Thaís Nicoleti

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As habilidades de comunicação de Pablo Marçal

Com fachada antissistema, influenciador social quer ganhar eleição em São Paulo

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Estava demorando para aparecer na disputa eleitoral um "influenciador social", que é, por definição um expert em comunicação. Pouco importam suas propostas para a cidade ou mesmo sua controversa biografia. Valem, isto sim, as suas "habilidades de comunicação", que podemos tentar analisar friamente.

O primeiro ponto a considerar é uma espécie de discurso antissistema, que, de um lado, faz parecer que ele diz tudo o que pensa e, de outro, oferece a promessa vaga de que cada um pode fazer a própria revolução se o estado não atrapalhar, numa linha anarcocapitalista. Ele próprio seria o exemplo, o "case de sucesso" de suas teorias: com menos de 40 anos de idade, amealhou um patrimônio que beira os R$ 200 milhões, investidos em vários segmentos, entre os quais o de educação.

Por volta dos 18 anos de idade, Pablo Marçal, ao que tudo indica, esteve envolvido em uma quadrilha que aplicava golpes bancários virtuais. O que se sabe é que a gangue foi pega, mas ele escapou delatando os comparsas. Ele nega tudo. Sempre que confrontado com esse mau passo de sua carreira, ele diz que só consertava os computadores etc. Aparentemente, o seu eleitorado, composto de "seguidores", faz vista grossa para essa história. De certa forma, é como se isso não fosse um crime, mas apenas uma "esperteza", digna de uma inteligência superior. Quem cai nos golpes – no "fishing" e em outros cada vez mais sofisticados, organizados por equipes – é o proverbial "otário".

Marçal, a propósito, disse acerca de suas habilidades de comunicação, que "fala para nobres e para otários", sendo essa a divisão da sociedade, segundo ele. Com os "nobres", ele não precisa gastar muito de seu talento, pois o seu patrimônio o credencia a ser ouvido por eles. A "habilidade", que, no repertório vocabular antigo, se chamava "lábia", serve para se comunicar com os "otários", muitos dos quais seus fiéis "seguidores" e compradores de seus livros de autoajuda ou de seus "cursos motivacionais".

O fato é que Marçal, embora tenha uma fachada "antissistema", que, reconheçamos, é o seu traço divertido, aquele que salva do tédio os debates eleitorais, é ele próprio fruto desse sistema, que, por óbvio, não pretende mudar. Verdade seja dita: os debates são organizados demais, com muitas regras, minutagem de reposta cronometrada, muita formalidade, e os jornalistas aparecem como agentes desmascaradores de mentiras e falcatruas de todos os candidatos, de saída vistos como gente desonesta que tem de provar que é honesta dentro das regrinhas, sem alterar a voz, sem se emocionar etc.

Marçal não segue o script; ele usa o tempo e o espaço a seu favor. Na verdade, ele remodela uma antiga lição. Quem conheceu Paulo Maluf no seu auge vai lembrar que o jornalista lhe perguntava "x" e ele respondia "y", sendo "y" algo de seu interesse. Hoje, o candidato Ricardo Nunes usa essa técnica (e ainda lê as informações em um pedacinho de papel), mas não funciona. Marçal atualiza essa lição, rompendo o tom cordial, que é a regra principal da mídia. Nunes pergunta: "Candidato, qual é a sua proposta para...?". Marçal: "A minha proposta é tirar o senhor de lá, porque...".

A inserção de elementos da linguagem informal, como em "Boulos não vai sentar a bunda na cadeira de prefeito porque eu não vou deixar", o aproxima do eleitor, traz a emoção (no caso, a raiva) para o debate, quebrando outra regra formal. As falsas acusações a Guilherme Boulos, seu principal adversário, podem ter sido seu maior erro de estratégia. Aguardemos. Ele próprio já disse que, "em eleição, a gente diz tudo; depois, a gente conversa com todo o mundo". Hoje em dia, dizer tudo não é para qualquer um. Ter um patrimônio de R$ 200 milhões facilita muito.

Fato é que Marçal não se intimida diante dos jornalistas e responde sem hesitar, mesmo que a resposta seja evasiva. Nesse cenário, certos jornalistas acabam servindo de "escada" para o influenciador "lacrar". A profissional que, candidamente, lhe disse "O senhor deveria estar preso" teve de aprender, no ar, a diferença entre "deveria" e "poderia". Marçal não deixou passar, ela se desestruturou, ele até se desculpou ao ver a reação dela e... o assunto desagradável para ele ficou para uma próxima vez.

Outra estratégia é a do espantalho, que, no caso, é o "comunismo", coisa que nem ele nem os seguidores dele devem saber o que é. Todos os oponentes são "comunistas", de Guilherme Boulos a Ricardo Nunes, apoiado por Jair Bolsonaro. É o puro nonsense, mas dito com ênfase.

Quando jornalistas tentam associá-lo a supostos crimes do presidente do seu partido, o PRTB, ele se safa, dizendo que está usando o partido para se eleger e ainda conta que tentou outras legendas, mas que "cobram R$ 20 milhões" para alguém sair candidato. Ao se comportar assim, parece sincero aos seus seguidores.


Talvez o mais interessante de Marçal seja aquilo que ele diz nas entrelinhas. Afirmou, por exemplo, ter recebido orientação do Sarney, do Collor e do Bolsonaro – este último lhe teria dado três conselhos, que, segundo ele, estão "dando certo". Com esses três "coaches", quem poderia acreditar no seu discurso "antissistema"?

Marçal pode até valer pela "diversão", pela performance diante das câmeras, mas seria bom que a população não escolhesse um palhaço, com histórico de golpista de internet, para administrar o orçamento da maior cidade da América Latina. Marçal não representa ninguém além de si mesmo.

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