O Mundo É uma Bola

O Mundo É uma Bola - Luís Curro
Luís Curro

Partida da Morte, controverso registro da 2ª Guerra, completa 80 anos

Na União Soviética ocupada, um time local recusou-se a perder dos alemães; depois, teve jogadores assassinados

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Há exatos 80 anos, no dia 9 de agosto de 1942, aconteceu um jogo de futebol que se celebrizou como "Death Match" (Partida da Morte).

Ele foi realizado no estádio Zenit, em Kiev, atual capital da Ucrânia, antes cidade da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), ocupadas pelo Exército da Alemanha de Adolf Hitler na Segunda Guerra Mundial.

Essa partida opôs jogadores-prisioneiros do time batizado de FC Start, que antes defendiam duas das melhores equipes locais, o Dínamo e o Lokomotiv, aos soldados alemães do Flakelf.

Três dias antes, os dois combinados tinham se enfrentado, com vitória dos soviéticos pelo humilhante placar de 5 a 1.

Aos alemães restou propor –na realidade, impor– uma revanche, a fim de conseguir a forra diante de um povo que eles consideravam, segundo os preceitos nazistas, inferior.

Quadro exposto no Museu Nacional da História da Ucrânia na Segunda Guerra Mundial, em Kiev, mostra anúncio da partida de 9 de agosto de 1942 entre equipe soviética e uma de soldados alemães
Quadro exposto no Museu Nacional da História da Ucrânia na Segunda Guerra Mundial, em Kiev, mostra anúncio da partida de 9 de agosto de 1942 entre equipe soviética e uma de soldados alemães - Joseph Sywenkyj/The New York Times

O clima para esse jogo mostrava-se pesadíssimo. Houve a presença em peso de tropas dos invasores e cobrança de ingressos, sendo o número de espectadores em torno de 2.000.

Um bom entendedor captaria rapidamente a mensagem ("percam ou sofram as consequências", eufemismo para "percam ou morram"), porém os futebolistas soviéticos, vestidos de vermelho (cor relacionada ao comunismo), decidiram que não entregariam os pontos.

O árbitro do "amistoso", um oficial alemão, permitiu jogadas bastante truculentas, até mesmo violentas, do Flakelf, com o goleiro do Start, Trusevich, sendo atingido na cabeça.

Nesse cenário extremamente áspero, a maior habilidade e técnica dos soviéticos, contudo, foi suficiente para que eles abrissem vantagem de 3 a 1 no primeiro tempo.

E, mesmo tendo recebido a visita intimidante de um militar do Eixo no intervalo do jogo (então 3 a 1 para os soviéticos), o Start manteve-se firme no seu intuito de ganhar a partida. Saíram mais dois gols para cada lado, e o Start de fato ganhou, por 5 a 3.

De imediato, logo depois do jogo, nada aconteceu, e os jogadores da equipe continuaram a trabalhar onde já atuavam como prisioneiros, em uma padaria.

Porém, passados nove dias, pelo menos oito membros do Start foram presos e posteriormente levados a um campo de concentração, sob acusação de fazerem parte de rede de espionagem da URSS, com o intuito de obter informações que expusessem as forças alemãs.

Quatro deles, Trusevich, Korotkikh, Kuzmenko e Klimenko, morreram sob tortura ou vítimas de execução.

Monumento em Kiev, na Ucrânia, homenageia o Start, equipe que fez história ao derrotar time formado por soldados alemães no dia 9 de agosto de 1942, durante a Segunda Guerra Mundial
Monumento em Kiev (Ucrânia) homenageia o FC Start, equipe que derrotou time formado por militares alemães no dia 9 de agosto de 1942, durante a Segunda Guerra Mundial, em jogo conhecido como 'Death Match' - Joseph Sywenkyj - 16.jun.2012/The New York Times

Essa é a versão propagada ao longo do tempo pelo regime soviético. Há, contudo, alguns relatos que apontam controvérsias na famosa partida.

Texto publicado no site War History Online afirma que um dos integrantes do Start, Honcharenko, foi instruído pelas autoridades da URSS a dizer que a Gestapo (polícia alemã) ameaçou os jogadores de morte caso não perdessem o jogo, e que esse fato não teria ocorrido.

O mesmo artigo afirma que, em 1992, depois da implosão do Estado soviético, testemunhas da partida declararam que não existiu presença maciça de soldados alemães no estádio e que o uniforme vermelho foi dado aos atletas do Start pelos do Flakelf, ou seja, não havia ação premeditada de subversão.

Outras veiculações feitas pela mídia ucraniana independente puseram em dúvida pontos antes considerados certos: 1) o árbitro não teria sido um oficial alemão e 2) o jogo teria transcorrido sem violência e sem claro favorecimento do juiz.

O que é certo é que jogadores do Start tiveram suas vidas ceifadas no período posterior à Partida da Morte, assassinados pelos alemães.

Se o motivo dessas mortes tem ou não relação direta com o resultado do jogo de futebol, que causou desconforto e inconformismo nos perdedores, ficará a cargo da conclusão de cada um, conforme a interpretação das narrativas.

A suspeita existe, sempre existirá, de que as ações homicidas foram motivadas por vingança.

Só que passadas oito décadas, com os personagens diretamente envolvidos falecidos, a confirmação inexistirá.

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