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Saúde Mental - Sílvia Haidar
Sílvia Haidar
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Depressão em idosos tem como sintomas dor e isolamento

Psiquiatra explica a doença e a importância do apoio da família

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São Paulo

A depressão em idosos tem características diferentes de quando se manifesta em pacientes jovens. Os sintomas são predominantemente físicos, com relatos de dores que não melhoram, fraqueza e falta de memória.

"Na consulta, o idoso não fala que sente tristeza. Ele fala 'não tenho vontade'. Aí o médico vai ter que captar isso", explica Tânia Correa de Toledo Ferraz Alves, médica psiquiatra e psicogeriatra, vice-coordenadora do Proter do IPq-HCFMUSP (Programa Terceira Idade do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo) e coordenadora do departamento de psicogeriatra da ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria).

A principal consequência é o isolamento. Nos últimos anos, em decorrência das restrições causadas pela pandemia da Covid-19, os idosos interromperam atividades que antes faziam parte do dia a dia, e muitos não conseguiram retomar a rotina até hoje.

Alves ressalta que o apoio e a envolvimento da família são essenciais para que o tratamento contra a depressão tenha resultado.

"Mesmo na hora de marcar um médico, não basta dizer apenas 'procure tratamento', 'vá ao médico', é preciso marcar a consulta, ir junto, marcar os exames, acompanhar", afirma.

Além disso, é importante incluir o idoso na programação familiar, mas sempre respeitando os horários dele. "Aquilo que para um jovem parece fácil, como pedir um Uber e ir até um evento, pode não ser para uma pessoa mais velha. A família precisa encontrar meios de inserir essa pessoa nas atividades e ajudar na socialização", diz.

Leia a seguir a entrevista com a psiquiatra.

Tania é uma mulher branca de cabelos lisoso na altura do pecoço; ela usa óculos, veste uma blusa cor de rosa e sorri para a foto
A médica psiquiatra e psicogeriatra Tânia Correa de Toledo Ferraz Alves - Arquivo Pessoal

Por que algumas pessoas idosas, que nunca tiveram depressão antes, podem começar a ter sintomas depressivos?
Essa pergunta é muito interessante porque o primeiro passo quando a gente avalia uma depressão no idoso é essa a dúvida que surge. A gente pode ter um idoso que teve uma depressão lá pelos 20, 30 anos, e envelheceu. Geralmente, nesses casos, podemos ter um componente genético, uma família com outros casos de depressão. Você tem um fator mais biológico ligado a esses aspectos na abertura da depressão.

Já os quadros que aparecem na terceira idade de uma pessoa que nunca teve depressão e, de repente, tem um primeiro episódio, ou esse primeiro episódio é diferente dos que teve anteriormente, há outros fatores importantes que devem ser investigados. Um desses fatores é avaliar se há uma doença clínica por trás desses sintomas depressivos, como hipotireoidismo, anemia e até um AVC (acidente vascular cerebral).

Também devemos considerar os fatores psicossociais, que são o isolamento, aposentadoria, perdas financeiras, luto. Esses aspectos respondem por uma grande parte da depressão na terceira idade. Aí dá para entender alguns dados que a gente tem, como o de que houve um aumento muito importante dos quadros depressivos e de risco de suicídio em idosos durante o isolamento provocado pela pandemia da Covid-19. Porque eles pararam de trabalhar, muitos ficaram em casa sem atividade, isolados, e isso fez com que aumentasse muito o quadro depressivo nessa população.

Outra coisa que ocorre nesse período da vida é uma sensação de esvaziamento. É quando você se sente mais sozinho. Por exemplo, um casal que passou a vida trabalhando, cuidando dos filhos, agora são dois aposentados dentro de casa vazia. É muito comum o idoso não ter projetos para essa fase.

É nessa fase que as relações interpessoais mais leves, que a gente acaba não valorizando tanto durante a vida, mais fazem falta, como encontrar um colega para tomar um café, ter uma companhia para conversar.

A gente ouve muito dos idosos a sensação de sobrevivência. É comum ouvir de uma pessoa de 80 ou 90 anos coisas assim: "meus amigos faleceram, perdi pessoas queridas, estou só". Eu tinha uma paciente 95 anos que falava: "Deus se esqueceu de mim. Até o padre da minha igreja já morreu e eu estou aqui".

Esses sintomas depressivos podem ser reflexo de outras doenças, que deixam o paciente com menos energia e mais desmotivado?
Sim. Tanto é que sempre num primeiro episódio depressivo na terceira idade, ou quando há uma mudança da depressão, por exemplo, a pessoa tinha uma depressão com uma característica de insônia e inapetência, e de repente o quadro dela se modifica, a gente tem que investigar as causas orgânicas.

É importante fazer exames gerais, como o de tireoide, hemograma, avaliar se há anemia, doenças reumatológicas. Também é importante exame de neuroimagem para verificar se houve um AVC, uma lesão de substância branca.

As doenças cardiovasculares, hipertensão, diabetes, podem facilitar algumas alterações cerebrais que podem gerar o que a gente chamava de depressão vascular, que são quadros depressivos associados a pequenas lesões que a gente vê na ressonância.

Quando um idoso está com sintomas depressivos, qual profissional ele deve procurar primeiro?
O geriatra usa algumas escalas, por exemplo, que facilitam o rastreio da depressão. Faz parte exame geriátrico pesquisar causas depressivas quando há queixas. Da mesma forma que o psiquiatra avalia, e avalia a parte cognitiva, avalia a parte clínica. Então é uma interface. Para quadros leves, o geriatra tem capacidade de tratar. Mas para quadros moderados e graves, é bom procurar um psiquiatra.

O psicólogo vai auxiliar o tratamento, principalmente na modificação daqueles fatores psicossociais, como a modificação de estilo de vida, que é importante para manter a pessoa bem.

A depressão em idosos tem características específicas e diferentes da de pacientes mais jovens?
Sim. Enquanto no jovem, frequentemente, a gente vai ouvir queixas sobre tristeza, desânimo, e até um conhecimento maior da percepção do humor, no idoso é mais comum ouvir queixas físicas, como fraqueza, dor de cabeça, dor em várias partes do corpo.

Tanto é que a gente ensina na prática clínica para o médico suspeitar daqueles idosos que estão indo com muita frequência à UPA (Unidade de Pronto Atendimento) ou à UBS (Unidade Básica de Saúde), com uma queixa num dia, na semana seguinte com outra queixa, com dores que não melhoram.

O sintoma físico, doloroso, é muito comum no idoso com depressão. Assim como também é muito comum sintomas mais leves de depressão, chamados subsindrômicos.

Na consulta, o idoso não fala que sente tristeza. Ele fala "não tenho vontade". Aí o médico vai ter que captar isso. Porque o idoso não vai ter mais prazer para fazer coisas que ele gostava antes, como ler, visitar os familiares, telefonar para os amigos, ele se isola. Então a gente vai ver uma mudança no comportamento.

Outro sintoma comum no idoso com depressão é o comprometimento da memória. A queixa de esquecimento é muito frequente. Porque na depressão a pessoa fica mais desatenta, aí ela começa a ter esquecimentos. E muitas vezes esse idoso vai parar no médico com medo que seja Alzheimer, mas quando o médico avalia percebe que o prejuízo, na verdade, é uma falta de atenção, não é um prejuízo de memória propriamente dito, mas é secundário. Existia até um nome no passado que era a pseudodemência depressiva, porque ao tratar a depressão, a memória melhora.

O idoso com depressão tem uma perda muito grande da funcionalidade e da qualidade de vida. Ele tem muitos sintomas físicos, com queixas de dores que não melhoram, dores de estômago, uma somatização.

Como é o tratamento da depressão em idosos?
O tratamento muito frequentemente utiliza-se de antidepressivos. Quadros leves podem ser tratados com mudanças de estilo de vida, atividade física e psicoterapia. Mas quando a gente fala de uma depressão propriamente dita, muito provavelmente vai precisar de medicação.

É importante sempre ressaltar que o antidepressivo tem que ser prescrito por um médico, que vai saber receitar de uma forma segura para o idoso. Porque o idoso geralmente toma mais medicamentos, como remédios para pressão alta, para diabetes. Então, quando o médico escolhe uma medicação para para o idoso, ele leva em conta a polifarmácia que esse paciente geralmente está submetido. Tem que pensar em termos de interação medicamentosa.

O idoso também é um pouquinho mais vulnerável a efeitos colaterais. Temos que sempre introduzir a medicação numa dose mais baixa e ir aumentando lentamente. A cada duas ou três semanas é preciso reavaliar a dosagem. A gente tem que aguardar a resposta do medicamento, que no idoso costuma demorar mais. Enquanto em um paciente jovem o resultado aparece de três a quatro semanas, no idoso costuma levar de seis a oito semanas.

E, como já foi dito, sempre investigar se há doenças clínicas associadas. Às vezes o paciente não está respondendo ao antidepressivo porque a dosagem ainda não é a ideal, ou porque ele tem outra condição, como um hipotiroidismo que precisa ser tratado. A fragilidade e a multimorbidade do idoso são questões que a gente precisa sempre avaliar enquanto estiver tratando o paciente

É mais difícil introduzir novos hábitos de vida para pessoas idosas?
Mudar hábitos é difícil para todo mundo, jovem ou idoso. É preciso ter motivação para mudar a rotina, um porquê individual. Eu sempre pergunto: qual é o seu motivo para mudar? Por que você deixaria continuar do jeito que está? O que você ganha com isso?

É preciso levar em consideração também que o idoso tem atrofia cortical, o cérebro dele tem uma perda com o passar da idade. Isso é natural. E umas das áreas que se perde é o córtex pré-frontal. Essa área é responsável pela flexibilidade mental. Por isso os idosos têm dificuldade para aprender coisas novas, precisam repetir várias vezes para aprender.

O que vai fazer toda a diferença é a participação da família. Os idosos precisam de mais estímulo para mudar algo na rotina. Por isso, quando a gente vai propor uma mudança, é preciso fazer isso proativamente. Por exemplo, quando você sugere uma atividade física, não pode só falar isso, tem que ajudar essa pessoa a se organizar. Se for matricular numa academia, procure uma que acolha o idoso, leve-o até lá antes de começar, faça a matrícula com ele, converse com o professor, acompanhe, especialmente nos primeiros dias.

É importante montar uma estratégia para ajudar esse idoso a se organizar. Se ele não conseguiu de uma determinada forma, não gostou de uma atividade, vamos tentar outra.

Um hábito se modifica quando você consegue manter a rotina por, pelo menos, de três a seis meses. A partir daí, você não vai mais ter que pensar muito antes de realizar essa atividade, pois ela já vai fazer parte do seu cotidiano.

O que os familiares podem fazer para dar apoio e estimular uma vida social mais ativa?
Esse apoio é fundamental: levar aos eventos, convidar, incluir nas atividades. Mas também é preciso lembrar que o idoso tem a rotina dele, e a gente tem que respeitar seus horários.

Quando for convidar para um almoço, por exemplo, não pode ser num horário muito mais tarde do que a pessoa está acostumada. A gente tem que fazer um pouco de flexibilização para que essa pessoa participe.

Aquilo que para um jovem parece fácil, como pedir um Uber e ir até um evento, pode não ser para uma pessoa mais velha. A família precisa encontrar meios de inserir essa pessoa nas atividades e ajudar na socialização.

Mesmo na hora de marcar um médico, não basta dizer apenas "procure tratamento", "vá ao médico", é preciso marcar a consulta, ir junto, marcar os exames, acompanhar.

Cada vez mais vemos idosos vivendo sozinhos. E mesmo que ele esteja bem morando na casa dele, é preciso agir para que ele não se isole, como aconteceu durante a pandemia. Muitos perderam pessoas queridas para a Covid-19, perderam as atividades que faziam antes e até hoje não conseguiram retomar a rotina.

Muitas vezes é necessário ajudar essas pessoas a se reinserir. Buscar atividades nas unidades do Sesc, por exemplo, faculdades da terceira idade, verificar a programação em centros culturais do bairro, nos centros de referência do idoso (CRI). É interessante que muitas vezes, a partir de um primeiro movimento, a pessoa volta a sentir prazer na vida. Ela começa a fazer uma atividade física num local, lá ela conhece outra pessoa que também está sozinha, faz amizade, encontra outro grupo com os mesmos interesses que ela, e volta a socializar.

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