Virada Psicodélica

Novidades da fronteira da pesquisa em saúde mental

Virada Psicodélica - Marcelo Leite
Marcelo Leite
Descrição de chapéu Mente

Como a psilocibina desata nó da depressão por ao menos 3 semanas

Mapas cerebrais revelam mente mais flexível com substância de 'cogumelos mágicos'

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São Paulo

O sofrimento psíquico de pessoas com depressão séria parece um nó górdio: quanto mais puxam pelo pensamento, mais se enrijece o aperto mental. Artigo desta segunda-feira (11) no periódico Nature Medicine revela como o psicodélico psilocibina consegue afrouxar o laço depressivo e o mantém corrediço por três semanas, algo de que são incapazes antidepressivos disponíveis.​

Fac-símile de página da revista científica Nature Medicine com logotipo em vermelho e texto (título, auotres e resumo) em caracteres pretos
Reprodução de artigo sobre psilocibina e depressão na revista Nature Medicine - Reprodução/Nature Medicine

A psilocibina é a substância modificadora de consciência e percepção presente nos "cogumelos mágicos" do gênero Psilocybe. Em estudos científicos se usa o composto de origem sintética, para melhor controle de dosagem.

Trata-se de mais um estudo do Centro de Pesquisa Psicodélica do Imperial College de Londres sob a liderança de David Nutt e Robin Carhart-Harris (RCH hoje está na Universidade da Califórnia em São Francisco). Um dos co-autores é a brasileira Bruna Giribaldi, jovem pesquisadora do Imperial.

Desta vez eles analisaram mapas de atividade cerebral de 60 pacientes no início e após três semanas, em dois experimentos, com ressonância magnética funcional. As imagens mostraram decréscimo na segregação entre redes cerebrais, ou seja, aumentou a comunicação entre elas.

Uma dessas redes é a de modo padrão, conhecida pela sigla em inglês DMN, ativa em estados de introspecção. Relevantes na depressão há outras, como a rede executiva (EN), envolvida no controle cognitivo, e a de saliência (SN), importante na alternância da atenção entre os mundos externo e interno.

Distúrbios na ação e na interação dessas redes parecem estar na origem das formas mais graves de depressão, como nos pacientes que não respondem a tratamento. Eles ficam presos num círculo fechado de pensamentos negativos, a ruminação, que por sua vez estaria associada com um aumento da modularidade, vale dizer, de segregação entre as redes.

Os dois testes clínicos em que se obtiveram as imagens de ressonância já tinham chamado a atenção. No primeiro, de 2016, todos os voluntários sabiam que tomariam psilocibina, assim como os pesquisadores (é o que se chama de ensaio "open label"). No outro, um duplo-cego randomizado de 2021, a droga psicodélica foi comparada com o antidepressivo escitalopram.

Fluxograma com caixinhas ilustradas mostrando passos de experimento
Fluxograma de teste clínico comparando psilocibina e escitalopram para depressão - Reprodução/Nature Medicine

Nos dois casos, os participantes tratados com psilocibina tiveram melhora imediata nos sintomas de depressão e a sustentaram por semanas. Mais importante, o estudo na Nature Medicine mostra agora que, em paralelo, diminuiu também a modularidade entre as redes cerebrais,

Em outras palavras, passou a haver mais comunicação entre elas, possivelmente abrindo brechas no círculo de ruminação. O mesmo não se observou nas ressonâncias de quem só tomou escitalopram (Lexapro), cujo efeito antidepressivo de resto costuma demorar semanas para se manifestar.

"É flexibilidade aumentada entre redes", esclarece Carhart-Harris em mensagem de correio eletrônico. "Pense na modularidade como segregação de módulos, de modo que, se ela diminui, há menos segregação." Ele acredita que o mesmo mecanismo poderá ser mobilizado, a depender de novas pesquisas, contra transtornos como anorexia e dependência química.

"O achado trata mais da mudança na paisagem global, em que o panorama se torna mais aberto e flexível. É importante não ficar preso a pensar em uma só rede, aqui. O mérito da análise e do resultado é lançar um olhar ‘meta’ sobre a função cerebral total [whole-brain function]."

O aumento geral de flexibilidade poderia explicar o efeito imediato da psilocibina, notícia melhor ainda quando se verifica que a correlação persiste mesmo depois de três semanas. Foi o que destacou David Nutt, mentor de RCH, num comunicado do Imperial College:

"Tais achados são importantes porque, pela primeira vez, encontramos que a psilocibina funciona de maneira diferente de antidepressivos convencionais --tornando o cérebro mais flexível e fluido, menos entrincheirado nos padrões de pensamento negativos associados com depressão. Isso corrobora nossas predições iniciais e confirma que a psilocibina poderia ser uma abordagem alternativa real para tratamentos de depressão."

"Embora esses resultados sejam encorajadores", alertam os autores, "ensaios anteriores de avaliação da psilocibina para depressão ocorreram sob condições clínicas controladas, empregando uma dose regulada formulada em laboratório, e envolveram apoio psicológico extensivo antes, durante e depois da dosagem, fornecido por profissionais de saúde mental."

Dito de outra maneira, nada de apelar para automedicação. Tentar cortar o nó górdio da depressão sem ajuda externa pode ser frustrante, se não arriscado.

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