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Saúde Mental - Sílvia Haidar
Sílvia Haidar
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Buscar única causa para suicídio é o pior erro, diz psicóloga

Karen Scavacini, do Vita Alere, é precursora em estudos de posvenção no Brasil

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São Paulo

Suicídios são eventos multifatoriais de alta complexidade. Não há uma causa única que explique o porquê de uma pessoa tirar a própria vida. Tentar achar um motivo, como o fim de um relacionamento, uma briga, um problema financeiro, ou mesmo uma doença, é uma atitude que, além de estigmatizante, tenta culpabilizar as pessoas que ficaram, ou seja, os enlutados pelo suicídio.

A psicóloga Karen Scavacini, CEO, idealizadora e cofundadora do Instituto Vita Alere de Prevenção e Posvenção do Suicídio, apresenta essas conclusões no livro "Suicídio - Um Problema de Todos", lançado pela editora Sinopsys. A obra é fundamentada em sua tese de doutorado em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela USP (Universidade de São Paulo), sob orientação da professora Maria Júlia Kovacs.

Karen se aprofundou no tema em 2008, quando se mudou para a Suécia com o marido e a filha pequena. Lá, ela foi aprovada para o mestrado na área de prevenção do suicídio e promoção da saúde mental, curso oferecido pela Faculdade de Saúde Pública com o Nasp (Centro Nacional de Pesquisa Sobre Suicídio e Prevenção da Doença Mental).

De volta ao Brasil, a psicóloga fundou o Vita Alere, em 2013. O instituto oferece cursos, como a pós-graduação em Intervenção na Autolesão, Prevenção e Posvenção do Suicídio, consultoria, grupo para sobreviventes, entre outras atividades.

Karen é uma mulher branca de cabelos escuros na altura dos ombros; ela veste uma blusa azul marinho e sorri para a foto
A psicóloga Karen Scavacini, CEO do Instituto Vita Alere de Prevenção e Posvenção do Suicídio - Carla Dias

A falta de capacitação na saúde para atender casos de risco e mesmo de tentativas de suicídio foi um dos fatores que levou Karen a criar a instituição. Ela defende que disciplinas de prevenção e pósvenção deveriam ser obrigatórias na faculdades de psicologia e optativas em outras, como medicina, enfermagem, comunicação social e pedagogia.

Para a psicóloga, saúde mental e suicídio deveriam ser discutidos nas escolas. "Os adolescentes falam sobre isso entre eles. Eles veem séries e filmes que tratam desses temas. Então a gente pode, sim, falar a partir de 12 ou 13 anos abertamente sobre isso. Só é preciso ter cuidado no enfoque", afirma.

Ela vê com bons olhos a campanha Setembro Amarelo, criada em 2014 pela ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria) e pelo CFM (Conselho Federal de Medicina), mas observa que é preciso incluir agora nesse debate as questões sociais ligadas ao suicídio. "Ainda está muito com uma visão médico-centrada. A pessoa tem um problema, você encaminha para um psicólogo e manda para o médico. Só que aí não tem atendimento, as pessoas não acham esse serviço. Então todas essas questões sociais mesmo, de violências estruturais, não estão sendo debatidas", diz.

Pensando nisso, com apoio técnico do Google, Karen desenvolveu, em 2020, o Mapa da Saúde Mental, uma plataforma que mostra onde encontrar atendimento gratuito, online e presencial, com endereços de Caps (Centro de Atenção Psicossocial), Caism (Centro de Atenção Integrada à Saúde Mental ), hospitais psiquiátricos, ONGs e clínicas de faculdades. O site também indica o atendimento de acordo com o tipo de paciente: para o público em geral, para profissionais da saúde e para grupos específicos, como idosos, gestantes e adolescentes.

Agora o Vita Alere elabora o Mapa das Favelas, que deve ficar pronto no mês que vem, apontando as comunidades que têm grupos de apoio e que distribuem cestas básicas. "A gente tem visto que nas favelas, além de não ter acesso à saúde mental, o debate nem chega. Porque a vulnerabilidade social é tão grande que a questão da fome e a questão da moradia tomam todo o espaço", observa.

O livro "Suicídio - Um Problema de Todos" será lançado nesta segunda-feira (26), a partir das 19h, na sede do Vita Alere, na alameda Uananá, 200, em Moema, na zona sul de São Paulo.

No seu livro você reforça em diversas passagens que o suicídio é um evento multifatorial. Ou seja, nunca devemos dizer que uma pessoa tirou a própria vida por um determinado motivo. Quais são os problemas que uma visão reducionista pode acarretar?
Quando as pessoas têm essa visão muito simplificada, que é um desencadeante, ou a gota d’água, como se diz, elas passam a impressão de que o suicídio acontece por causa única. Ou pior, por conta de alguém, quando se fala que a pessoa terminou um relacionamento e se matou depois. Então você busca um culpado único, uma causa única, e não consegue ver que outras coisas podem ser feitas para essa prevenção. Essa é o pior erro.

Isso também tem um efeito nos sobreviventes enlutados, que são as pessoas que ficaram. Porque elas vão, obviamente, em busca de um culpado. E elas sempre se colocam como culpadas, embora a gente saiba que não são. E se elas olham somente uma causa, fica ainda mais difícil de elas lidarem com esse processo.

É natural que quando tem um suicídio as pessoas vão buscar essa causa, que é para tentar aliviar um pouco aquela dor, aquele sofrimento, e tentar explicar para si e para os outros o que houve. Mas, infelizmente, a gente tem mais perguntas do que respostas, na maioria das vezes.

Mesmo quando a pessoa tinha um transtorno psiquiátrico a gente não pode apontar essa doença como uma causa?
Não pode. Mesmo quando a gente está falando em casos de depressão, que é o transtorno mais ligado ao suicídio. Algumas pessoas vão usar a expressão "morreu por depressão", que é uma forma honesta de comunicar que tem relação com o transtorno mental, porque não dá para dizer todos os fatores que levaram alguém ao suicídio. Mas mesmo em relação à depressão, se fosse assim todas as pessoas depressivas se matariam. Precisa ter uma série de outras coisas que vão pesar na dor dessa pessoa que morreu.

O suicídio também não é uma escolha. É um ato de desespero. A pessoa não está com a sua clareza na decisão. E a depressão, nesses casos, vai prejudicar a visão que a pessoa tem dos seus caminhos, das suas possibilidades, do amor que as outras pessoas sentem por ela, e muitas vezes acaba morrendo por suicídio.


Estamos no mês do Setembro Amarelo, de prevenção do suicídio. Você acha que tem sido uma campanha bem-sucedida?
Eu acho que sim. Se a gente pensar o quanto a gente falava de suicídio antes do Setembro Amarelo e o quanto a gente fala agora, realmente, teve uma mudança muito grande. Eu entendo que o maior objetivo do Setembro Amarelo é a conscientização, e para isso acho que ele está trazendo esse tema para discussão.

Hoje em dia eu não acho que um mês inteiro falando sobre o tema necessariamente seja algo positivo. Porque quando a gente conversa com as pessoas que perderam alguém, ou as pessoas que estão com o comportamento suicida, é muito difícil para elas. Porque elas são relembradas o mês inteiro sobre algo que elas estão sentindo ou algo que aconteceu. Então acho que, nesse sentido, a gente precisa talvez ouvi-las mais para entender como e qual é a melhor forma de abordar, levando em consideração as pessoas com a experiência vivida.

O que a gente tem percebido é que as escolas e as empresas acabam usando o mote do Setembro Amarelo para trazer o assunto, o que eu acho positivo. Porque ainda tem tanto tabu que as pessoas precisam usar o mês para falar "olha, a gente está falando sobre isso, mas está tudo bem, é porque é o mês".

Tem um aspecto um pouco mais comercial que a gente vê hoje. Até um tempo atrás teve uma loja de roupa que procurou a gente para fazer camisetas com frases. Mas não, gente, não, a ideia não é essa, o objetivo não é esse.

Talvez tenham se inspirado na campanha do câncer de mama, nos anos 1990.
Pois é. E se a gente pensar na campanha do câncer de mama, ela foi muito boa. Antigamente, a gente não falava de câncer de mama e hoje fala. Eu entendo que o Setembro Amarelo vai ter o seu desenvolvimento para chegar na sua melhor forma. Não sei se a sua melhor forma vai ser o mês inteiro ou vai ser uma semana só, como acontece na maioria dos países. Ou vamos ter apenas o dia 10 de setembro, que é o dia da prevenção do suicídio.

Eu só acho que a gente precisa incluir agora nesse debate do Setembro Amarelo as questões sociais também ligadas ao suicídio. Ainda está muito com uma visão médico-centrada. A pessoa tem um problema, você encaminha para um psicólogo e manda para o médico. Só que aí não tem atendimento, as pessoas não acham esse serviço. Então todas essas questões sociais mesmo, de violências estruturais, não estão sendo debatidas.

Há algumas críticas a respeito do Setembro Amarelo, como o marketing amarelo, que você citou, e também sobre influenciadores digitais que falam sobre o tema nas redes sociais, mas não estão preparados para abordar o assunto.
Se a gente olhar a parte negativa da campanha, acho que tem muito dessa questão do marketing amarelo mesmo, que é a pessoa que põe a fitinha amarela no peito, solta o balãozinho na praça, mas não fala com a pessoa ao lado dela, ela só bate o cartão mesmo em relação a isso. E essa história de "vou abrir meu inbox para quem quiser falar" não é legal. Você não sabe o que vai chegar, você não vai saber como lidar. E só no mês de setembro você faz isso? Então é querer surfar na onda.

Acho que talvez a gente precise de uma adaptação da campanha para entender qual é a melhor forma de comunicar. Porque as pessoas querem falar. E acho que é legal que elas falem, mas elas não sabem como, e aí acaba saindo uma mensagem errada. Também acho que precisa da união das pessoas envolvidas nesse tema para que tenha o atendimento, não só o psicológico e o psiquiátrico mais acessível, como também que a gente possa falar de saúde mental e prevenção de suicídio nas escolas e nas universidades.

A gente precisa trabalhar todo o espectro da prevenção do suicídio e não só essa coisa "olha, você está mal, busca um médico". Porque aí você pode até aumentar a desesperança. Você faz toda uma campanha, a pessoa percebe que precisa de ajuda, vai ao Caps, mas chega lá e vai enfrentar uma fila de seis meses para ser atendida. Ou seja, você mostra que tem uma saída, mas quando ela consegue buscar essa saída, ela chega e fala "mas para quem que tem esse atendimento?".

Então a gente reforça muito essa necessidade de quando alguém está pensando numa campanha, pensar também o que vai fazer com a demanda gerada. Qualquer campanha vai gerar uma demanda. Você vai fazer o que com isso? Você vai simplesmente dizer busca o Caps? Mas você não fala onde tem o Caps, nem conhece como funciona, então acho que precisa um pouco mais de estrutura.


Por que é tão difícil envolver o poder público no debate sobre saúde mental?
Acho que existe um tabu ainda na política em geral em relação ao suicídio, de entender esse tema como saúde pública e de envolver várias áreas, porque não deveria estar só no Ministério da Saúde. E olha que hoje quem mais promove ações nesse sentido é o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, que oferecido alguns cursos, feito algumas coisas, mas ainda muito poucas se comparadas com tudo que precisaria ser desenvolvido.

Falta a união da dessas instituições envolvidas. Em 2018, foram realizadas algumas audiências públicas, mas poucas pessoas fizeram parte. E é preciso incluir nessas audiências pessoas que viveram a situação e não só os especialistas. Precisaria ter algo a mais nesse sentido.

Esse olhar sobre o suicídio só como algo médico é muito complicado. A gente precisa pensar em termos de poder público, no atendimento psicológico e psiquiátrico, na escola, na universidade, nos espaços públicos de comunidades.

Por exemplo, a gente está fazendo o levantamento do Mapa das Favelas, que deve ser lançado em outubro. Nesse processo, a gente tem visto que nas favelas, além de não ter acesso à saúde mental, o debate nem chega. Porque a vulnerabilidade social é tão grande que a questão da fome e a questão da moradia tomam todo o espaço

A gente está fazendo uma busca no Brasil inteiro de locais de saúde mental que atendam de maneira gratuita. E a gente acabou incluindo também outros lugares além de clínicas e centros médicos. A gente inclui onde distribui cesta básica, por entender que isso vai ser um determinante de saúde mental.

O que você acha do papel de ONGs e grupos de apoio que debatem e oferecem ajuda a populações que sofrem preconceitos diários, como negros e LGTBQIA+?
As ONGs são fundamentais. Sem elas a gente estaria numa situação muito mais complicada. O que eu acho é que falta as pessoas saberem que essas ONGs existem. É muito difícil encontrar.

A gente contratou uma assistente social por seis meses para fazer uma busca o dia inteiro no Google para achar esses locais. E não acha. Nem a gente colocando uma pessoa buscando consegue informação. Então como que as pessoas vão saber que tem aquele serviço?

E tem outra coisa: como que os serviços podem dar conta da demanda? No Mapa da Saúde Mental, que hoje a gente tem cerca de 1.000 acessos por dia, muitos locais que oferecem atendimento pediram para sair da lista porque começa a chegar uma demanda tão grande que eles não dão conta.

No livro você fala também sobre a falta de capacitação na saúde para atender casos de risco de suicídio e mesmo tentativas de suicídio. Você cita a falta de preparo de profissionais médicos, enfermeiros e até mesmo psicólogos nesses casos. Então você propõe que as universidades deveriam oferecer disciplinas sobre prevenção do suicídio nas grades curriculares. Como isso poderia ser implementado?
Na psicologia deveria ser obrigatório. É um absurdo completo que hoje em dia não tenha aulas sobre prevenção do suicídio, sobre identificação de risco, sobre como se faz um atendimento, o manejo de uma pessoa com risco. A gente escuta tantos absurdos sobre psicólogos que vão replicando mitos e todo tipo de história que você nem imagina.

Mas poderia ser uma disciplina optativa em outros cursos, pois a gente não sabe até que ponto o aluno está com uma questão vulnerável para ser uma coisa obrigatória. Poderia ter no direito, na engenharia, na arquitetura. Os prédios e outras construções, como pontes e viadutos, poderiam já serem projetados de uma forma mais segura para que não se tornem um hotspot.

As faculdades de comunicação também deveriam para que se aprenda desde cedo a tratar do tema sem sensacionalismo, de forma segura. Também na pedagogia.

Como a gente pode falar sobre suicídio e saúde mental com adolescentes?
É muito importante falar sobre esses temas com os adolescentes. Os adolescentes falam sobre isso entre eles. Eles veem séries e filmes que tratam desses temas. Então a gente pode, sim, falar a partir de 12 ou 13 anos abertamente sobre isso. Só é preciso ter cuidado no enfoque.

Mostrar para o adolescente que pensar em suicídio é comum. Mas se ele pensar muito, se ele não conseguir afastar o pensamento, se isso começar a ser visto como algo plausível para ele, ele precisa buscar ajuda. Falar sobre como ele lida com frustração ou com bullying também é prevenção do suicídio. Orientar esse adolescente sobre o que ele fazer se ouvir de um amigo que está pensando em suicídio. Porque isso que a gente também ouve muito, que um adolescente que cometeu suicídio falou o que ia fazer para um amigo, mas o amigo não fez nada porque tinha prometido manter segredo.

Isso deveria ser feito da mesma forma como ocorre com a educação sexual. Deveria ser algo para a gente incluir como uma educação mesmo, como psicoeducação. Com esse enfoque: o que fazer, onde buscar ajuda, normalizar a tristeza, normalizar sentimento ruim.

A minha impressão é que com o passar dos anos isso vai ser algo cada vez mais necessário nas escolas. As escolas e as universidades têm procurado muito a gente. E vêm sempre com essa dúvida: a gente pode falar, fazer uma palestra, trazer a palavra suicídio? Pode. Só precisa ter cuidado sobre como isso vai ser feito e o olhar que vai ser dado para esses alunos.

Essa geração tem falado muito mais de saúde mental do que a gente falava. E o que a gente escuta muito são os jovens que pedem aos pais para fazerem terapia, e os pais falam "para de besteira", "isso é bobeira da adolescência". Então quando eles tomam coragem de pedir ajuda, os pais acabam cortando.


O estigma e o medo de ser julgado ainda são impedimentos para que as pessoas busquem ajuda?
Com certeza. A sociedade ainda tem muito estigma. De falar sobre saúde mental, sobre morte, sobre suicídio. O estigma faz com que as pessoas não busquem ajuda. É o aluno que não quer falar com o professor, é o colaborador que não quer falar para o seu chefe e, realmente dependendo do local que ele trabalha, vai ouvir que "isso é mi mi mi", "você está fazendo corpo mole". Então tem estigma do transtorno mental e aí, com relação ao suicídio, mais ainda.

E quando coloca a questão religiosa no meio também é complicado. Familiares de pessoas que cometeram suicídio têm vergonha e até medo de dizer. A maioria não fala que a morte foi por suicídio. Porque vai receber da outra pessoa perguntas do tipo "você não viu nada?", "você não percebeu?", que são perguntas que aumentam a culpa.

A sociedade costuma transferir para a família essa culpa com comentários do tipo "um suicídio não acontece em uma família boa", e a gente sabe que não tem nada a ver.

Você, com o Instituto Vita Alere, é uma das primeiras pessoas a falar sobre posvenção no Brasil. Para as famílias, qual é a diferença perder um ente querido por suicídio ou para outra causa? Quais são as particularidades do luto por suicídio?
O primeiro trabalho que trata de luto por suicídio no Brasil é meu, de 2011. Quando voltei da Suécia e fundei o Vita Alere, a gente deu o primeiro curso falando de prevenção e pósvenção, que era um tema que nunca tinha sido usado aqui. Isso não quer dizer que não tivessem atividades voltadas para o luto por suicídio, mas não se usava esse termo.

Na maioria dos lugares que a gente dá palestra e pergunta "quem aqui conhece alguém que morreu por suicídio?", diria que 95% das pessoas levantam a mão. Aí eu pergunto, "quem aqui conhece alguém que morreu por homicídio?", metade levanta a mão. Claro que isso depende do local onde você está, mas mostra que o suicídio está em todos os lugares, todo mundo conhece alguém ou algum caso, e as pessoas vão ser impactadas por essa morte de alguma forma.

A culpa, com certeza, sempre vai estar presente, o estigma, a busca incessante do motivo. Os enlutados pelo suicídio ficam presos nos "e ses": e se eu tivesse voltado antes, se eu tivesse ligado, se eu tivesse levado ao médico.

Tem uma questão da temática mesmo, que é específica. Que é o tal negócio: morreu de quê? Se morreu de acidente de carro é uma reação. Se morreu de ataque cardíaco é outra. Se morreu por suicídio é completamente diferente. É lógico que a gente não pode falar que dói mais porque não se compara dor. Mas há características que são muito específicas.

A sociedade isola os enlutados por suicídio e a própria pessoa também se isola, até para poder dar conta desse luto. Precisa de um tempo para ressignificar, e a gente sabe que vai ser muito mais duradouro, muito mais intenso, mais difícil de voltar ao dia a dia e também pode ocorrer ideação suicida. E você encontra também um número maior de suicídios entre as pessoas que perderam alguém por suicídio.

Dentro da psicologia é preciso ter mais conhecimento sobre as características desse luto por suicídio. De como que você trabalha o luto para não patologizar a questão, não medicar a pessoa sem necessidade. Participar de grupos de apoio para pessoas que perderam entes queridos por suicídio é muito importante.

E tem outro aspecto que são os familiares de quem tentou, mas sobreviveu. Essas pessoas não têm ajuda nenhuma. A gente tem agora no Vita Alere um grupo de apoio para familiares de pessoas com comportamentos suicidas. Porque elas ficam desorientadas, elas não sabem o que fazer.

Quando organizei os três volumes do livro "Histórias de Sobreviventes do Suicídio", imaginei que quem mandaria relatos para serem publicados seriam os enlutados. Mas quem mais mandou histórias foram as pessoas que tentaram e sobreviveram.

Isso deixou um aprendizado de que essas pessoas querem contar suas histórias, as outras pessoas que talvez não estejam prontas para ouvir. E quem menos mandou foram os profissionais da área da saúde. Então o estigma de falar sobre o assunto ainda está muito dentro do profissional.

RAIO-X
Karen Scavacini, 45, é psicóloga, mestre em Saúde Pública na área de Promoção de Saúde Mental e Prevenção ao Suicídio pelo Karolinska Institutet (Suécia), doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela USP (Universidade de São Paulo), CEO do Instituto Vita Alere de Prevenção e Posvenção do Suicídio, representante do Brasil na International Association for Suicide Prevention, diretora científica da Abeps (Associação Brasileira de Estudos e Prevenção do Suicídio) e da Abrases (Associação Brasileira de Sobreviventes Enlutados por Suicídio) e faz parte do conselho científico do CVV (Centro de Valorização da Vida)

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