que conheceu em uma de suas reportagens: os canabinóides.

Foram três meses até chegar à dosagem ideal. Hoje ela é uma entusiasta desses fitoderivados. "Diria que 95% da minha dor desapareceu. Durmo melhor, tenho mais disposição e consigo treinar sem dor", conta Roberta.

Essa é apenas uma entre muitas histórias de sucesso no uso medicinal de canabinóides. São tantos casos que resolvi investigar um pouco mais o tema. Longe de ter a pretensão de esgotar o assunto, este post busca responder perguntas básicas sobre uso, segurança e aplicação esportiva. Outros textos sobre o assunto certamente virão. Mas, por ora, vamos ao básico.

Frasco de óleo com conta-gotas sobre folha de maconha
CBD, ou canabidiol, é apenas uma entre centenas de substâncias derivadas da maconha - Divulgação/Unsplash

O que é o canabidiol?

Os canabinóides são substâncias derivadas da cannabis – sim, a planta da maconha. Por intermédio de processos químicos e mecânicos é possível extrair centenas de produtos diferentes, sendo que os mais conhecidos são o CBD (também chamado de canabidiol) e o THC (a responsável pelos efeitos entorpecentes da maconha).

Tanto no Brasil quanto nos EUA, as autoridades médicas e sanitárias reconhecem a efetividade do canabidiol no tratamento de quadros específicos de epilepsia em adultos e crianças com mais de um ano de idade. Porém, animados com relatos promissores e os poucos efeitos colaterais, médicos estão ampliando o uso dessas substâncias e incorporando os canabinóides em tratamentos para ansiedade, distúrbios do sono, dores crônicas, entre outros.

"Meu avô toma canabinóides para aliviar os sintomas do Alzheimer. Meu irmão usa para melhorar o sono. Minha mãe usa para tratamento de depressão, e eu utilizo para acelerar a minha recuperação pós-treino", explica o médico Roberto Beck, que dá palestras sobre o assunto, prescreve canabinóides há seis anos e faz parte do corpo médico da Care Club.

"Estamos arranhando a superfície das potencialidades do canabidiol, mas já temos uma massa crítica suficiente para sermos assertivos sobre as vantagens desse tipo de tratamento".

Se os efeitos positivos são promissores, a baixa rejeição e os raros efeitos colaterais encorajam os médicos a prescrever os canabinóides. "O risco de superdosagem é muito pequeno. Os efeitos colaterais mais comuns são diarréia, boca seca e um pouco de cefaléia no início do tratamento", explica Beck.

Pode ou não pode?

Pela resolução vigente do Conselho Federal de Medicina (CFM), o médico tem autonomia para prescrever qualquer derivado de cannabis para seus pacientes. Ou seja, qualquer médico pode dar uma receita para uso de canabinóides, independentemente da sua especialização.

Esse entendimento chegou a mudar em 14 de outubro, quando o CFM restringiu o uso das substâncias para doenças específicas e proibiu a realização de cursos e palestras sobre o tema. A chiadeira foi grande, e 10 dias depois o CFM teve de voltar atrás. Vale a regra anterior, de 2014, que garante a autonomia do médico.

A produção de canabidiol e demais derivados da maconha ainda é proibida no Brasil. De posse da receita, o paciente terá de importar o produto – o que pode levar algumas semanas, em alguns casos. Isso sem falar no preço, que facilmente chega a algumas centenas de reais.

Há benefícios para os atletas?

O CBD não é considerado doping pela Wada (Agência Mundial Antidoping). Ou seja, ele não melhora a performance de atletas nas competições. Ninguém vai pular mais alto, ou correr mais rápido só porque fez uso de canabidiol. Mesmo assim, é crescente o uso dessas substâncias entre esportistas. A explicação é a busca pelo benefício indireto do produto. "O atleta dorme melhor, reduz seu nível de estresse e diminui o período necessário para recuperação entre treinos. Tudo isso faz diferença para quem busca melhorar suas marcas", explica Beck.

O uso de CDB entre atletas virou notícia quando a jogadora de basquete norte-americana Brittney Griner foi presa na Rússia. Mesmo sendo uma substância autorizada pela Wada, ela foi acusada de tráfico de drogas. Sua liberdade foi negociada pelo governo dos EUA e ela foi solta no início de dezembro.

Importante registrar que a liberação da Wada vale exclusivamente para o canabidiol. O THC e outros canabinóides ainda são proibidos pela agência, embora haja a esperança entre os atletas que esse veto caia em breve.

Não tem receita pronta

Diferentemente dos remédios alopáticos, os canabinóides não possuem dosagem fixa. Para cada pessoa, em cada caso específico, há uma abordagem individualizada, que pode incluir a associação de um ou mais canabinóides.

Nesse processo, médico e paciente avaliam os resultados obtidos com as primeiras doses e discutem a necessidade de aumentar, diminuir ou alterar a fórmula. Esse ajuste dura três ou quatro semanas, em média.

Perguntas sem resposta

O que acontece com as pessoas que fazem uso diário do CBD por anos ou décadas? O CBD pode ser ‘gatilho’ para o surgimento de outras doenças? Os impactos do CBD são os mesmos dependendo da forma como ele é consumido (uso oral, tópico, etc)? Ele afeta o desenvolvimento de fetos? Crianças que fazem uso do CBD têm seu crescimento cerebral prejudicado?

Essas são algumas das perguntas que o Food and Drug Administration (FDA, órgão responsável pelo controle de medicamentos nos EUA) considera não terem sido satisfatoriamente respondidas com os estudos científicos disponíveis até agora. Que fique claro: nada sugere que o CDB provoque qualquer um dos problemas acima. O que o FDA faz é trabalhar com a lógica inversa e exigir que se prove que o canabidiol não traz malefícios ou efeitos colaterais.

A venda de medicamentos derivados da cannabis é liberada em quase todos os Estados Unidos, embora boa parte dos Estados exija uma prescrição médica específica para que o cidadão tenha acesso aos medicamentos.

Embora os canabinóides sejam usados em um número crescente de tratamentos, o FDA só aprovou e recomenda um produto para o tratamento de episódios de epilepsia relacionados à Síndrome de Lennox-Gastaut, à Síndrome de Dravet ou ao Complexo de Esclerose Tuberosa (TSC). Para todo o resto, ela ainda não atesta a efetividade do uso da substância.

Em resumo: os canabinóides são promissores e já apresentam resultados positivos comprovados em milhares de pessoas. Entretanto, faltam estudos que levem as autoridades de controle de Brasil e EUA a reconhecer de forma mais ampla a efetividade medicinal dessas substâncias. Por se tratar de uma indústria multibilionária, a expectativa é que essas dúvidas sejam esclarecidas nos próximos anos. Até lá, cabe ao médico e ao paciente decidirem sobre o uso ou não de canabinóides.

E você? Faz ou pretende fazer uso de canabinóides? Conte nos comentários ou escreva para blognacorrida@gmail.com. Se preferir, pode me mandar mensagem pelo Instagram @rodrigofloresnacorrida.

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