Vidas Negras Importam

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Vidas Negras Importam - Matheus Moreira
Matheus Moreira
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Matheus Moreira

Homens negros não podem errar

Academia baniu Will Smith do Oscar porque ele a privou do poder de expulsá-lo

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São Paulo

Banir o ator Will Smith por dez anos de cerimônias da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood é um exagero que revela como, apesar do discurso da diversidade, inconscientemente ainda se dá mais peso aos erros de pessoas negras do que aos de pessoas brancas.

Em 2018, a entidade responsável pelo Oscar expulsou o diretor Roman Polanski, que fugiu para a França após confessar ter feito sexo com uma menina de 13 anos em 1977. Mais de 40 anos separam o crime da expulsão. No intervalo entre as duas coisas, Polanski ganhou o Oscar de melhor diretor em 2003 por "O Pianista".

Denzel Washington e Jada Pinkett Smith conversam com Will Smith após ele dar um tapa em Chris Rock - Brian Snyder - 29.mar.2022/Reuters

Por ter agredido o comediante Chris Rock, que fizera uma piada com sua mulher, Will Smith foi banido em duas semanas sem uma investigação nem um debate minucioso, após repetidamente se desculpar com público, Academia e Rock (que o perdoou).

A violência não é o caminho. Ainda assim, as pessoas erram. Cabe a nós perceber quando um erro é uma oportunidade para ensinar e quando é desprezo pela mudança de atitude. Quanto vale o perdão?

A Academia emitiu seu veredicto. O ator havia decidido renunciar à instituição antes que ela emitisse sua sentença, tirando-lhe a chance de expulsá-lo e a deixando sem poder sobre ele. Mas a sentença veio, como demonstração de força. Nas entrelinhas, lê-se: a Academia não perdoa, ela pune. Nós punimos.

E punir Smith não foi o único erro da Academia. Ela se calou sobre Rock, transmitindo a mensagem de que tolera a violência verbal e o racismo a depender de quem é o alvo (agiria assim se a pessoa ofendida fosse branca?).

Ao escolher ridicularizar a atriz e empresária Jada Pinkett Smith para fazer uma maioria branca rir, Rock, um homem acostumado a lutar contra o racismo, o reproduziu. O racismo é estrutural e perverso, ele terceiriza a violência.

Não faltou quem acusasse Smith de falta de civilidade, usando, ainda que de forma inconsciente, todos os clichês para desumanizar homens negros. Mesmo que em poucos minutos o ator estivesse no palco mais importante do cinema aos prantos, pedindo desculpas por perder a cabeça, tendo aprendido uma lição antes mesmo de a Academia entender o que havia acontecido.

Foi Denzel Washington que fez o colega perceber o erro e se desculpar, abrindo-lhe os olhos para as consequências das suas ações. Esse é o efeito educador do afeto. E pessoas negras são, constantemente, privadas de afeto.

Na plateia, Washington chorou ao ouvir o discurso de Smith. Talvez por imaginar o sentimento de culpa que tomaria conta do amigo, talvez de alívio ao vê-lo consagrado melhor ator.

Conceder o perdão aos dois atores, não só a Chris Rock, teria sido suficiente para a Academia mostrar que ações têm consequências e também que há espaço para corrigir o curso. O perdão tem um potencial de provocar a mudança desejada muito mais valioso do que a punição.

Em vez disso, vimos que homens negros não podem errar. A menos que seu erro sirva de lembrete aos negros de que eles podem se sentar à mesa, desde que não tentem decidir o que será servido.

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