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Descrição de chapéu Fies Enem

Recursos públicos para a educação pública

Com orçamento à míngua e lobby privado, novo ministro precisará redobrar atenção

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São Paulo (SP)
Imagem com caderno de anotações, lupa, microscópio e objetos que lembram glifo de ligação química.
Meyrele Nascimento/SoU_Ciência

O Governo Lula terá a missão de reconstruir o país em quase todos os setores e políticas públicas, e que a reconstrução possa ser em novas bases, garantindo direitos constitucionais e políticas públicas universalistas. Ávidos por influenciar os rumos do governo eleito, lobistas e empresários dos mais diversos setores estão disputando como irão abocanhar recursos públicos ou arrebatar patrimônio estatal. O embate mais recente já explicitado foi em torno do marco privatista de água e saneamento aprovado em 2020 e que a comissão de transição colocou o governo Lula em alerta.

A política de educação também está cercada de ciladas e pressões do setor privado, por subsídio e desregulação, além de uma dívida de R$ 87 bilhões do FIES, programa de financiamento da educação superior privada com alta inadimplência e que beneficiou o crescimento das empresas do setor. Outro ralo do recurso público de educação, que comentaremos, é a restituição no Imposto de Renda.

Sabemos que esses desafios se abrem, em grande medida, com a mudança da condução política do país, a partir de 2023, e dependem também de alterações nos rumos da política econômica e tributária, de isenções e renúncias fiscais, da taxação de lucros, heranças e fortunas, e do quanto reservaremos do orçamento da união para o pagamento da dívida.

O debate sobre o auxílio Brasil ou Bolsa Família, que é uma política focalizada necessária, não pode encobrir o que já preconiza a nossa Constituição Federal (CF/1988), apelidada de Constituição Cidadã: um conjunto de direitos sociais a serem garantidos por políticas públicas universalistas, e que devem ser mantidos com recursos públicos e serviços de qualidade. Políticas de Saúde e de Educação públicas, gratuitas e de qualidade, são para todos e não podem ser colocadas em segundo plano, quando as atenções se dirigem à complementação de renda focalizada.

A Constituição estabelece que é dever do Estado garantir aos seus cidadãos a "educação básica obrigatória e gratuita dos 4 aos 17 anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria" (art. 208). Para dar conta dessa obrigação, garantindo um padrão mínimo de qualidade à educação escolar, e reduzir as desigualdades, ela determina que 18% das receitas de impostos da União e 25% das receitas de Estados e municípios sejam direcionadas à manutenção e ao desenvolvimento do ensino.

A prioridade do Estado, portanto, é clara: deve oferecer educação pública obrigatória, gratuita e de qualidade para todos os seus cidadãos. Um valor mínimo de recursos para financiar a educação básica é estabelecido anualmente. Para as crianças que frequentam os anos iniciais do ensino fundamental, esse valor, em 2022, foi de R$ 5.643,92, custeando todo o ano letivo – em uma conta rápida, são 12 parcelas de R$ 470,33, muito aquém de valores pagos, em média, a estabelecimentos privados de ensino.

De outro lado, as famílias que matriculam seus dependentes em escolas privadas podem abater no Imposto de Renda (IR) parte dos valores gastos em mensalidades. Em 2022, o limite de abatimento foi de R$ 3.561,50 por pessoa declarada, um subsídio que equivale a mais de 60% dos valores gastos com os estudantes de escolas públicas. Esse subsídio retira recursos da educação pública e empurra a classe média para o negócio privado da educação paga – um dos filões mais rentáveis na sociedade do conhecimento. Basta ver as fusões, aquisições e formação de grandes grupos de educação com capital aberto na bolsa, em todo os níveis de ensino. É o direito virando mercadoria – que para ser rentável, abocanha fundos públicos.

Na Educação Superior, o embate entre setor público e privado é também gritante, com o sucateamento das universidades públicas e a captura de fundos públicos pelo setor privado. Se olhamos especialmente a meta 12 do Plano Nacional de Educação (PNE - 2014-2024), o objetivo era alcançarmos 40% das novas matrículas em instituições públicas de ensno superior. Porém, percebemos um movimento contrário na Educação Superior, agravado nos últimos anos. Em 2020, as matrículas nas instituições públicas representavam apenas 22,5% do total e, como já mostramos neste blog, houve queda na matrícula de ingressantes nas públicas e um aumento das matrículas de ingresso no setor privado, principalmente em cursos a distância, com baixas notas no ENADE e altas taxas de evasão.

O setor privado pressiona pelos dois lados, na sucção de orçamento público para financiamento direto e indireto do setor (ProUni, FIES, isenções fiscais) e por desregulação, como no caso da EAD e do aumento de ensino a distância mesmo em cursos presenciais – o que é uma forma de aumentar os lucros.

Enquanto o setor privado encontra novos filões de negócios, o financiamento público da Educação Superior Pública está em colapso. Nos últimos 5 anos as Universidades Federais perderam mais de 30% de seus recursos orçamentários de custeio e manutenção e mais de 90% de recursos para obras, compra de livros e equipamentos. Essas reduções, que atingiram todos os estudantes, mas principalmente uma nova população de jovens que ingressou na universidade via ações afirmativas, fizeram parte de um contra-projeto educacional do MEC, fomentando deliberadamente uma crise, com a tentativa maltrapilha de ofuscamento via guerra ideológica contra as Universidades.

Em relação aos recursos para a pesquisa, mostramos igualmente que a CAPES, o CNPq e o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), órgãos fundamentais para o financiamento das instituições públicas de pesquisa do país, tiveram seus orçamentos drasticamente reduzidos nos últimos anos. Mas, mesmo com todos os esforços para negar a importância de nossas universidades e institutos de pesquisa, estudantes, docentes técnicos, cientistas continuaram firmes, estudando, trabalhando e produzindo conhecimentos.

A nova gestão do MEC precisará se organizar para avançar decisivamente no cumprimento das metas do PNE 2014-2024, além de mobilizar os Fóruns e Conferências Nacionais para construir um novo PNE (2025-2034), democraticamente e em novas bases. Será fundamental cumprir com a elevação do investimento em Educação para 10% do PIB.

E o princípio fundamental a guiar essa reconstrução deve ser a de aplicação de recursos públicos na educação pública. Afinal, em tempos de carestia, a reorganização do Sistema Nacional de Educação e a reconstrução do Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia devem ser protegidas das pressões de poderosos lobbies empresariais, que entendem a Educação e a Ciência meramente como mercadorias e oportunidades de expansão de lucros privados.

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