Quadro-negro

Uma lousa para se conhecer e discutir o que pensa e faz a gente preta brasileira

Quadro-negro - Dodô Azevedo
Dodô Azevedo
Descrição de chapéu réveillon

O ano de 730 dias

2020 e 2021 foram vivenciados como um ano só

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Tal coisa aconteceu em 2020. Não. Aconteceu em 2021. Desde junho deste ano, é comum, em conversas, a confusão. Isso não aconteceu no ano passado? Eu jurava que isso havia acontecido este ano.

Mas que ano é este?

Mão de homem negro segurando ampulheta
Os anos de 2020 e 2021 foram vivenciados como um ano só. - Unsplash

Uma mistura de 2020 e 2021, claro. Os dois emprestando para si suas características e escancarando uma verdade à respeito da percepção de que um ano é diferente do outro: para nada mudarmos, fingimos que estamos mudando.

A falta de ritos de passagem também contribuiu para essa sensação de que estamos vivendo um ano que começou no primeiro dia de janeiro de 2020. Muita gente não sentiu-se fazendo aniversário em 2020, e em 2021 sentiu-se trapaceado pelo tempo quando as velas do bolo acusaram um ano a mais.

Estamos comemorando o fato de estarmos nos despedindo de um ano inchado de dias, ao mesmo tempo que estamos lamentando a perda de um ano magro, que passou rápido e trouxe miséria e desespero. Qual deles vamos chamar de 2020 e qual de 2021?

A vacina parece ser o marcador que pode, desde já, diferenciar nossa experiência coletiva com estes 24 meses. Taí. 2021, o ano que a vacina chegou.

Mas chegou pra quem?

Conseguimos, com a vacina, fazer as pessoas voltarem a trabalhar, porque parece que as pessoas valem mais pelo que elas podem produzir do que pelo que elas são.

Mas os países em situação precária continuam sem receber vacinas. São os não eleitos. Os que não fazem diferença se vivos ou mortos, simplesmente porque sua existência não impacta o mercado financeiro.

Para estes países, a maioria deles no continente africano e de maioria de população negra, o último ano não teve apenas 730 dias. O último ano já dura dezenas de décadas.

Para os desabrigados das chuvas de verão no Brasil, o ano de 1760 ainda não acabou.

Para os influencers que irão passar o réveillon nas praias da Bahia, já é 2022 na Austrália.

Um ditado bantô, cunhado em um tempo onde os anos não eram medidos em anos, diz que "O tempo só existe para quem existe".

Então, se para você, estamos em um confuso ano de 730 dias, releve.

Tua angústia é um privilégio.

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