Normalitas

Espanholices, maravilhas do ordinário, brotos de brócolis

Normalitas - Susana Bragatto
Susana Bragatto
Descrição de chapéu Rússia

Um coração nos separa da Ucrânia

Um match de Tinder de anos atrás me trouxe esse micro-relance de uma história de guerra

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A microhistória pessoal de guerra que vou contar chegou a mim graças a um match de Tinder de alguns anos atrás.

Naquele entonces, eu tava a fim de me divertir, ou despejarme, como se diz aqui na España, depois de 6 longuíssimos e durangos meses de quimioterapia por conta de um câncer de mama (que por sinal eu batizei de Mariah, porque o bixo era arretado como os gritinho da M Carey*).

É, eu me meti no Tinder durante a quimio, em franco despudorado unapologetic mode sexy alien, como costumo dizer. Foi interessantíssimo, e um aprendizado. Mas isso é causo pra outro dia.

;;;;

Quando eu conheci o Tony (yes, nomes mudados), ele tava vindo de Los Angeles pra Barcelona como integrante do entourage de uma banda neozelandesa que eu adoru.

Não rolou nada entre a gente além de uma bôua camaradági e uma muy bem-vinda entrada VIP pro show do Unknown Mortal Orchestra num grande festival local. Xapei, trocamos contato, nunca mais vi.

(banda bôua pa poha, sô)

Passa boi, passa boiada, e eis que o Tony ressurge esta semana na timeline do meu fofobuqui, que eu vejo de vez em nunca. Como muitos, de repente não mais über falando sobre Covid, mas sobre a Ucrânia.

Em seu caso, porém, de um ponto de vista pessoal.

Até poucos dias atrás, Olena, sua namorada ucraniana, se encontrava sitiada em Kharkiv, a segunda maior cidade do país, com a mãe. As duas, como outros, ilhadas na garagem do prédio onde vivem, transformada às pressas em bunker antibombas.

Kharkiv, a aproximadamente 500 km da capital Kiev, sofreu um ataque por terra e ar na última terça (01). Bombas foram lançadas no centro da cidade, na praça da Liberdade, atingindo edifícios governamentais e culturais ao redor e matando mais de uma dezena de pessoas. As mortes vieram a se somar a outras 16 de dias anteriores em outros bombardeios.

Olena conseguiu enviar o filho adolescente para a fronteira com seu pai. A ideia, como a de muitos: tentar entrar na Polônia. Ainda não rolou –a fila é gigantesca, e o menino aparentemente terá que se virar sozinho, porque o pai foi recrutado para lutar na guerra.

Depois de uma semana ilhadas, mãe e filha conseguiram escapar para uma cidade vizinha, onde esperam para ver como-quando-pra-onde sair. O que fazer. O que vai acontecer.

Так, tudo é incerto nesse cenário absurdo, a não ser por um pequeno alento: pela primeira vez em muitos dias, diz Tony em um post com 8147058 likes e comentários solidários, elas vão poder dormir sem o pavor de um ataque mortífero iminente.

Por enquanto.

***

Enquanto isso, o nome de Zhenya Mykhailenko, um chef de cozinha e dono de uma pequena rede de restaurantes em Kiev, chegou também aos meus ouvidos por amigos em comum.

Com os primeiros ataques, ele começou a usar os suprimentos em suas cozinhas para preparar refeições para as tropas ucranianas, hospitais e pessoas em abrigos e ruas. Além do mais, dois de seus restaurantes estão sendo utilizados como abrigos antibombas.

A iniciativa virou um mutirão-crowdfunding. Dá pra ajudar aqui.

***

O título desse artigo tá errado. Agora penso. Um coração une. Une, gente.



* mulheres (y hombres, que são 1% dos casos): façam seus exames!!!!! Examinem peitos, corações, a barriga que ronca e espera, o medo do anteontem e do que nunca chegará. Examinemos os córregos, pontes, abismos que nos separam, que calam a boca antes do Adeus-e-Obrigada. De repente, entre tantas, uma guerra mais brota: ataque alienígena, e no entanto – Se o absurdo habita a esquina, dancemos: humanos, ser humanos! Humanidade dentro de casa, no busão, na jornada laboral; no amor de uma noite, de mil, nos comentários deste jornal. Eu quero ver a gente dedicar lágrimas pelo próximo que não tá na tevê também. Que a guerra mais funda começa dentro do peito e termina além das vistas. E o amô… também.

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