O Mundo É uma Bola

O Mundo É uma Bola - Luís Curro
Luís Curro

Por que Zé da Galera, personagem de Jô Soares, pedia ponta na seleção?

O Brasil, que tivera Garrincha e Jairzinho, parecia capenga no começo dos anos 1980 sem um atacante na extrema direita

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Primeiro, "Bota ponta, Telê!!!". Depois, "Bota ponta, Parreira!!!"

Inesquecíveis as frases faladas e gritadas por Jô Soares, morto nesta sexta-feira (5) aos 84 anos, em quadro do humorístico "Viva o Gordo", da TV Globo, no começo dos anos 1980.

Eu ria muito com os personagens interpretados por Jô.

A segunda à noite, após a novela das oito, era esperada por mim, então um menino que adorava também o humorístico dominical "Os Trapalhões", com o quarteto Didi (Renato Aragão), Dedé (Santana), Mussum e Zacarias.

O meu quadro preferido no "Viva o Gordo", lógico, pois tinha futebol como foco, era esse, o do Zé da Galera.

Resumidamente, o fanático torcedor ficava em um orelhão, "conversando" em tom rabugento com o treinador da seleção brasileira, primeiro Telê Santana (1980-1982), depois Carlos Alberto Parreira (1983), enfatizando a todo momento a necessidade de escalar na equipe um ponta.

Depois da notícia do falecimento de Jô, o jornalista Carlos Alberto Sardenberg comentava a respeito do Zé da Galera na rádio CBN, dizendo que a seleção, à época, "tinha Sócrates, Zico, Falcão, Cerezo", todos excelentes, mas "não tinha pontas".

Contudo não era assim. O Brasil tinha ponta esquerda. Com Telê, jogaram por ali Zé Sérgio e depois Éder, que foi o titular na Copa de 1982, na Espanha.

Zé da Galera, torcedor fanático da seleção brasileira que ligava de um orelhão para o técnico para dar pitaco na escalação do time: "Bota ponta, Telê!"
Zé da Galera (Jô Soares), torcedor fanático que ligava para o técnico da seleção brasileira para dar pitaco na escalação: "Bota ponta, Telê!!!" - Reprodução

O que o Zé da Galera queria era um ponta direita, pois, sem ele, o time parecia capenga e menos ousado.

Clamava por alguém que infernizasse as defesas, buscasse a linha de fundo, possivelmente com saudades de Mané Garrincha, o melhor ponta de todos os tempos, bicampeão mundial (Suécia-1958 e Chile-1962), e de Jairzinho, campeão no México-1970.

Telê, até pouco antes da Copa-82, depois de testar Tarciso, Tita e bem pouco Robertinho, escalava com a camisa 7, que era usualmente a do ponta direita, Paulo Isidoro, que até ocupava em campo eventualmente a posição, mas que de ponta direita não tinha quase nada.

O treinador achava que não precisava de um ponta ali, e talvez ele não fosse mesmo necessário, já que o lateral direito Leandro era superofensivo e vivia aparecendo no ataque.

Sucessor de Telê, no início de seu trabalho Parreira deu continuidade à não escalação de um ponta direita de ofício, usando Paulo Isidoro, Carlos Alberto Borges ou Jorginho. Daí a insistência de Zé da Galera com o seu "Bota ponta!!!".

Até que surgiu para o futebol um dos melhores que eu vi atuar na ponta direita: Renato Portaluppi, o Renato Gaúcho, campeão da Libertadores e mundial com o Grêmio em 1983.

Renato fazia estripulias, driblava para um lado, driblava para o outro, ia à linha de fundo para fazer bons cruzamentos, finalizava com as duas pernas. Um espetáculo.

Parreira rendeu-se, convocou-o, e Telê, que voltaria ao cargo em 1985, o manteve na equipe.

Com a titularidade de Renato, Zé da Galera aparentemente se satisfez e acabou sumindo do humorístico –se continuou, eu não tenho essa memória.

Renato Gaúcho vibra em partida do Grêmio em 1983; atrás dele, goleiro caído no gramado
Renato Gaúcho vibra em partida do Grêmio em 1983 - Grêmio/Divulgação

Infelizmente, tanto para o Zé da Galera como para os fãs de ponteiros ofensivos, Renato Gaúcho foi cortado antes da Copa de 1986, no México, por indisciplina.

O Brasil jogou esse Mundial sem um ponta autêntico, com dois atacantes (Müller e Careca), e isso, a formação com dois avantes e ponteiros ausentes, repetiu-se nos Mundiais de 1990 (Müller e Careca), 1994 (Bebeto e Romário), 1998 (Bebeto e Ronaldo), 2006 (Adriano e Ronaldo) e 2010 (Luis Fabiano e Robinho).

Na campanha do penta, em 2002, com o Brasil em uma formação 3-4-2-1, havia só um atacante, Ronaldo, e nada de pontas.

Os atacantes mais ativos pelas extremidades do campo só reapareceram na seleção na Copa de 2014, a da derrota para a Alemanha por 7 a 1, quando o ataque tinha Fred centralizado e Neymar (depois Bernard) na esquerda e Hulk na direita.

No Mundial mais recente, o de 2018 na Rússia, o Brasil voltou a usar três atacantes, dois deles com atuação clara pelas pontas, Willian na direita e Neymar na esquerda –o centroavante foi Gabriel Jesus.

Para a Copa do Qatar, neste ano, não está muito claro para mim como o time será montado do meio para a frente.

Neymar já abandonou faz um tempo a ponta esquerda, atua centralizado, e Gabriel Jesus e Richarlison até jogam pelos lados, mas sem convencer como pontas.

Porém, se Tite escalar Raphinha na direita e Vinicius Jr. na esquerda, ambos velozes, incisivos, dribladores e com gosto por atuar bem abertos, a seleção estará do jeito que o Zé da Galera tanto gostava, tanto reclamava, tanto insistia, e, de tanto fazê-lo, tanto nos divertia.

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