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Ortega deixa ex-aliados definharem na prisão na Nicarágua

Misteriosa morte do preso político Hugo Torres expõe crueldade da ditadura

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Buenos Aires

Nos anos 1970, quando a Nicarágua também vivia uma ditadura, um comando de guerrilheiros sequestrou alguns altos funcionários do regime que estavam numa festa na embaixada dos EUA em Manágua. Depois de dias de negociação, os reféns foram soltos sob uma condição, deveriam liberar 14 presos políticos que estavam detidos ilegalmente.

Quem comandou esse levante foi o ex-general Hugo Torres, e um dos presos políticos que foram libertados nesta operação foi o então também guerrilheiro Daniel Ortega.

Neste sábado, a ditadura, agora de Ortega, deixou Hugo Torres, seu antigo aliado e responsável pela sua liberdade, morrer depois de sofrer torturas como preso político na prisão de El Chipote _onde também estão os 47 presos políticos do atual regime recolhidos no ano passado, antes das eleições de fachada que deram um novo mandato ao ditador e à sua mulher e vice, Rosario Murillo.

Torres tinha 73 anos. Por muito tempo depois do evento acima descrito, havia sido parceiro político de Ortega, sendo vice-ministro do interior e chefe das Forças Armadas. As diferenças surgiram nos anos 90, quando Torres passou a discordar dos métodos de Ortega e do rumo autoritário e dogmático que vinha dando ao sandinismo.

O ex-general sandinista Hugo Torres, morto neste sábado na prisão de El Chipote, na Nicarágua
O ex-general sandinista Hugo Torres, morto neste sábado na prisão de El Chipote, na Nicarágua - Oscar Navarrete 03.10.2017/France Presse

Juntou-se, então, a outros dissidentes, como o hoje escritor Sergio Ramírez e Dora María Téllez, no Movimento Renovador Sandinista. Para Ortega, estes ex-aliados hoje têm sido vistos como traidores, e os que não estão presos, ou exilaram-se ou estão sendo buscados sem trégua pelo regime.

Familiares de Torres querem saber o que ocorreu, pois o ex-general, que sequer havia sido julgado, havia entrado com saúde na prisão. Nas últimas visitas, seus parentes foram impedidos de vê-lo. Testemunhas de dentro da prisão afirmam que estava com feridas nas pernas e nas costas, devido às torturas, e que seu estado de saúde vinha se deteriorando.

Vários organismos de direitos humanos já haviam chamado a atenção para as condições insalubres da prisão de El Chipote. E também à irregularidade dos julgamentos, também de fachada, que vêm ocorrendo ali.

O que uma geração de militantes, ativistas e políticos que lutaram contra a ditadura Somoza não podem acreditar é que Ortega tenha colocado o foco em seus ex-aliados. Num primeiro passo, prendendo-os. Agora, ao que parece, deixando que definhem e morram sob a custódia do Estado.

Pouco antes de ser levado à prisão, Torres gravou um vídeo e o divulgou em suas redes sociais: "Há 46 anos, arrisquei minha vida para tirar Daniel Ortega e outros companheiros da prisão. Mas assim dá voltas a vida, os que algum dia defenderam princípios, hoje o traem". E acrescentou: "Aos seguidores mais sensatos do que foi o sandinismo, minha mensagem é que abram os olhos, porque estamos sendo levados ao abismo".

Quem também pede notícias de um ser querido preso em El Chipote são os familiares de Dora María Téllez, 66, outra veterana na luta contra Somoza e considerada a mais importante guerrilheira sandinista de sua época. Seus advogados puderam vê-la uma vez e relatam terem visto marcas contundentes de tortura.

Dora havia sido imortalizada pelo Nobel Gabriel García Márquez na crônica "Asalto al Palacio". O escritor colombiano a descreveu como "uma mulher muito bonita, tímida e absorta, com uma inteligência e um bom juízo que lhe servirão para qualquer coisa grande na vida".

Conhecida como "a comandante número 2", liderou o assalto ao Palácio Nacional da Nicarágua em 1978, um dos episódios-chave da Revolução Sandinista (1979).

Dora está agora condenada a 15 anos de prisão por "traição à pátria" e "conspiração", por também ter abandonado Ortega e se juntado ao MRS. Detida inicialmente em junho do ano passado, depois da sentença está sem comunicação e impedida de receber visitas.

Diferentemente dos sete pré-candidatos que pensavam em disputar as eleições contra Ortega no ano passado, Dora não pensava sequer em voltar à política e não concorria a nenhum cargo público. Sua condenação, nessas condições, só se justifica mesmo como puro desejo de vingança.

Até onde será capaz de levar esse ímpeto vingativo, parece ser a saga macabra que já estamos assistindo.

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