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Saúde Suplementar: até quando vamos conseguir pagar a conta?

Planos não devem colocar interesses econômicos acima da proteção à saúde

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Adriana Monteiro da Silva Camilla Varella Guimarães Joanna Maria de Araújo Sampaio

Acompanhamos no último mês a discussão sobre a taxatividade do rol da ANS, tendo a hashtag #roltaxativomata ficado entre as mais usadas nas redes sociais. No dia 8 de junho, no entanto, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) declarou que o rol da ANS é, em regra, taxativo. Este entendimento limita a proteção à saúde a uma lista restrita de procedimentos médicos. Desde então, as operadoras de saúde iniciaram uma cruzada para interromper tratamentos médicos que estavam garantidos por liminares judiciais.

Mas afinal: a decisão proferida pelo STJ vai de fato prejudicar os 50 milhões de brasileiros que têm plano de saúde?

A resposta é sim, já está prejudicando. Os pacientes com câncer, por exemplo, passaram a ter negados exames de PET scan (fundamentais para diagnóstico e acompanhamento da doença), porque não constam do Rol da ANS. As Operadoras de Saúde vêm negando tratamentos, exames e até oxigênio a usuários de homecare. O atleta Gildo Afonso, que sofre de esclerose múltipla, teve seu tratamento com o fármaco Kesimpta suspenso, com a justificativa de não estar previsto no tal rol.

Estes são alguns dos exemplos do desamparo dos brasileiros que motivou o CRPD (Comitê Brasileiro de Organizações Representativas das Pessoas com Deficiência) a ingressar com a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 7183 perante o Supremo Tribunal Federal, a fim de corrigir a injustiça representada pelo Rol Taxativo da ANS.

O plano de saúde é uma renda indireta, já que se desconta o valor mensal do contracheque para resguardar a saúde do trabalhador e sua família. Ora, não se trata apenas de uma benevolência do sistema, mas de proteção também da saúde do capital. Trabalhador doente não produz. Sabe-se do sacrifício das famílias para arcarem com os altos custos de um plano, comprometendo muitas vezes o orçamento da própria alimentação para garantir um atendimento de saúde digno.

Como chegamos a esse ponto? Muito simples: as operadoras conseguiram convencer parte do Judiciário sem jamais terem comprovado que o sistema de saúde suplementar vai colapsar caso tenha que cobrir tratamentos não previstos no Rol da ANS.

Trata-se da maior fake news dos últimos tempos, já que desde 1998 (quando publicada a Lei dos Planos de Saúde) as Operadoras vinham arcando com tratamentos não previstos no rol, por força de decisões corajosas do Poder Judiciário e, nem por isso, deixaram de lucrar.

Para se ter uma ideia, a Unimed Campinas (que foi parte no processo que definiu a taxatividade do rol da ANS), fechou 2020 com um faturamento de 2,5 bilhões de reais – aumento de 1,5% em relação a 2019.

Ao contrário da promessa de que um rol taxativo diminuiria os custos dos planos de saúde, a ANS aprovou o reajuste de 15,5% nos planos de saúde individuais e familiares. Já os planos empresariais que não se sujeitam à regra, os reajustes chegam a 133%.

Pais, responsáveis e usuários de planos de saúde protestaram na frente do STJ, em Brasília, durante julgamento sobre a taxatividade de ROL da ANS, que dispõe sobre os exames e tratamentos que podem ser cobertos pelos planos de saúde. - (Foto: Pedro Ladeira/Folhapress, PODER)

O Tribunal de Contas da União (TCU), na Auditoria 021.852/2014-6, deixa claro que a ANS vem falhando sistematicamente no seu papel de agência reguladora. Segundo o TCU, a ANS não possui mecanismos adequados para prevenção e correção de reajustes abusivos em planos coletivos e individuais.

Ademais, restou provado que a ANS tem adicionado uma parcela extra ao percentual máximo de reajuste para compensação de fatores exógenos, que (pasmem!) já foram considerados no cálculo base, levando ao duplo impacto dos valores do índice de reajuste.

Reajustes exorbitantes impactam diretamente a renda de trabalhadores e aposentados, que precisam de malabarismos para pagar despesas diárias, sem contrapartida de cuidado integral pelos planos. A Constituição protege o direito à saúde e à vida como fundamentais, que devem ser garantidos tanto pela saúde suplementar quanto pela pública. Assim, ainda que busque ganhos financeiros, a iniciativa privada não deve colocar o interesse econômico acima da proteção à saúde.

A Lei 14.307, de março deste ano, teve por objetivo apoiar a argumentação a favor do rol taxativo ao, supostamente, dispor de critérios técnicos para a elaboração do rol. Dentre os três critérios para adicionar um novo procedimento à lista, dois deles protegem os interesses econômicos das operadoras de saúde: a avaliação econômica do custo-benefício e o impacto financeiro do procedimento. Os interesses econômicos também regem a composição da Comissão de Atualização do rol. As operadoras possuem dois assentos representativos, enquanto os 50 milhões de consumidores apenas um.

Enquanto esse entendimento permanecer, várias questões restam em aberto. Quantos conseguirão pagar um plano que, paradoxalmente, não assegura a saúde? Como um SUS sobrecarregado pelo não atendimento da rede privada poderá funcionar adequadamente? Até quando teremos a saúde garantida? Qual o preço de nossas vidas?

Neste momento, esta resposta está nas mãos do STF, especificamente do Ministro Luís Roberto Barroso, que tem a possibilidade de corrigir esse cenário injusto, que faz com que 50 milhões de brasileiros paguem planos de saúde, sem a certeza do que os espera.

Adriana Monteiro da Silva, Camilla Varella Guimarães e Joanna Maria de Araújo Sampaio são advogadas signatárias da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 7183.

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