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Sons da Perifa - Jairo Malta
Jairo Malta
Descrição de chapéu Rock in Rio Rock in Rio

Brô MCs: Conheça o primeiro grupo de rap indígena a tocar no Rock in Rio

Grupo traz mensagem sobre os isolados, indígenas que rejeitam contato com não indígenas e perseguição

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Brô Mc’s: primeiro grupo de rap indígena a pisar no Rock’in Rio

Brô MCs: primeiro grupo de rap indígena a pisar no Rock in Rio João Albuquerque

São Paulo

"A gente nunca pensou que a nossa música atravessaria o nosso território aqui do lado e, agora, estamos no Rock in Rio. Isso é um sonho pra gente, mas também é uma retomada" conta Bruno, integrante e criador do Brô Mc 's, primeiro grupo musical indígena a pisar no festival Rock in Rio. Eles se apresentam no próximo sábado (3/9) no palco Sunset, à convite do artista e rapper carioca, Xamã.

A realidade dos artistas indígenas —que preferem usar os nomes artístico por medo de ameaças— Ch, Bruno Vn, Tio Creb é Kelvin Mbaretê , integrantes do Brô, é o retrato real da pressão do agronegócio sobre as terras indígenas. Eles moram nas aldeias Bororo e Jaguapiru, quase que engolidos por grandes fazendas monocultoras situadas no município de Dourados, em Mato Grosso do Sul, a 235 quilômetros de Campo Grande.

Brô Mc’s: primeiro grupo de rap indígena a pisar no Rock’in Rio
Da esq. Ch, Bruno Vn, Tio Creb é Kelvin Mbaretê, integrantes do Brô - João Albuquerque

Os artistas vivem em pequenos terrenos, encurralados pelo mar de muros dos condomínios e fazendas do agronegócio que rodeiam a reserva Francisco Horta Barbosa, sobreposta às suas aldeias. Com pouco mais de 3,5 mil hectares, a reserva conta com a maior quantidade populacional indígena por metro quadrado no país, e chega a abrigar aproximadamente 20 mil indígenas dos povos Terena, Guarani e Kaiowá.

Essa condição é a prova viva da contradição dos discursos presidenciais de Bolsonaro, nessa reserva, visivelmente "é muito 'índio' para pouca terra". A alta densidade populacional nas aldeias agregada ao preconceito e à violência vivenciados pelos indígenas, têm reflexo direto em abuso de álcool e em uma taxa de suicídios três vezes maior do que a média nacional.

Foi por viverem imersos nessa cena de conflito e morte, que Bruno começou a se identificar com o Rap. Em 2007, ainda criança, se sentiu atraído por um programa de rádio chamado "Ritmos na Batida", que vez ou outra tocava rap, ritmo até então desconhecido e que logo ganhou atenção da aldeia. O flow de protesto cativou Bruno, que logo começou a se expressar, cantar e compor com seu irmão Clemerson.

Daí, impulsionados por um professor, eles começaram timidamente a se apresentar em escolas e outros pequenos espaços culturais de Dourados e, finalmente, em 2009, Kelvin e Charlie também se aproximaram do rap e eles decidiram criar o primeiro grupo de rap indígena do Brasil. "Brô" é uma gíria comum entre os jovens da região, e faz referência a palavra em inglês "brother", que significa irmão, e deu o nome ao grupo.

Em suas letras —cantadas em guarani— os Brô’s entoam e denunciam as consequências do empobrecimento cíclico em que seu povo foi condicionado, falam para os "seus" sobre o confinamento humano no espaço em que vivem, alertam sobre pressão e falta de oportunidade para os indígenas dessa região e reforçam suas ancestralidades e a importância das suas casas de reza.

O movimento de reapropriação de fazendas por parte dos indígenas Guarani e Kaiowá está se fortalecendo nos últimos anos, e é uma forma que eles encontraram de reivindicar seus territórios que foram sendo perdidos pelo lobby do agronegócio.

As chamadas retomadas começaram a emergir nos anos 80, em busca da ocupação dos territórios que foram suprimidos dos indígenas e prosseguem até hoje. Em Mato Grosso do Sul, são ao todo 70 retomadas, que hoje protagonizam uma zona de conflito direto de ruralistas sob os indígenas da região, só neste ano. Retomada também será o nome do álbum que o grupo divulgará em breve.

Após 13 anos de existência, o grupo ainda cria suas músicas em um espaço improvisado, construído pelo pai, Bruno. Ali, naquele quarto que se transformou em um estúdio, o grupo compõe, grava e difunde seu som de maneira independente.

A produção das músicas é feita de ponta-a-ponta pelo grupo, que além de compor, realiza a gravação e mixagem de todas as suas composições. Apesar dos equipamentos de baixo custo, eles conseguem atingir um nível de qualidade sonora que impressiona seus parceiros.

Com apoio do DJ Alok, está em construção o estúdio e a produção do primeiro disco oficial do grupo, previsto para lançamento em breve. A estrutura desse estúdio pretende apoiar outros rappers indígenas na produção musical.

Frente a tantas mudanças, os Brô’s atravessaram o seu rio, agora, estão a caminho do Rock in Rio e muitos outros palcos virão. Após 37 anos de festival, que foi fundamental na consolidação de grandes nomes nacionais e internacionais, tornando-se parte da história e da cultura do nosso país, somente agora se reconhece a importância da presença indígena nesse espaço.

O Brô, além de demarcar espaços em grandes palcos de disputa artística internacional, como o Rock’in Rio, também atua em outras frentes para alertar a sociedade sobre a condição dos povos indígenas no Brasil.

Em breve, o grupo estará lançando junto à campanha isolados ou dizimados uma música em defesa de seus parentes isolados. O Chamado dos Isolados é uma produção que contará com uma música de autoria própria do grupo em parceria com a comunicadora Lídia Guajajara para alertar a sociedade sobre a atual condição dos povos indígenas que permanecem em isolamento.

"Pra gente, compor e fazer parte da campanha é fortalecer a luta dos povos indígenas e fazer com que as pessoas conheçam a importância dos nossos parentes isolados", disse Charlie.

Brô Mc’s: primeiro grupo de rap indígena a pisar no Rock’in Rio
Após 13 anos de existência, o grupo ainda cria suas músicas em um espaço improvisado, construído pelo pai, Bruno - Kauê Terena

A campanha "#IsoladosOuDizimados" alerta para o risco que quatro povos indígenas isolados de quatro áreas diferentes no país correm, caso o governo federal não tome providências legais para a proteção desses territórios.

Até dezembro de 2022, as TIs Pirititi (RR), Jacareúba-Katawixi (AM), Piripikura (MT) e Ituna-Itatá (PA) estarão desprotegidas, pois os dispositivos que garantem sua sobrevivência, as Portarias de Restrição de Uso, vão vencer.

A campanha, assinada pela coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira e Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (Opi) têm o objetivo de recolher assinaturas através de uma petição para pressionar a Funai a renovar as portarias e avançar com os processos de demarcação definitiva dos territórios.

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