Renato Terra

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Descrição de chapéu

Cloroquina filosófica é uma tática política que gera muito engajamento

Recusando a existência do contexto, muita gente esperta criou universos particulares que não necessitam de fatos

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Numa manhã de quarta-feira, Nietzsche apareceu nos Trending Topics do Twitter. O motivo não poderia ser mais contemporâneo: um nude, falsamente atribuído a ele, mostrava um homem com, digamos, o bigode ereto.

"O contexto era um cara bem legal, pena que não pode ver mulher", pensariam os mais filosóficos. Pena que ele não está mais aqui para se defender. Ou contextualizar.

Muita gente já percebeu, mas cabe aqui formalizar a trágica notícia com todas as letras: o contexto está morto.

Ilustração de Débora Gonzales para coluna de Renato Terra
Débora Gonzales

Mas, afinal, quem matou e quem mandou matar o contexto?

Foi esse mundão de meu Deus hiperconectado, cujo frenesi não permite o aprofundamento dos assuntos?

Foram as redes sociais, cuja construção dos egos acabou formando bolhas que nos tiram a capacidade de olhar o mundo sob diversas perspectivas?

Foi a sanha julgadora-canceladora-lacradora das novas gerações?

Foram os milicianos de Rio das Pedras?

Não somos capazes de encontrar resposta justamente porque, para isso, precisaríamos recorrer a ele: o contexto.

Mas esta ereção pode nos trazer uma reflexão: quem se beneficia com a morte do contexto? É aí que entra a cloroquina filosófica.

Podemos pensar no que disse Fernando Holiday a Mano Brown no ótimo podcast "Mano a Mano". O deputado que estourou por causa do MBL fez uma autocrítica. Holiday diz se arrepender de ter reduzido o debate público a uma sequência de memes. Ele não foi o único, claro. Nem o último.

A teoria da cloroquina filosófica funciona mais ou menos assim: recusando a existência do contexto, muita gente esperta criou universos particulares que não necessitam de fatos. E que apresentam soluções mágicas para questões complexas. E embalou tudo isso numa luta maniqueísta para justificar o óbvio fracasso de resolver questões complexas de maneira simples. A culpa é sempre dos outros.

A cloroquina filosófica é uma tática política que gera muito engajamento. Não resta dúvidas que dá frutos. É um projeto de permanência no poder. A morte do contexto elegeu presidentes.

Ou seja: o bigodudo ereto da foto não é Nietzsche. Mas, para parte considerável da população, isso não importa. Basta espalhar a ideia de que a ereção do filósofo pode macular nossas crianças. E a discussão está ganha. Talvez as eleições também.

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