"Rei Leão", assistência médica, teorias da conspiração, escatologia, influencers, acosso sexual nas redes, branquitude são só alguns dos (muitos) temas que a atriz, escritora e apresentadora Nicole Byer toca - entre caras, bocas e risadas - no seu show de stand-up "BBW - Big Beautiful Weirdo" (algo como Grande, Linda e Esquisita, em tradução livre).
O espetáculo cômico da atriz, incorporado ao catálogo da Netflix, começa com uma espécie de autoironia: Byer desliza por uma barra de pole dance antes de aterrissar no palco, representada rapidamente por um boneco.
Impossível não ver na aparente graça um aceno à reflexão sobre o corpo negro objetificado, ao deslocamento do ideal de beleza que supõe ver uma mulher preta e com sobrepeso nesse tipo de exercício, popularizado pelos clubes de strip-tease, e ao manifesto de uma autoestima elaborada sobre outros pilares (sua menção às sessões de terapia está cuidadosamente encaixada no script).
Com uma carreira em ascensão nos EUA (em janeiro, seria a apresentadora do Critics Choice Awards, por exemplo, mas a premiação que elege os melhores na TV e no cinema foi adiada), a atriz também extrai da sua bolsa de provocações temas caros a setores das comunidades negra e feminista - diz que se excita muito mais com homens brancos e ironiza a luta contra o patriarcado que afirma enxergar na narrativa de Harry Potter.
Consciente dos preconceitos associados ao seu gênero, raça e IMC, a comediante passeia hiperbolicamente por todos eles. Orgulhosa moradora de Nova Jersey, adota voz e gestos corporais da mais caricaturesca representação possível de uma afro-americana. Gorda, conta anedotas sobre suas roupas íntimas e hábitos alimentares. Mulher, se estende sobre uma investigação internacional que conta desenvolver, a respeito dos "buracos gloriosos" à disposição no mercado sexual, do qual não exclui o seu.
Ao incorporar e rechaçar em doses iguais figuras como as de gostosona, guerreira a toda prova, conselheira- melhor-amiga- mãe-de-todos, mulher invisível à mercê de serviços sociais (percepções normalmente vinculadas a mulheres negras e analisadas em conceitos como o das "imagens de controle", da socióloga Patricia Hill Collins, por exemplo), Byer se mimetiza em uma boneca para armar.
Rodopia sobre tabus e violências cotidianas naturalizadas, e os disseca sem pressa a partir de um eixo narrativo que é uma retrospectiva íntima e paródica dos últimos dois anos de pandemia. Muito disso cai como uma luva - tamanho G - no Brasil.
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