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Espanholices, maravilhas do ordinário, brotos de brócolis

Normalitas - Susana Bragatto
Susana Bragatto
Descrição de chapéu União Europeia

Adeus, máscaras

Espanha se prepara para a era pós-'tapabocas'

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Meu nariz já tinha até mudado de forma.

Depois de um longo relacionamento de quase dois anos, a máscara deixará nosso dia a dia na Espanha.

O anúncio foi feito esta semana pela ministra da Saúde, Carolina Darias. A medida começará a valer depois da Semana Santa.

A partir do dia 20 de abril, em todo país, será abolido o uso da máscara em espaços fechados. Isso inclui escolas, centros comerciais e espaços públicos.

A exceção, por ora, serão o transporte público e contextos em que haja pessoas vulneráveis, principalmente hospitais, centros clínicos e asilos —nesses lugares, o "tapabocas" seguirá sendo obrigatório.

No ambiente laboral, a decisão de manter ou não a obrigatoriedade da máscara entre os funcionários dependerá do comitê de gestão de riscos de cada empresa.

Será um momento apoteótico. Livrar-se do nosso Acessório Mor desde 21 de maio de 2020. Antecipo festinhas e aglomerações na praça do Sol ao redor da estátua de bronze do urso, em Madri, com gente sacudindo as máscaras no ar pra câmera da tevê filmar. Etc.

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'Gripalizando' a Covid

Nem todas as comunidades autônomas estão muy satisfeitas com a medida. O governador da Andaluzia, Juanma Moreno, ponderou que seria melhor postergar a medida por alguns meses, devido às muitas festas que se avizinham no sul —além da Semana Santa, vem aí a famosa feira de abril de Sevilha, além de diversas romarias.

Mas o fim da máscara, que será votado pelo Conselho de Ministros no dia 19 com clima de já-ganhou, é a cereza de um caminho sem volta —ou así parece.

Desde que o governo espanhol anunciou em janeiro o plano de tratar a Covid-19 como uma "endemia" após o fim da sexta onda de contágios (aka, como disse o premiê espanhol Pedro Sánchez, "gripalizando" a dita), outras medidas já vêm nos preparando para a tal Nova Sei Lá Como Vai Ser Exatamente Mas Enfim Vamaê Normalidade.

Por exemplo, desde o início do ano, as crianças estão liberadas da máscara na hora do recreio.

Além do mais, há três semanas, o diagnóstico de Covid já não é garantia de licença médica: no caso de pacientes assintomáticos, a recomendação é botar a máscara e ir trabalhar, sem necessidade de quarentena. Apenas os pacientes sintomáticos mais graves, além de positivos por Covid que "trabalhem em entornos vulneráveis", como médicos e enfermeiros, terão direito à licença.

Europa: oito países já aboliram a máscara

A nova estratégia espanhola pós-sexta-onda é gradualmente substituir a obrigatoriedade por recomendações gerais, apostando na autorregulação da população, uma tendência já seguida por outros países vizinhos.

Até agora, oito países europeus aboliram o uso da máscara, inclusive a França, onde ela deixa de ser obrigatória a partir da próxima segunda-feira (11). De todos estes, a Espanha é o país com a menor incidência acumulada de casos.

Montagem mostra menino correndo pela praia com uma máscara cirúrgica gigante como pipa
Ilustração para o blog Normalitas, de Susana Bragatto - Aniol Yauci

A principal preocupação nessa nova fase é a proteção da população de risco. Técnicos do governo espanhol orientam que, por tempo indeterminado, imunossuprimidos, mulheres grávidas e maiores de 60 anos sigam utilizando a máscara "em qualquer situação em que haja contato prolongado com pessoas a menos de 1,5 metro e, no trabalho, quando não seja possível manter essa separação e não exista uma ventilação adequada".

A presidenta da Plataforma de Organizações de Pacientes (POP) espanhola, Carina Escobar, declarou à Europa Press que compreende o timing do fim da máscara, mas sente falta de "mais medidas restritivas" para amparar a população vulnerável nesta nova etapa. Pediu mais vacinas e amplo acesso a testes para diagnósticos precoces.

A Espanha atualmente conta com 92,5% da população maior de 12 anos completamente vacinada. "Com a sexta onda [cujo ápice foi janeiro, pós-festas], tivemos um crescimento exponencial de casos, mas isso não se traduziu em um impacto nas hospitalizações", disse Darias. "A melhor arma contra o vírus foram as vacinas".

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Come on, come on, yeah yeah, ou: EPÍLOGUS para Novus Prólogus

Nas ruas de Barcelona, muita gente ainda opta por levar máscara, mas começo a voltar a ver mais rostos. Rostos completos, quero dizer. Esquisito paca. Nariz, essa protuberância de carne com dois buracos. Boca, essa coisa cheia de dentes. O hálito, o queixo caído, a respiração pesada dos que sobem e descem escadas, chamam o táxi, pedem a conta. Gente do céu. As espinhas, os poros, minhas rugas, aquela pinta peluda.

Mas também os sorrisos, as vozes não mais veladas, as expressões completas d'antanho, com o ineludível ser e o não-ser De.Cada.Um.

Mesmo sem ainda voltar a ver, vejo mais. Como explicar.

Outro dia, no supermercado vazio das primeiras horas, o alto-falante emitia uma música da Christina Aguilera. Hit lançado justo antes da virada do milênio, olha quantas eras geológicas já se passaram, e a gente ainda aqui, comprando pão às nove da manhã e escutando a voz sexy pedindo Come on, come on, uuuh, yeaaah.

A moça do caixa, uma loira-cinza de olhos cansados e errantes, entoou o refrão como se estivesse passando latas de tomate, I'm a genie in a bottle, baby / Gotta rub me the right way honee-e-ee-e

eeee

eeee

yyyy

E tão rotundamente afinada era a dita que [creio, imagino, fantasio] eu e o homem à minha frente na fila nos entreolhamos. Um brilho y risquinhos-de-gato de sorriso chisparam em seus olhos. Nos dos três, seis olhos. Pensei: que bunito esse encontro casual. Imagina quando os sorrisos puderem voar para além dos Tecidos-Não-Tecidos (TNT) de uso médico-hospitalar. Guenta corazón.

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