Quadro-negro

Uma lousa para se conhecer e discutir o que pensa e faz a gente preta brasileira

Quadro-negro - Dodô Azevedo
Dodô Azevedo

Afromanotropicalismo

Do afropunk ao afromano tropical

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O principal evento musical do último ano aconteceu presencialmente na cidade de Salvador, no fim de novembro do ano passado. O Afropunkbahia realizou-se de maneira híbrida, transmitido ao vivo pelo Youtube, e presencial, seguindo todos os protocolos, no Centro de Convenções de Salvador. Pelos palcos, passaram nomes e encontros como Mano Brown e Duquesa, Tássia Reis e Ilê Aiyê, Luedji Luna e Yoún, Malia e Margareth Menezes. O rapper Onã, cria da Baixada Fluminense, de nome que remete a abertura de caminhos, escreveu, a convite do Quadro-negro um texto que, mirando no presente, vislumbra o futuro. Pausando, então, essa necessidade recente que temos de falar, o tempo inteiro, e de novo, e de novo, de um passado que já passou. Agora vamos falar de afropunk. Vamos falar de afromanotropicalismo.

Imagem em close do rapper Onã é cantor, compositor, rapper e multiinstrumentista da baixada do Rio de Janeiro
Onã é cantor, compositor, rapper e multiinstrumentista da baixada do Rio de Janeiro - Divulgação / @dicarvalh0

Do afropunk ao afromanotropical - Por Onã

Recentemente, fui ao Festival AFROPUNKBAHIA, e pude ver de perto o quanto a música jovem brasileira tem o poder de impactar as pessoas positivamente.

O impacto do show da Urias e ter a oportunidade de presenciar a Duquesa, mais nova representante do TRAP, cantando no show de Mano Brown e a participação no show de Luedji Luna da dupla de artista pretos Youn, que assim como eu, são da Baixada Fluminense, me fez entender melhor a potência no cenário da música urbana brasileira e do TRAP, que apesar de ter uma linguagem que resvala no pop com toda sua antimensagem, agora se vê no papel de trazer a tona os questionamentos sobre os territórios que transpassam esses corpos e esses encontros de artistas da qual também faço parte. Impossível presenciar isso e não sair feliz depois de fazer parte desse momento histórico.

Todas e todos artistas que passaram naqueles palcos, me fizeram dançar, me sentir poderoso, bonito, inteligente e me sentir capaz de conquistar o que eu quiser. Esse sentimento é transversal a todes que ali estiveram, desde o momento da compra dos ingressos ao momento de escolher o look mais classe para estar nessa gira afrotropical que tem como representante baiano o coletivo AFROBAPHO.

A importância de ver artistas como Malia, Tássia Reis, Cronista do Morro e Margareth Menezes no palco com a mesma energia e visão do hoje me fez enxergar ainda mais sentido em ter produzido o disco AFROMANOTROPICAL, lançado dia 19 de Novembro deste ano, mês da Consciência Negra, feriado nacional comemorado país a fora com festas e atos que remetem diretamente sobre o que é ser negro no Brasil nesse período pós escravidão.

O AFROMANOTROPICAL, título do meu primeiro disco, traz um pouco disso, lógico, na minha visão, considerando que sou um homem preto, nascido e criado na Baixada Fluminense e vivendo na cidade de São Paulo a pouco mais de cinco anos.

Com timbres do trap, os "808’s bem pesados, mesmo que num som como a faixa 440KM em parceria com Slim Rimografia, que é bem boombap, procuramos fazer um disco que carregasse temáticas do meu cotidiano e ainda assim, fosse mercadológico.

Candomblé, romance, festas, poder político e financeiro sendo representativo pro lugar de onde eu vim. Esse foi o caminho que eu e Dachvva, produtor musical, artístico e CEO da A Braba Records, percorremos em pouco mais de um ano, até chegar nas seis faixas que mostram o espírito AFROMANOTROPICAL de ser.

Todas essas vivências abordadas naturalmente por artistas como Major RD, Nina do Porte, Zudizilla, Djonga, Black Alien, Kay Black, Stephanie e Rincon Sapiência foram inspiração para construção do disco de maneira geral. Do conteúdo escrito e cantado a estética musical. Das joias que simbolizam poder a foto da capa com todo seu teor ancestral contemporâneo, os beats e autotunes, tudo isso, pensado milimetricamente pra conseguirmos fazer um som atual que se torne perene e que atravesse a população preta do nosso país os remetendo a toda nossa ancestralidade que nos foi negada de maneira estrutural. Que renda plays, views, sejam cantados e inspirem pessoas daqui 10, 15, 50 anos independente da sua cor, gênero e fé.

Se observarmos o top 10 do Spotify, é fácil perceber que hits de artistas sertanejos emplacaram pelo menos as 5 primeiras posições a um bom tempo nessas playlists, mas ver artistas como Poze do Rodo, Orochi e FBC marcando forte presença nesses espaços me traz alívio. Me faz perceber que o som que vem da periferia, do morro, da favela, de todas as ruas e feito por pessoas oriundas desses espaços, tem poder de chegar onde quiserem.

Ver Tasha & Tracie, Borges e MC Drika, artistas pretos, favelados que falam sobre racismo, ancestralidade, diversão, ascensão social e fazem os jovens refletir sobre o quanto é difícil ser preto e viver no "Brazil" que se nega a conhecer o próprio Brasil, com suas caras estampadas na Times Square. Isso é bom ao extremo!

Toda essa experiência vivida no AFROPUNK me faz enxergar que hoje o poder dos artistas negros no Brasil se faz fundamental no momento histórico que vivemos. Ser AFROMANOTROPICAL é retornar a nossa essência enquanto país e reverberar toda a nossa potência de liberdade e prosperidade para o mundo. É esse cenário que aterroriza o Brazil e que torna esse movimento uma grande resistência cultural.

Onã é cantor, compositor, rapper e multiinstrumentista da baixada do Rio de Janeiro .

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