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Mais Médicos e o fortalecimento do SUS

Retomada do programa é acertada e escolas de medicina precisam ser fortalecidas

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São Paulo (SP)
Parte superior do mapa do Brasil em tons de verde e diversas cruzes brancas de diferentes tamanhos na frente, duas delas são maiores, ganharam botões pretos e foram transformadas em roupas para um médico e uma médica, ele usando óculos e um estetoscópio em volta do pescoço e ela de cabelos compridos e carregando uma maleta branca, ambos com mãos e pernas estilizados nas pontas das cruzes.
Daniel Bueno/SoU_Ciência

O novo programa Mais Médicos foi lançado oficialmente pelo Presidente Lula no último dia 20 de março, retomando o programa anterior, mas com algumas diretrizes e prioridades novas. Estamos virando uma página da história brasileira, saindo de um ciclo de necropolítica para o de defesa da vida. Como veremos, o Mais Médicos precisa estar acompanhado de outras ações, articuladas ao SUS e ao fortalecimento e atualização dos currículos dos cursos de medicina.

Sem dúvida alguma, a retomada do programa é uma iniciativa importante e necessária, especialmente porque, como já sabemos, no Brasil, temos o número de médicos formados por habitante similar ao dos países desenvolvidos, porém, com uma péssima distribuição no território nacional. A diferença entre médicos por 1.000 habitantes chega a 5 vezes comparando o Estado com maior e menor cociente. E dentro dos Estados, há também enorme disparidade entre as capitais e o interior, em especial pequenas cidades.

Trata-se de um problema antigo, que tem diversas razões, algumas mais facilmente reconhecíveis, outras não tão evidentes. O Brasil é um país de dimensões continentais, o que reflete em uma ampla diversidade e desigualdade de situações sociais, econômicas e de infraestrutura. O número de médicos nos estados da região Sudeste é muitas vezes superior ao número atuante nos estados da região Norte. Além disso, as necessidades regionais são diferentes. Em alguns lugares, há maior necessidade de médicos generalistas e clínicos gerais, em outros, há a ausência de algumas especialidades e de tratamentos de maior complexidade. A questão econômica, mas principalmente, a ausência de uma política de distribuição e fixação de profissionais, incluído carreiras de Estado, podem também influenciar.

É preciso reconhecer que o lançamento do primeiro Programa Mais Médicos foi fundamental e atendeu aos brasileiros e brasileiras que tinham maior necessidade de Atenção em Saúde. Já foram realizados diversos balanços acadêmicos sobre o programa, incluído avaliação da satisfação dos usuários. Entre as dificuldades relatadas (como melhoria na infraestrutura, maior disponibilidade de medicamentos e contínua ampliação do corpo médico), algumas podem ser agora corrigidas e aperfeiçoadas. A discussão não pode e não deve ficar reduzida à questão da vinda de médicos estrangeiros para atuar no Brasil. Este nem sequer era um problema, tendo em vista que os médicos estrangeiros sempre foram convocados para as vagas sobrantes, não ocupadas por médicos brasileiros.

O atual programa privilegiará, novamente, a contratação de médicos formados no Brasil e terá ações de estímulo à permanência desses profissionais em áreas remotas ou periféricas do país. Entre as políticas de retenção anunciadas estão o pagamento de bônus aos médicos que se dispuserem a trabalhar onde ninguém quer e a facilitação de ingresso em programas de especialização, com apoio de centros de excelência em medicina, além de auxílio moradia.

Outros fatores estão relacionados à ausência de política de médio e longo prazo que garantam estabilidade na distribuição de profissionais em toda a rede do SUS. E isso depende também de um programa abrangente que corrija as distorções relativas à formação de médicos. Certamente, a prioridade não é abrir mais escolas de Medicina, que no último governo Bolsonaro tiveram campo fértil para sua proliferação, todas privadas. A questão agora é investir na qualidade e na dimensão pública da formação. É preciso também resolver a questão dos milhares de médicos brasileiros que se formaram em outros países e que poderiam ter revalidação de diplomas de forma ágil para diminuir a fila, sem perder a qualidade na avaliação.

Precisamos fortalecer e ampliar os cursos de Medicina de nossas universidades públicas, que apresentam enorme potencial para a formação de qualidade. E incentivar a formação de médicos e médicas voltados ao SUS, para que conheçam o funcionamento e organização do sistema e sejam nele incluídos. A mudança do perfil de estudantes, graças à política de cotas, nos traz alunos com outras trajetórias de vida, classe, raça/etnia, nascidos e criados no SUS, que certamente darão importância a carreiras públicas na prática médica para ampliação e melhoria do sistema.

É preciso também realizar programas de formação continuada aos próprios professores, pois pouco conhecem de maneira profunda o serviço público de saúde do nosso país. Há, ainda, a questão da falta de ambientes apropriados de formação, inclusive algumas universidades federais com cursos de medicina não possuem hospital ou cenários de formação prática.

Em relação às faculdades ou centros universitários privados, há muito o que fazer, especialmente na regulação e fiscalização, além de um sistema de avaliação que incentive os cursos que tenham qualidade e possa fechar aqueles que não reúnem condições suficientes para a formação de um médico ou médica aptos a lidar com a vida humana. Como no setor público, é preciso possibilitar que estes profissionais recebam uma formação adequada e estejam preparados para atuarem no SUS.

A formação médica e seus elementos curriculares devem ser direcionados para a solução dos grandes problemas da sociedade, incluindo o envelhecimento progressivo da nossa população. Precisamos trabalhar nos cenários de prática, na formação continuada dos professores e preceptores, na inclusão da pesquisa como elemento da formação científica e cultural, na inclusão de novas tecnologias, no conhecimento sobre o SUS e como atuar nele, no direcionamento de especialidades de acordo com as necessidades regionais, entre outros fatores. Em todos os casos, é preciso perguntar: para quem e para o que estão sendo formados os novos médicos e médicas?

A retomada do Mais Médicos deve ser celebrada, pois é um programa necessário, que traz elementos da experiência do primeiro programa, incorretamente boicotado e cancelado pelo Governo Bolsonaro, quando poderia ter suprido inúmeras carências e atuado decisivamente na pandemia. Virada a página da necropolítica e do negacionismo, agora também é possível avançar nas Políticas de Educação Superior voltadas para a formação de médicos e médicas com qualidade, bem como na inserção deles após sua graduação. Temos todas as condições para isso, e estaremos em sintonia com as necessidades da nação e da defesa da vida

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