Sylvia Colombo

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Descrição de chapéu América Latina

História da 'Gatopardo' traz o melhor do jornalismo narrativo da região

Livro conta a trajetória fugaz e brilhante de marca que reuniu grandes cronistas

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Buenos Aires

Na segunda metade dos anos 90 e início dos 00, várias revistas de cultura e de jornalismo narrativo floresceram na América Latina. Foi o caso da "Etiqueta Negra" (Peru), da "​Malpensante" (Colômbia), da "Anfíbia" (Argentina) e da "Arcadia" (Colômbia), entre tantas. Hoje, muitas desapareceram, com a crise da imprensa gráfica, outras se reinventaram no mundo digital e permanecem como jornalismo feito e consumido por poucos, mas com produções de boa qualidade, apesar dos escassos recursos.

A mais interessante delas foi a "Gatopardo", que nasceu na Colômbia e reuniu as plumas de grandes escritores e jornalistas: Juan Villoro, Leila ​Guerriero, Gustavo Gorriti, Jon Lee Anderson, Ernesto Sábato, Vargas Llosa, Alma Guillermoprieto, Tomás Eloy Martínez, Umberto Eco, Antonio Tabucchi, Carlos Fuentes e tantos outros. Editada com capricho, bom papel e ótimas fotos, estava fadada, infelizmente, ao fracasso, num mundo em que já não havia investidores nem anunciantes para um projeto tão ambicioso e as redes sociais começariam a disputar público com os veículos em papel. Depois de 68 luxuosos números, entre 2000 e 2008, a "Gatopardo" capitulou.

O assessor do então presidente Alberto Fujimori, Vladimiro Montesinos, escoltado por militares, em Lima
O assessor do então presidente Alberto Fujimori, Vladimiro Montesinos, escoltado por militares, em Lima - France Presse - 18.09.2000

É certo que a marca ainda existe, foi comprada por um grupo editorial mexicano, que mantém algo do espírito da original, mas está muito longe de igualá-la. A "Gatopardo" colombiana era uma mistura de "The New Yorker" com "Vanity Fair", com uma obsessão de ser totalmente latino-americana. Em suas edições, havia textos sobre política, cultura e sociedade de quase todos os países da região. Textos longos e de qualidade, fotos cuidadosamente compradas ou encomendadas a craques como Daniel Mordzinski e uma ambição tremenda, saindo com mais de 200 páginas e uma tiragem de 70 mil exemplares por edição.

No livro "Los Últimos Días de Gatopardo" (importado, disponível na Amazon), um de seus fundadores, Miguel Silva, conta a história dos principais textos e da saga para manter a revista viva enquanto durou.

Uma das melhores anedotas é o caso do perfil do peruano Vladmiro Montesinos, assessor do autocrata Alberto Fujimori, hoje preso por crimes de corrupção e contra a humanidade. Para a tarefa, foi convocado o principal jornalista do Peru, Gustavo Gorriti, então exilado no Panamá por ser perseguido por esse mesmo governo. Gorriti mostrou Montesinos como era, entre outras coisas, chefe do esquadrão da morte Colina que, até hoje, tem crimes contra civis peruanos por serem esclarecidos e julgados.

Felizes com o texto, os editores da "​Gatopardo" enviaram mais de 2.500 cópias da revista ao Peru, e quase caíram para trás ao saber que tinham esgotado em poucos dias. Depois, veio a confirmação do quão terrível era Montesinos e que bom jornalista é Gorriti. Os exemplares esgotaram porque o governo mandou comprar todas as cópias, para tirá-las do mercado.

Houve outros textos memoráveis, como o Nobel mexicano Carlos Fuentes cobrindo uma eleição norte-americana, ou o argentino Ernesto Sábato contando como era a vida na cidadezinha de Santos Lugares, onde viveu e morreu, aos 100 anos, em 2011.

É certo que ler "Los Últimos Días de Gatopardo" produz uma sensação de nostalgia, por tempos em que o jornalismo impresso e cultural vivia melhores dias e o prazer insubstituível de folhear uma revista era muito mais comum. Mas vale ler o livro também como inspiração para esses tempos desafiadores e transformadores. Afinal, sempre haverá lugar para contar e ler boas histórias.

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