Saúde Mental

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Saúde Mental - Sílvia Haidar
Sílvia Haidar
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Falta de concentração e alterações no apetite e no sono são sintomas de depressão

Psiquiatra explica como identificar a doença e quais são os tratamentos

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São Paulo

A depressão é um transtorno psiquiátrico crônico que acomete mais de 300 milhões de pessoas no mundo, de acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde). No Brasil, segundo a PNS (Pesquisa Nacional de Saúde), mais de 16 milhões convivem com a doença.

Ao contrário de um sentimento de tristeza comum, a depressão gera sintomas como falta de energia e de concentração e afeta padrões de sono e de alimentação, explica Bruno Machado, psiquiatra e especialista em técnicas de mindfulness.

Leia a seguir a entrevista com o especialista.

O que caracteriza a depressão?
A depressão é um transtorno mental composto por ao menos cinco sintomas. Dentre os quais, necessariamente, deve ocorrer redução do interesse pelas atividades cotidianas ou ainda o prejuízo do humor do indivíduo. O que, em geral, é percebido pela ocorrência de tristeza na maior parte do dia.

Além disso, indisposição, perda de concentração, insônia, sonolência diurna, perda de peso, ganho de peso, agitação, lentificação psicomotora, entre outros, podem em conjunto compor apresentações variáveis deste quadro clínico.

É importante ressaltar que o diagnóstico é definido somente por estes sintomas, não sendo critérios diagnósticos os desencadeantes, fatores de risco ou mesmo os exames laboratoriais.

Existe uma causa genética para a depressão? Ou se pessoas da mesma família têm o transtorno, pode ser também causado por uma questão comportamental deste núcleo familiar?
Hoje sabemos que a genética desempenha um papel relevante no risco do indivíduo desenvolver depressão, mas não pode ser considerada uma única causa.

Um curioso exemplo disto é que uma pessoa que tenha um irmão gêmeo idêntico com depressão, portanto com os mesmos genes, por vezes não apresentará os sintomas ao longo de sua vida.

As chances de ter depressão quando existem casos na família aumentam. Mas, na realidade, é a interação destes genes com as experiências do indivíduo que será determinante para o desenvolvimento do quadro.

Existe uma resposta na ciência que explique por que algumas pessoas enfrentam situações muito difíceis na vida, como pobreza extrema e traumas, sem cair em um quadro grave de depressão, enquanto outras apresentam o transtorno sem motivos específicos aparentes?
Existem os fatores de proteção que reduzem a possibilidade de uma pessoa com experiências dolorosas desenvolver depressão.

Pessoas que têm um hábito de sono mais saudável, que têm como traço de personalidade uma visão de mundo mais otimista, que não sejam solitárias e que trabalhem com atividades menos propensas ao sedentarismo terão uma proteção biológica contra o transtorno depressivo.

É surpreendente, mas postos de trabalho, mesmo com ótima remuneração, que venham a favorecer o sedentarismo, uma alimentação pouco saudável, exposição à luz de telas à noite e pouca exposição solar de dia podem facilitar a ocorrência de depressão.

Por vezes, trabalhos mal remunerados e considerados mais pesados, mas que exijam que o indivíduo caminhe mais, que tenha mais contato com o sol, que conviva com um grupo saudável, pode ter um papel de proteção, isto é, contrabalanceando os fatores de risco aos quais supomos que esteja mais exposto.

Como uma pessoa pode saber se está apenas passando por uma fase de tristeza ou se está com depressão?
A tristeza é um sentimento normal e pode ocorrer de modo proporcional em algumas fases da vida. Porém, não ocorre concomitantemente a este conjunto de sintomas mais amplo, como indisposição, perda de foco, insônia, alteração do apetite, agitação e irritabilidade.

Numa fase de luto, alguns desses sintomas podem até se manifestar, sem que se configure ainda uma depressão, desde que o tempo de duração seja curto e a intensidade dos sintomas seja menor.

Sabemos que há diferentes tipos de depressão, por exemplo, o transtorno depressivo clássico ou maior, a depressão pós-parto ou a depressão psicótica. Como é feita essa distinção em consultório? Cada tipo precisa de um tratamento diferente?
A distinção é feita pela história clínica do paciente, com a identificação das características e eventos que especifiquem cada tipo de depressão.

Quando suspeitamos de que ocorreu uma doença orgânica desencadeante, é possível utilizar exames para investigar, por exemplo, alterações hormonais e neurológicas que tenham contribuído para o desencadeamento do transtorno.

Nesse caso, os exames ajudam a encontrar um precipitante, mas não fazem o diagnóstico do tipo da depressão.

A depressão em um adolescente é diferente da depressão em um idoso?
A idade não entra diretamente nos critérios diagnósticos. Assim sendo, é possível que um jovem e um idoso tenham um mesmo tipo de depressão.

No entanto, é fato que alguns diagnósticos são realmente mais típicos em determinadas idades. É mais frequente vermos uma depressão bipolar ou uma depressão induzida por drogas ilícitas em um adolescente.

Já em idosos, é mais comum observarmos, por exemplo, depressão induzida por uma doença orgânica ou por determinados medicamentos.

É possível superar a depressão apenas com bons hábitos de vida, como praticar exercícios físicos, dormir e se alimentar bem?
Diria que são elementos fundamentais para prevenir a depressão. Também são úteis para evitar uma recaída e de grande importância no tratamento. No entanto, após o desencadeamento do transtorno depressivo, a tendência é que seja necessário um tratamento psicológico e psiquiátrico, este segundo podendo ser com ou sem medicamentos.

A partir de que momento é preciso procurar ajuda de um profissional de saúde mental, como psicólogos e psiquiatras?
Quando o indivíduo percebe que a tristeza ou a perda de interesse nas atividades perduram mais de duas semanas, ocorrendo na maior parte do dia, já é importante buscar ajuda.

Uma outra pista é perceber se o sono, a concentração ou o apetite foram afetados de algum modo.

O uso de antidepressivos é sempre imprescindível? Ou é possível superar a depressão com psicoterapia e uma rotina mais organizada e saudável?
Para uma depressão leve, o tratamento inicialmente pode ser conduzido apenas com a psicoterapia. Mas é importante que, mesmo em um quadro leve, caso não ocorra uma evolução adequada, seja feito o encaminhamento por parte do psicólogo para uma avaliação médica psiquiátrica.

O tratamento com medicamentos pode ter grandes resultados para muitos pacientes, mas existem pacientes que não observam resultados ou não os toleram por efeitos adversos. Nesses casos, seria importante maior disponibilidade de outras abordagens reconhecidas cientificamente.

Além dos tratamentos com medicamentos, na psiquiatria realizamos os tratamentos de neuromodulação, com destaque para a Estimulação Magnética Transcraniana (EMT), que já é definitivamente reconhecida pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e pela FDA (agência americana reguladora de medicamentos e alimentos), permitindo o tratamento biológico da maioria das formas de depressão sem os possíveis efeitos colaterais do uso de medicamentos.

Infelizmente, este é um tratamento ainda pouco disponível no SUS (Sistema Único de Saúde), com raras exceções de acessibilidade, como no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP). Também existe grande resistência por parte dos planos de saúde de nosso país, tornando inacessível para a maior parte da população brasileira.

Muitas pessoas têm medo de começar a tomar antidepressivo e ficarem dependentes do remédio. É comum o tratamento ser prolongado, estendendo-se por anos ou pela vida toda? Ou costuma ser retirado a partir da melhoria dos sintomas?
Os medicamentos antidepressivos, via de regra, podem ser retirados com relativa facilidade, uma vez que não provocam sensação de recompensa e de prazer, diferentemente do que ocorreria se o tratamento fosse feito com alguns calmantes e estimulantes, que realmente manifestam risco de dependência. Assim sendo, com a remissão dos sintomas e após um tempo recomendado de manutenção, o antidepressivo pode ser reduzido gradativamente e suspenso, com efetiva alta médica.

No entanto, não podemos confundir com a existência de depressões crônicas, que requerem o uso prolongado. É importante salientar que, neste caso, a pessoa não perdeu o controle sobre o remédio ou se tornou dependente dele, mas são os sintomas que retornam por conta do quadro patológico, necessitando de um tratamento mais prolongado, como acontece em muitas doenças crônicas na medicina, como a diabetes e a hipertensão.

A cetamina tem sido usada em casos de depressão persistente. O que o senhor acha sobre a utilização dessa substância? O que o paciente precisa saber antes de pensar em procurar o tratamento?
A cetamina e sua "irmã mais nova", a escetamina, são medicamentos de grande importância contra a depressão resistente, porque realmente demonstram uma taxa de remissão elevada nesses quadros de difícil controle. Destaca-se, inclusive, um papel importante no manejo dos comportamentos suicidas.

Porém, é importante salientar que devem ser utilizados somente em casos mais complicados, que tenham recebido adequado diagnóstico e realizados sem sucesso tratamentos com outras opções mais seguras.

Ambas são substâncias anestésicas que envolvem maiores riscos, com contra indicações e possíveis efeitos adversos, tendo inclusive a possibilidade de dependência química. Contudo, em determinados casos, o benefício versus o risco pode ser bastante favorável.

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