Sylvia Colombo

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Argentina confia seu futuro a um camaleão da política

Massa começou na direita, foi opositor de Kirchner e se renova no peronismo

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Buenos Aires

Se há uma coisa que não falta a Sergio Massa, 50, é ambição. Se esta característica lhe permitiu sobreviver na volátil política argentina, onde está desde os 18 anos, também o transformou num verdadeiro camaleão, que não duvidou em vestir a camisa que fosse necessária para seguir avançando rumo a seu verdadeiro desejo: o de ser presidente da Argentina.

A estratégia atual, que vinha manejando nos últimos meses em meio ao desgaste político e à desordem econômica do governo, é a de ser o FHC de Itamar Franco, que organizou a economia com o Plano Real, e a partir daí, candidatar-se e vencer o pleito marcado para o ano que vem. O modelo brasileiro, porém, encontrará diversos obstáculos para ter sucesso na Argentina.

Em menos de um mês, em que a Argentina teve três ministros da economia, o peso se desvalorizou 40% e a inflação cavalga para a cifra de 90% anual. Espera-se que, nesta quarta-feira (3), Massa anuncie políticas para deter a disparada do dólar "blue", reconquistar a confiança do agronegócio, segurar os preços altos das tarifas e nos supermercados e, com isso, conter a crescente insatisfação popular. A tarefa que lhe foi conferida por quem verdadeiramente manda no país hoje, a vice Cristina Kirchner, é a de unificar a militância e o peronismo, para que, no ano que vem, o poder não caia nas mãos da oposição.

Qualquer um se assustaria diante da dificílima missão. Mas não Massa, cuja imagem já viralizou em memes em que aparece vestido de Superman. Tendo desperdiçado todas as chances que teve em cargos e eleições anteriores, e não foram poucas, ele aceitou a tarefa vinda da chefe a quem tanto criticou no passado. Se Massa parece ser a última carta do baralho do kirchnerismo para manter-se no poder, esta também soa como a derradeira oportunidade para que Massa não desapareça completamente da política.

É como esse camaleão insondável que abraçará não apenas o ministério de Economia, mas também o de Agricultura e Desenvolvimento Produtivo. Na prática, será um primeiro-ministro, esvaziando ainda mais a credibilidade e a capacidade de ação de Alberto Fernández, a aposta anterior de Cristina, que fracassou.

Massa abriu espaço entre os dois com muito lobby e muita pressão. Chegou à cúpula causando a saída de outros pesos pesados do peronismo que não aguentaram estar num governo junto a ele, caso de Gustavo Béliz e Daniel Scioli.

O superministro argentino, Sergio Massa, que surge como opção do peronismo
O superministro argentino, Sergio Massa, que surge como opção do peronismo - Agustin Marcarian/Reuters

Massa nasceu numa família de classe média, filho de pai peronista e mãe anti-peronista, daí talvez a habilidade de saltar de um lado a outro no que diz respeito a ideologias. Estudou num colégio católico e estudou direito. Não se formou até 2013, quando foi aprovado na última matéria que faltava. Tampouco atuou na área, uma vez que aos 18 já estava militando na UCD (União do Centro Democrático), um partido de direita liberal.

Não durou um ano na agrupação, quando se encantou com o peronismo, partido pelo qual ocupou seu primeiro cargo, elegendo-se deputado da província de Buenos Aires. Sua projeção nacional veio mesmo entre os anos de 2002 e 2007, quando esteve adiante da Anses, o órgão que administra a previdência no país. Numa Argentina castigada pela grave crise econômica de 2001, Massa promoveu políticas de ajudas a aposentados e lutou pela aposentadoria antecipada de mais de 70 mil trabalhadores desempregados que haviam aportado por 30 anos.

Foi fácil, a partir daí, vencer a eleição pela prefeitura do departamento de Tigre, na Grande Buenos Aires. A localidade, às margens do rio homônimo, vivia um "boom" imobiliário e Massa passou de ser o herói dos idosos a candidato dos empresários endinheirados que compraram, na época, terrenos pantanosos para transformar nos famosos "countries", ou condomínios fechados.

Em 2008, quando estourou o conflito da então presidente Cristina Kirchner com o campo, ela dispensou seu chefe de gabinete, que era, quem diria, Alberto Fernández, e chamou Massa para o posto. O desgaste foi rápido, em menos de um ano, ele já estava fora do governo e atacando publicamente a ex-chefe. Voltou a Tigre, armou seu próprio partido, o Frente Renovador, também peronista, e começou a articular seu caminho à Casa Rosada.

Na campanha presidencial de 2015, baseou sua estratégia em criticar Cristina, mas quem acabou ganhando mesmo foi Mauricio Macri, Massa chegou em terceiro. Na de 2019, foi a vez de fazer a campanha atacando a Macri, mas tampouco funcionou. Desanimado porque sua candidatura não descolava, desistiu. A opção foi se aproximar novamente do kirchnerismo, com o sinal verde de Cristina, que o vê como bom articulador político.

Entre suas qualidades estão ser muito ativo e incansável, ao contrário do que se mostrou o atual presidente. Nestes anos todos de vida pública, tem uma imensa agenda e se dá bem com empresários de distintos ramos, inclusive com os de meios de comunicação. É simpático, conciliador e tem muitos amigos em vários partidos.

Entre seus defeitos, a possibilidade de que mude de ideia a qualquer momento, e uma dificuldade de expressar claramente sua posição ideológica, se é que possui uma. Dizem dele que está à esquerda de Macri e à direita de Cristina, e que, como ministro, deve ser um ortodoxo liberal, embora isso dependa do que a chefe lhe peça. Também conta contra a quantidade de derrotas políticas que já acumulou e uma desaprovação de 70%, segundo a Poliarquía.

O que há de certo é que, a partir dessa quarta-feira (3), um novo governo começa na Argentina, com pouquíssimos recursos e muitas esperanças.

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