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Saúde Mental - Sílvia Haidar
Sílvia Haidar
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Cetamina trata depressão resistente e ideação suicida

Substância anestésica pode apresentar efeitos positivos após 24 horas

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São Paulo

Em 2019, a médica Carolina (nome fictício), 49, passou oito meses em casa quase sem levantar da cama. Ela enfrentava um quadro de depressão grave e parou de trabalhar.

Após tentar diferentes tipos de medicamentos contra o transtorno e não constatar nenhuma melhora, o psiquiatra de Carolina recomendou que ela fizesse sessões de infusão de cetamina.

A substância tem efeito anestésico e é usada desde a década de 1960 para manter pacientes sedados durante procedimentos cirúrgicos.

No fim da década de 1990, o fármaco começou a ser estudado como uma alternativa para tratar a depressão resistente —casos como o de Carolina, quando o uso de antidepressivos não conseguem tirar a pessoa de um quadro grave da doença.

"No cérebro, os antidepressivos clássicos modulam os sistemas monoaminérgicos —noradrenalina, serotonina e dopamina. Já os mecanismos de ação da cetamina envolvem a modulação do sistema glutamatérgico", explica o psiquiatra Leandro Valiengo, coordenador do Serviço Interdisciplinar de Neuromodulação e do Serviço de Cetamina do IPq HC-FMUSP (Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo).

A hipótese de que a depressão é causada pela falta de serotonina ou por um desequilíbrio químico no cérebro foi dominante na literatura médica por muitos anos, mas não é a única, conta o anestesista Tiago Gil, fundador do Centro de Cetamina, em São Paulo.

"Uma dessas hipóteses é a glutamatérgica, ou do neurônio excitatório, que explica a depressão pela hiperativação de algumas áreas do cérebro que ocorre pela ação do neurotransmissor glutamato", afirma Gil.

Essa foi a suspeita investigada no fim dos anos 1990 pelo médico John Krystal, professor da Universidade Yale, nos Estados Unidos. Ele aplicou cetamina em camungongos, em doses mais baixais do que as utilizadas em anestesias, para bloquear a ação do glutamato e avaliar a resposta antidepressiva. Nos anos 2000, Krystal e outros pesquisadores publicaram o primeiro trabalho de prova de conceito com resultados positivos da cetamina contra a depressão.

A primeira clínica a oferecer infusões de cetamina para tratar o transtorno surgiu em 2014, nos Estados Unidos. No Brasil, o primeiro estabelecimento do tipo apareceu em 2016.

O uso da substância contra a depressão é off-label, ou seja, não está na bula. A indicação deve sempre partir de um médico psiquiatra, que também acompanhará o tratamento e a evolução do paciente.

A cetamina —ou escetamina, forma modificada da molécula que é oferecida no Brasil— age no cérebro de modo que, em alguns casos, pode mostrar efeitos antidepressivos em poucas horas, diz Valiengo.

Foi o que aconteceu com Carolina, que começou a se sentir melhor 24 horas após a primeira aplicação. Depois de três sessões, ela já conseguiu voltar a trabalhar.

Atualmente, a médica repete o procedimento uma vez por mês como manutenção.

O psiquiatra ressalta que a cetamina é especialmente indicada em casos de ideação suicida. "Um estudo recente com 156 participantes, publicado na revista médica "The BMJ", demonstrou a diminuição de mais de 63% da ideação suicida dentro de três dias após a aplicação de uma dose de cetamina contra apenas 30% de redução no grupo placebo."

O tratamento, no entanto, é contraindicado para pacientes com quadros psicóticos ou dependentes químicos. Algumas condições clínicas, como hipertensão arterial, doença cardíaca ou pulmonar, precisam ser controladas antes das aplicações. Por isso, alguns exames podem ser solicitados pelo médico responsável.

Tiago Gil esclarece que as sessões devem ser sempre acompanhadas por um anestesista, que vai checar os batimentos cardíacos, a oxigenação e a pressão arterial, como ocorre em cirurgias.

Durante o procedimento, a pessoa vai sentir os efeitos psicotomiméticos da substância, que é considerada um psicodélico, como a sensação de estar fora do próprio corpo. "É importante que o paciente esteja acompanhado de alguém de sua confiança, como um familiar ou mesmo o psicólogo", diz Gil.

A aplicação é feita em uma sala ambulatorial, equipada com aparelhos hospitalares, fones de ouvido para ouvir música e iluminação baixa que proporciona relaxamento. No espaço, além de paciente e médico, pode ficar o acompanhante.

Durante e após a administração da cetamina, podem ocorre náuseas, cefaleia e visão turva, mas esses efeitos costumam durar no máximo uma hora. É contraindicado dirigir ou operar máquinas no mesmo dia da infusão.

Geralmente são indicadas seis sessões que são feitas ao longo de um mês para avaliar a resposta contra os sintomas de depressão. Dependendo do resultado, podem ser realizadas mais infusões com um espaço de tempo maior, que será definido pelo médico.

Leandro Valiengo explica que o tratamento é acompanhado por um psiquiatra, que vai analisar a necessidade de o paciente também continuar tomando medicamentos orais, como antidepressivos e moderadores de humor.

Além da forma endovenosa, a cetamina pode ser aplicada por meio de um spray nasal. Ambas são realizadas em ambiente hospitalar.

Cada aplicação endovenosa custa em média R$ 2.000. A de spray sai por R$ 2.500 cada frasco, mas em uma sessão costumam ser utilizados dois ou três frascos.

O tratamento ainda não é oferecido pelo SUS (Sistema Único de Saúde).

Valiengo diz que, caso o paciente não apresente melhora no quadro depressivo após o uso de cetamina, existem outros tratamentos que podem ser testados, como a neuromodulação ou Estimulação Magnética Transcraniana (EMT) e a terapia eletroconvulsiva (ECT).

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