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Quadro-negro - Dodô Azevedo
Dodô Azevedo

Precisamos falar de violência sexual masculina

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Mulher negra antropóloga olha para a câmera
A antropóloga Thuani Coutinho estuda casos de abuso sexual em meninos (Foto: acervo pessoal) - Divulgação

Por Thuani Coutinho, Antropóloga.

Na problemática cena que fez o filme "Como se tornar o pior aluno na escola", de 2017, um personagem adulto negocia com dois meninos, solicitando que eles o masturbem. Após uma breve tentativa de argumentação com os dois meninos, que aparentam ter aproximadamente 10 anos de idade, o personagem adulto pega a mão de um deles e a coloca dentro de sua calça.

A cena sugere que a criança tocou o pênis do adulto, e o que se segue é a reação de repulsa da criança, que foge correndo da sala com seu amigo logo em seguida. O contexto que o filme apresenta é completamente equivalente à realidade - grande parte das pessoas que praticam abuso sexual infantil escolhem vítimas de seu convívio, utilizando sua influência e autoridade (tanto como adulto, quanto como alguém conhecido da família).

Acredito que, mesmo que estivesse em outro filme, essa cena chocaria tanto quanto. A questão foi ela estar em um filme direcionado a crianças e sem um disclaimer objetivo para os pais.

Ao menos esse assunto colocou em pauta um assunto que talvez nunca seria abordado pelos pais com seus filhos.

Me pergunto se com a mesma energia que expressam grande indignação na Internet, os pais e responsáveis sentam com suas crianças e adolescentes para ter uma conversa instrutiva sobre o assunto após o seus filhos terem assistido o filme.

A intenção da produção pode ter sido das melhores, mas é importante dizer que, do ponto de vista acadêmico, não é assim que se fala de violência sexual com crianças.

Ainda sim, mais importante do que um posicionamento da produtora, dos roteiristas e da plataforma, será o posicionamento dos pais das crianças, para que o tabu de se conversar sobre o assunto não seja reforçado, e nossas crianças acabem entendendo direta ou indiretamente que não devem falar do assunto caso precisem.

Ainda que filme, além de tentar dar um toque cômico a cena de meninos sofrendo abuso, evidencia uma naturalização do estereótipo sobre a figura de quem abusa. Na vida real, o abuso sexual sofrido por meninos é tão subnotificado quanto a violência sexual sofrida por meninas.

Menos notificadas ainda são as situações em que o ato é perpetrado por uma mulher. Isso porque ainda hoje entende-se que uma experiência com uma mulher faz parte do tornar-se homem.

Me parece óbvio que uma mulher adulta pedindo ou permitindo que uma criança ou adolescente toque suas partes íntimas ou toque uma criança seja um absurdo. Ainda sim, entrevistei, como antropóloga, homens o suficiente para ouvir de boa parte deles que "faz parte da vida", e que receberam elogios de pai, avô e tio, quando, mesmo sendo crianças, interagiram sexualmente com uma babá, ou amiga da família, por exemplo.

A polêmica com "Como se tornar o pior aluno na escola" nos deixa muito a pensar e refletir. E dá visibilidade para a violência sexual sofrida por meninos na infância e na adolescência.

Mas antes que a gente continue a discutir na internet:. Você já conversou sobre prevenção a violência sexual com seus filhos hoje?

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