Sylvia Colombo

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Descrição de chapéu América Latina

Colômbia terá de ouvir gritos das ruas em eleição presidencial

País escolhe presidente ainda neste primeiro semestre, em clima de renovação política

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Buenos Aires

As eleições presidenciais colombianas de 2022 terão pouco a ver com as anteriores, de 2018. Naquela ocasião, havia um racha essencial no país por conta do acordo de paz entre o Estado e a guerrilha das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), que persiste, mas com matizes. Na época, o caudilho de direita Álvaro Uribe ainda dava as cartas de modo influente na decisão dos eleitores. E quem surgia como figura algo perturbadora era Gustavo Petro, um ex-guerrilheiro do M-19, que já havia abandonado as armas por meio de um acordo de paz e já estava domesticado pela vida política _havia sido prefeito de Bogotá e senador_, embora gerasse altíssimas taxas de rejeição.

Nesse contexto, acabou vencendo um apadrinhado manso de Uribe, o direitista moderado Iván Duque, que gostava de se apresentar como um "radical de centro". Sua derrocada em tantas áreas, porém, como a implementação da paz, as reformas trabalhista e tributária, no enfrentamento da pandemia, são uma má notícia para a direita mais moderada e dialogante que ele representa e que vinha seguindo sua figura.

Com sua popularidade agora despencando, a trágica morte de quem poderia ser uma continuidade a seu estilo não-caudilhesco era o ex-chanceler Carlos Holmes Trujillo, que morreu de Covid em janeiro de 2021. Por ora, parece que restará ao uribismo voltar a apoiar uma opção de direita das cavernas que parecia já ter saído das páginas da história. Trata-se de Óscar Iván Zuluaga, rival de Santos em 2014.

Zuluaga, ultraconservador nos costumes e apostando no discurso "anti-comunista" havia sido assessorado pelo brasileiro Duda Mendonça numa campanha em que usava a letra "Z" de seu nome como a de Zorro, e que usou ilegalmente informação secreta surrupiada das Forças Armadas para atacar o então presidente Juan Manuel Santos. O "Z" era uma afronta aos que punham tantos esforços na negociação de paz, pois significava diretamente apostar numa vingança, ou seja, em mais guerra.

Foi derrotado pelo depois Nobel da Paz Juan Manuel Santos, este sim responsável por desmobilizar a guerrilha, com todos os desafios que a tarefa ainda impõe.

O registro de candidatos na Colômbia pode ser feito até o fim de março, e há tempo para que a direita uribista escolha uma opção um pouco mais palatável que Zuluaga. Já na esquerda, o candidato deve ser o mesmo, pelo menos no nome. Trata-se de Gustavo Petro. Com alianças mais e alianças menos, o esquerdista deixou um pouco de ser visto como o "Chávez colombiano" e se beneficia hoje nas pesquisas pela adesão de parte da centro-esquerda e do enorme número de insatisfeitos que tomaram as ruas a partir de abril de 2021, e que podem mudar o curso dessa eleição se confirmarem sua adesão a Petro.

Uma ativista pinta o rosto com as cores da Colômbia em protesto em maio de 2021, em Bogotá
Uma ativista pinta o rosto com as cores da Colômbia em protesto em maio de 2021, em Bogotá - Jhon Paz/Xinhua

Naquela ocasião, o que começou como uma greve em protesto a uma proposta tributária espalhou-se por mais de 500 municípios, deixando cifras assustadoras de mobilização e de repressão. O apoio aos protestos teve, a uma semana de iniciados, 75% do apoio dos colombianos. Legiões de trabalhadores informais que estavam excluídos pelas medidas de quarentena somavam-se aos manifestantes.

Entre outras coisas, mostrou como o país vinha sofrendo o impacto da pandemia na economia, a escassez de trabalho com a chegada de tantos venezuelanos por conta da crise humanitária e as consequências de implementar uma paz com a guerrilha de forma incompleta, sem, por exemplo, a reforma agrária e o programa de reinserção dos ex-combatentes à sociedade, pilares do documento. E mais, sem as políticas de pacificação do campo das facções armadas que hoje se fortalecem com dissidências e ainda fazem da Colômbia o país com maior número de deslocados internos no Ocidente, segundo números das Nações Unidas.

Não é certo que Petro tenha a resposta para todas essas questões, mas sim que sua abordagem seria totalmente outra que não a do enfrentamento e muito menos a da repressão. Seu compromisso com o acordo de paz esteve dado desde o início das negociações. Nas últimas semanas, uma investigação das Nações Unidas apontou para o assassinato de 11 jovens manifestantes pelas forças de segurança. Trata-se de um massacre. Petro propõe reformá-las. Segundo a ONG Temblores y Amnistía Internacional, desde 28 de abril a 20 de julho de 2021, ponto alto dos protestos, houve ao menos 103 casos de lesões oculares.

Os números das pesquisas mais recentes dão a Petro uma ampla vantagem no pleito deste ano, pelo menos com o cenário como se vê hoje. Se em parte isso está relacionado com a política meticulosa de alianças que vem fazendo desde sua última derrota, também tem a ver com o fato de ter capitalizado parte desse sentimento das ruas, que ainda é de muita tensão e bronca.

Mas, nem tudo aponta para uma polarização evidente. Algumas publicações, como a The Economist, vêm apostando em que um candidato de centro teria espaço para meter-se no segundo turno e derrotar Petro ou mesmo, no caso de isso ocorrer, o uribismo.

Neste momento, segundo a pesquisa mais atualizada, a da Invamer, Petro tem 43% das intenções de voto. Zuluaga tem apenas 12,7%. Portanto é neste amplo espaço que o centro irá jogar as principais fichas daqui até março, na escolha das candidaturas, e em 29 de maio, quando ocorre o primeiro turno.

Neste grupo, estão pré-candidatos de distintas correntes. O intelectual progressista Alejandro Gavíria, o centrista Sergio Fajardo (conhecido como o homem que deu nova vida a Medellín), Juan Manuel Galán, filho do liberal histórico assassinado em plena campanha nos anos 1980. A chamada Plataforma da Esperança reúne, por ora, demasiadas boas intenções e trajetórias admiráveis. Mas, serão capazes de transformar isso numa candidatura competitiva?

Uma transformação sociológica importante se mostrou no último Barómetro das Américas, que mostrou que a distribuição ideológica da Colômbia vem se deslocando devagarzinho para a esquerda. Na verdade, era até esperado, como comentou comigo em uma entrevista Enrique Peñalosa, ex-prefeito de Bogotá e ex-candidato a presidente, ainda durante as negociações. Sua tese era de que, com a guerrilha marxista largando as armas, a esquerda passaria a ser mais palatável e até entrasse de vez na moda num país em que até então tinha sido sinônimo de dor e de mortes ligadas à luta armada. Acrescente-se a isso as ondas de renovação do eleitor jovem e sua agenda feminista, pacifista, pró-ambiente e diversidade.

O quanto à esquerda pode ser esse giro, é o que veremos nesta eleição. Se bem marcado, pode dar a vitória a Petro, se apenas parcial e cuidadoso, favorecerá um progressista moderado e verde como Fajardo. Nada disso garante, tampouco, que não cresça um movimento de reação ao "comunismo" aos moldes do que ocorreu em 2016 às vésperas do plebiscito do paz ou da eleição de Gabriel Boric no Chile, quase ameaçando a vitória deste no segundo turno com um verdadeiro "frenazo" conservador.

Assim como Piñera no Chile, é muito pouco o que Iván Duque pode fazer para influenciar sua eleição ou mesmo apoiar um candidato. Seus mais de 70% de desaprovação jogam contra. Espera-se, ao menos, dele, que conduza a transição de modo democrático e civilizado como estamos precisando ver cada vez mais na região.

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