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O Mundo É uma Bola - Luís Curro
Luís Curro

Futebol e barbárie

Árbitro morre em El Salvador depois de ser espancado por jogadores e torcedores durante uma partida

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O árbitro é uma figura historicamente malquista no futebol.

Ele é desprezado, ele é xingado, ele é alvo constante dos apupos dos torcedores e de reclamações, muitas veementes, dos jogadores nas partidas por ele conduzidas.

Em El Salvador, esse ódio à figura que antigamente vestia sempre uniforme preto, que lhe dava um ar de respeito e de distinção nos jogos, e que há algumas décadas veste vermelho, ou amarelo, ou azul, entre outras cores, chegou ao ápice.

Um ápice triste, um ápice incompreensível, um ápice inaceitável, um ápice de barbárie.

O árbitro Jose Arnoldo Amaya, de 63 anos, que pertencia ao quadro da Associação Nacional de Árbitros de El Salvador e apitava em ligas amadoras no país da América Central, morreu depois de ser espancado em um jogo no estádio Toluca, no bairro Miramonte, na capital San Salvador.

Ele começou a ser agredido depois de expulsar um jogador que havia discordado de uma marcação. O excluído reagiu com mais que palavras, sendo seguido por colegas de equipe e por torcedores da agremiação.

Cartão vermelho exibido por árbitro em Inglaterra x Hungria, na Liga das Nações
O cartão vermelho exibido por um árbitro em partida de futebol amador em El Salvador provocou reação violenta de jogadores e torcedores - Paul Childs - 14.jun.2022/Reuters

Os golpes desferidos foram tão fortes que o árbitro desfaleceu no local. Levado ao hospital, constatou-se que ele tinha hemorragia interna, e os médicos não conseguiram salvá-lo.

Imagino o medo que têm os árbitros que apitam partidas de futebol.

Não as de grandes competições, nas quais o esquema de segurança é profissional e é altamente improvável jogadores e torcedores agredirem os integrantes da arbitragem.

Refiro-me nos apitadores dos jogos de bairro, dos embates amadores, das disputas na várzea.

Dois jogadores, os quais somente as pernas aparecem na imagem, participam de jogo de futebol de várzea em São Paulo
Jogo de futebol de várzea na zona leste de São Paulo - Adriano Vizoni - 27.mar.2016/Folhapress

Cito uma história já antiga, mas que pode ajudar a ilustrar o contexto deste texto.

Quando adolescente, no final dos anos 1990, joguei por um clube de São Paulo em torneio contra outros da capital e da Grande São Paulo.

A competição, em turno e returno, era uma espécie de campeonato metropolitano, com participação de Pinheiros, São Paulo, Ipê, Paulistano e Alphaville, entre os que me lembro.

Éramos garotos de 15, 16 anos, alguns bem educados, outros nem tanto, e lembro de pelo menos um par de jogos em que a coisa ficou ruim para o árbitro, com os jogadores e familiares dos mesmos, sempre do time da casa, ameaçando o "homem de preto".

Uma dessas vezes o "juizão" teve de sair correndo, depois do apito final, em disparada, no melhor estilo Ben Johnson, ou Carl Lewis, os mais conhecidos velocistas da época.

Não para o vestiário, mas para fora do recinto da partida, direto para o seu meio de transporte. Se não fizesse isso, iria apanhar.

Fico pensando como é nos campeonatos na periferia, onde a brutalidade sobe a níveis estratosféricos. Tem que ter muita coragem, até uma dose de loucura, para ser árbitro de jogos de times de bairro nos quais a rivalidade é imensa.

Ah, mas hoje em dia é seguro, estamos mais civilizados... Na teoria, sim. Na prática... o risco existe.

O acontecimento em El Salvador está aí para comprovar que não é um absurdo o que escrevo. Um caso isolado? Tomara. Porém quem assegura que terá sido?

Em comunicado depois do falecimento de Amaya, a Federação Salvadorenha de Futebol lamentou e condenou o ocorrido.

Diz o texto, ao informar que Amaya tinha 20 anos de experiência na arbitragem, que "repudiamos todos os atos de violência que estão ocorrendo em diferentes cenários esportivos no país".

Não houve informação acerca dos atos de violência no país mencionados na mensagem, que classificou os agressores que vieram da torcida de "pseudo-torcedores".

Os nomes dos times da partida em que Amaya atuava, e que foi sua última, bem como os dos jogadores que o espancaram, não foram divulgados.

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