Como o povo implica, meo deos.
Um dia é a barriguinha da Paolla Oliveira; noutro, os pelos nas pernas da Galisteu.
Taquepariu, viu.
Se a Adriane é peluda desfilando pela Sapucaí no Carnaval, eu sou o Tarzan.
E mesmo que fosse ela o King Kong.
Se a Paolla tá grávida ou (trigger warning) "gorda" porque o ventre variou 0,0005 mm em algum ensaio sensuelz, eu sou um caramujo com antenas parabólicas e pontiñas de pelúcia.
E mesmo que a barriga dela terminasse a 5 mil quilômetros daqui.
"Amores", retrucou a primeira nas redes, bem à vontz em seus mediáticos 49 anos, "é aquela frase bem conhecida: meu corpo, minhas regras".
O policiamento moral pra cima das mulheres é ancestral, anedótico, monstruoso, abusivo, cansativo.
Nesse sentido, a nova licença menstrual aprovada pela Espanha no último dia 16 de fevereiro após um ano de intenso debate pode ser considerada um marco histórico.
É a primeira do gênero no mundo ocidental -- um logro e, ao mesmo tempo, um sinal de que há muito por mudar. Ou não?
***
A maioria dos países onde hoje em dia existe algum tipo de licença menstrual está na Ásia.
Não necessariamente se trata de um sinal de mudernidade cultural. No Japão, onde a licença menstrual existe desde 1947, ainda hoje o tema é tabu, e as tentativas de 'normalizá-lo', por exemplo, em ambientes laborais nem sempre são bem-sucedidas.
Vide o que rolou em 2019, quando uma grande loja de departamento em Osaka criou polêmica com uma espécie de "crachá menstrual" voluntário para as funcionárias.
A intenção era aparentemente boa, isto é, sinalizar à equipe alguns cuidados extras para as colegas menstruadas -- por exemplo, mais tempo pra ir ao banheiro durante o expediente, o que, no Japão, é um temaço.
Vozes se levantaram contra o que consideraram uma discriminação e exposição desconfortável, e o tal crachá -- que exibia um embaraçoso desenhozim à la nihon fofis intitulado "Senhorita Menstruação" -- foi eliminado.
Na Espanha, a nova licença, parte de um pacote de reformas que inclui a lei do aborto e a nova lei trans, não foi aprovada sem disputa: passou por pouco, com 185 votos a favor e 154 contra.
"É um dia histórico", festejou Irene Montero, ministra da Igualdade.
Quem celebra compara a importância da nova medida à da licença-maternidade: um direito biológico.
Os que se opõem -- entre eles, certos sindicatos -- argumentam que esse novo recurso pode virar fonte de discriminação, levando a menos contratação de mulheres, por exemplo.
Vozes importantes vêm se levantando contra medidas do tipo há anos.
É o caso da premiada jornalista indiana Barkha Dutt. Em 2017, em um contundente editorial para o Washington Post, ela opinou que licença menstrual é um conceito "paternalista" que agrava a "guetificação das mulheres" e reafirma "um determinismo biológico [...] que mulheres da minha geração passaram anos combatendo".
A vice-secretária espanhola da União Geral dos Trabalhadores, uma das forças sindicais mais importantes do país, declarou ao El País: "estamos nos equivocando".
"O que devemos enfocar é que o sistema de saúde do nosso país tenha perspectiva de gênero, e que as dores menstruais, se resultam incapacitantes, sejam avaliadas da mesma forma que outro tipo de circunstâncias e enfermidades, sem necessidade de distinção de gêneros".
Por outro lado, a representante do CCOO, "concorrente" principal da UGT, opina que o objetivo de medidas como a licença menstrual é de "lutar contra atitudes machistas", o que não é incompatível com a criação de "direitos que as protejam".
O debate segue. Seja como for, creio que está claro que já basta de frases depreciativas e calaboca gender-biased como "tá naqueles dias?". Ou de ter que engolir um sofrimento real pra não perder o trabalho, o respeito, os direitos.
Precisamos de uma licença especial para isto? Seria interessante que não -- mas será possível? Quando penso que ainda existe discriminação de gênero até na área de saúde, eu me questiono.
A dismenorreia -- nome técnico para as dores pélvicas que acompanham o ciclo menstrual -- é uma realidade de muitas.
Quando xovem, eu tinha cólicas tão fortes que, certa vez, fui parar no hospital.
Antes, foram horas lutando pra não deixar transparecer a dor lancinante, de cabeça erguida, a caneta na mão trêmula. Alguém soltou que eu tava exagerando, que "faltava pouco" pra hora do almoço. Foi quase a última coisa de que me lembro. De amarela fiquei branca e desmaiei.
Amigas sofrem com endometriose e suas menstruações são como partos supliciosos que duram dias. Não há derivado de morfina pra dar jeito.
Pior que a dor, porém, é que ainda persista desamparo no âmbito da assistência sanitária. Não poucas mulheres com endometriose demoram anos pra obter um diagnóstico definitivo e têm sintomas minimizados por médicos.
Infelizmente, partidos espanhóis conservadores como o PP (Partido Popular), que se opuseram veementemente à nova lei, não deixam de ter algum ponto de razão: é de se esperar que virão ataques discriminatórios.
Mas aí está o pulo do gato: o problema principal, mais do que esta ou aquela medida protetora, é o espírito discriminatório que persiste no ambiente trabalhista e social, onde as oportunidades ainda são amplamente desequilibradas por gênero, cores, pães, opiniães.
No mesmo pacote da licença menstrual, também foi aprovada no último dia 16 a reforma da lei do aborto espanhola (parte da qual o PP tentou, sem sucesso, reverter com um recurso de inconstitucionalidade). Uma das novidades principais: a garantia de assistência ao aborto (com muitos poréns e entretantos) em hospitais públicos. Já escuto a multidão e as pedrinhas na mão...
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