Virada Psicodélica

Novidades da fronteira da pesquisa em saúde mental

Virada Psicodélica - Marcelo Leite
Marcelo Leite
Descrição de chapéu Mente

Investidor aposta em varejo de terapias psicodélicas no Brasil

Estrangeiros se associam a clínicas de SP para aplicar ibogaína e cetamina

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Marco Algorta, 43, nasceu em São Paulo, estudou aqui e na França, trabalhou em clube canábico de Madri, foi dono do bar Tres Perros em Montevidéu, obteve a primeira licença uruguaia para exportar cânabis medicinal com alto teor de THC e vendeu a empresa Cannapur para a canadense Khiron. Agora senta praça no Brasil como empresário psicodélico.

Seu novo empreendimento, Bienstar Welness Corp., anunciou nesta terça-feira (29) a primeira de uma série de parcerias com médicos brasileiros para erguer uma rede de psicoterapia assistida por psicodélicos. Para começar, com ibogaína e cetamina, que têm uso legal no país.

Modelo em 3D de molécula de cetamina com cilindros e esferas representando átomos e suas ligações
Modelo da molécula do anestésico e antidepressivo cetamina - Creative Commons

O acordo pioneiro se deu com Bruno Rasmussen Chaves, que já tratou com ibogaína mais de 2.500 dependentes químicos, em Santa Cruz do Rio Pardo e Ourinhos (SP), desde 1997. A Bienstar comprou-lhe a clínica BRC Saúde Mental e Terapias Assistidas e, ao mesmo tempo, nomeou o brasileiro como seu diretor clínico (CMO, de "chief medical officer").

A substância psicodélica provém originalmente da casca da raiz de uma planta africana, Tabernanthe iboga. No Gabão, rituais Bwiti a empregam em ritos de passagem, pois ela teria o condão de levar a pessoa até o reino dos mortos.

Em 1962, o dependente de heroína norte-americano Howard Lotsof constatou que a ibogaína cortava os sintomas da síndrome de abstinência. Tornou-se um apóstolo do preparado, que se espalhou por clínicas semiclandestinas para drogadictos.

No Brasil, a Anvisa concede autorizações especiais, caso a caso, para tratamento com ibogaína. Esse amparo legal, ao lado do porte do mercado nacional de saúde e da excelência em pesquisa psicodélica, atraiu a atenção de Algorta e seus investidores.

O empresário quer evitar que a América Latina desperte tarde demais para as terapias psicodélicas, como acredita ter ocorrido com a maconha medicinal. "Novamente, era coisa de gringo usando conhecimento não gringo", diz, referindo-se à ibogaína e à ayahuasca, utilizada há séculos por povos indígenas sul-americanos e pesquisada na USP e na UFRN como tratamento experimental para depressão.

"Vamos desde já pôr uma bandeira nossa na América Latina. Não é para gringo ver", afirma o uruguaio-brasileiro, beneficiário ele próprio de um psicodélico (psilocibina).

"Eu me perdoei. Precisava agradecer", conta. "Meu terapeuta disse que eu tinha avançado dez anos em um dia."

Após vender o negócio canábico para a Khiron em 2019, Algorta ainda trabalhou alguns anos para a empresa canadense. Saiu em janeiro deste 2022 para se dedicar integralmente à Bienstar, que atraiu US$ 1,2 milhão (R$ 5,7 milhões) em investimentos.

Um sexto do valor (US$ 200 mil) veio de financiadores do Uruguai. US$ 500 mil foram aplicados pela empresa psicodélica canadense Nova Mind, que pesquisa coisas como LSD para transtorno de ansiedade. Outros US$ 500 mil procedem do fundo Plaza Capital --em ambos os casos, por iniciativa do panamenho Raymond Harari.

A outra substância em mira, cetamina (ou ketamina), é um anestésico de largo uso que vem sendo empregado como antidepressivo de ação rápida. A Bienstar negocia com anestesistas, psiquiatras e psicólogos para abrir clínicas especializadas nesse tratamento com cetamina, que prolifera comercialmente nos Estados Unidos.

Embora de uso legal aqui, ambas as drogas comportam riscos. A ibogaína pode desencadear arritmias cardíacas fatais, se ministrada sem acompanhamento médico. A cetamina tem potencial para dependência e, ao se tornar popular entre jovens britânicos, seu abuso causou danos permanentes em alguns septos nasais e bexigas urinárias.

Paisagem em sépia mostra pessoa caminhando em estrada de terra com os dizeres "Uma abordagem inovadora"
Reprodução da página da empresa Bienstar Wellness Corp. - Reprodução

Além do Brasil, a Bienstar está de olho nos mercados mexicano, panamenho, peruano e uruguaio. A empresa tem sede no Brasil, pela massa crítica psicodélica, e no Uruguai, onde a situação financeira é mais estável e se pode manter conta bancária em moeda estrangeira, explica Algorta.

O investidor considera a ciência por trás dos psicodélicos mais aparelhada para medir efeitos e apresentá-los a autoridades reguladoras. "A [pesquisa com] cânabis começou nos anos 1970; a psicodélica, muito antes", diz, referindo-se a vários estudos com LSD, psilocibina e MDMA antes da proibição nas décadas de 1970/80.

Algorta vê mais diferenças que semelhanças entre o ramo canábico e o psicodélico. Mas pretende usar a experiência adquirida no primeiro para evitar percalços --como o impedimento legal a receber na conta bancária da sócia, Agustina Loinaz, US$ 60 mil recebidos pela Cannapur em fomento do BID.

Diante do preconceito existente, apesar do entusiasmo por vezes exagerado com o renascimento psicodélico, a Bienstar planeja investir não só em clínicas, mas em educação médica e esclarecimento do público. Para isso, programa realizar em novembro no Rio de Janeiro um evento internacional com luminares brasileiros e estrangeiros da ciência psicodélica.

"O Brasil tem 8 ou 9 dos 100 ‘top players’ de [estudos] psicodélicos", destaca Algorta. "É um celeiro."

-------

Para saber mais sobre a história e novos desenvolvimentos da ciência nessa área, inclusive no Brasil, procure meu livro "Psiconautas - Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira"

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.